
Jessica Mathews
Uma proposta de amor
Título: Uma
proposta de amor
Autor:
Jessica Matthews
Título original: Babies on her mind
Dados da
Edição: Editora Nova Cultural 2000
Publicação
original: 1999
Gênero: Romance contemporâneo
Digitalização: Nina
Gênero: Romance contemporâneo
Digitalização: Nina
Revisão:
Bruna
Estado da Obra: Corrigida
Estado da Obra: Corrigida
Uma noite perdida no tempo...
Emily
Chandler sabia que a noite de amor que vivera com Willian Patton fora um erro.
Afinal, o que ela queria era amor, casamento e... bebês. Emily, porém, sabia
que não era a mulher certa para aquele homem!
Willian
tinha de convencer Emily de que eles precisavam se casar. Pelo bem da criança
que iria nascer. Mas ao ficar tão próximo de Emily, não tinha mais certeza se
era mesmo por causa do bebê que queria se casar com ela!
PRÓLOGO
Emily
Ann Chandler caminhava por um dos corredores do Crossbow Country Club à procura
de um lugar calmo. A idéia inovadora do comitê do baile, providenciando uma
orquestra de ritmos mais agitados, provara ser um sucesso. O pessoal do
hospital e seus convidados preenchiam todos os espaços do salão de festas, e o
nível de ruído estava ficando quase insuportável.
Ela
pensara que sentiria frio com seu vestido de noite verde-escuro, mas o grande
número de pessoas presentes fizera a temperatura subir, obrigando-a a descartar
até mesmo a echarpe que cobria seus ombros nus.
Para
piorar as coisas, seu traje era muito justo, com apenas uma fenda logo abaixo
dos joelhos, o que tornava difícil para ela caminhar. Andar com passos
minúsculos como os de uma gueixa era muito mais complicado do que Emily pudera
imaginara.
Para
sua felicidade, descobriu um salão vazio numa das extremidades do prédio. Para
completar a paz do ambiente, o local era decorado com poltronas no estilo
vitoriano, dispostas em pequenos grupos para facilitar conversas íntimas.
Acabou
escolhendo uma cadeira a um dos cantos, de costas para a entrada, e
acomodou-se, tirando os sapatos pretos logo em seguida e deixando escapar um
suspiro de alívio.
Cercada
pela penumbra, o sorriso que mantivera por toda a noite desapareceu. Fingir
estar se divertindo enquanto sua mente trabalhava sem parar para tentar
resolver seus problemas pessoais exigia muito mais energia do que podia
aguentar. Nos últimos tempos, passara a sentir medo de que suas preocupações
acabassem sendo notadas por seus amigos e colegas.
O
contato de seus pés descalços com o carpete lhe dava uma sensação de conforto.
Poucos segundos depois, a exaustão a fez adormecer.
Seu
sono foi interrompido quinze minutos depois, ao ser acordada por duas vozes que
conversavam na escuridão, sem notar sua presença.
Emily
virou-se de maneira discreta e bem lenta, observando a jovem loira alta e
linda que estava parada ao lado do dr. Willian Patton do outro lado do salão. O
caríssimo vestido cor de pêssego que usava contrastava com o negro do smoking
dele, assim como suas feições delicadas das linhas duras e másculas do
médico. A combinação daqueles contrastes todos fazia dos dois um bonito casal.
Emily
sentiu uma ponta de inveja. Enquanto decidia se devia ou não sair daquele
local, as palavras da mulher ecoaram pelo salão, e ela não pôde evitar ouvir a
conversa. Mesmo assim, prendeu a respiração, permanecendo hirta em seu assento,
e desejou permanecer invisível enquanto a moça falava com clareza:
— Não posso me casar com você, Willian.
— Como assim?
— Pensei que podia, mas me enganei.
— O que quer dizer com "pensei que
podia"?
— Apenas isso.
— Quero o motivo.
— Por favor, não me faça dizer isso.
— Vamos lá, Celine. Quero saber por que
voltou atrás. Emily não estava surpresa pelo nome glamouroso, que se encaixava
à aparência exuberante da jovem. Sempre considerara sua própria imagem
bastante comum, como o próprio nome. Talvez devesse mudar o corte de cabelos
na próxima visita ao salão de Pearl. E, se tivesse mais dinheiro, talvez fazer
até uma pequena cirurgia plástica no nariz.
Pessoas
como Celine sempre tinham narizes arrebitados, o que tornava mais fácil fitar
as pessoas de cima.
— Não mudei de idéia, Willian. Quando
você me fez a proposta, pedi algum tempo para ponderar, e foi o que fiz. E
minha resposta é "não".
— Entendo...
— Você é estruturado demais. Vive sua
vida como se fosse governada por um relógio.
— Estou
espantado por saber que pensa assim.
Naquele momento, os dois se puseram atrás de uma coluna do
outro lado do salão, onde Emily não podia vê-los.
— Sou obstetra, Celine. Por isso, meu
dia quase nunca corre de acordo com meus planos.
— Não estou me referindo a suas
atividades cotidianas. Falo da forma como você tem toda sua existência
organizada. Objetivos para daqui a um, dois, cinco anos... como se quisesse
antecipar todos os detalhes. Não há nenhum espaço para a espontaneidade.
— Então é isso o que quer? Coisas
imprevisíveis?
Emily
meneou a cabeça, exasperada. Depois dos vendavais que experimentara nos
últimos tempos, abraçaria uma situação estável com ambas as mãos, se tivesse
chance.
— Não
faça essa palavra soar como se fosse suja, Will. Você planeja seu futuro e
constrói estratégias para tudo. Entretanto, quase nada funciona assim. Algum
dia, quando seus planos falharem e tiver de se deparar com o inesperado, tenho
certeza de que não saberá como lidar com aquilo.
Aquela
moça não o conhecia muito bem, Emily concluiu. Jamais encontrara um médico mais
calmo para encarar uma emergência.
— Muito obrigado
— ele agradeceu, seco. — Sua confiança em mim me envaidece.
— Sei que trabalhou duro por tudo o que
conseguiu na vida, Will, e que não vai parar até tornar cada meta sua uma
realidade. Sua determinação foi parte do que me atraiu em você... No entanto,
sinto-me apenas como uma peça bonitinha que escolheu para seu caminho até o
topo. Um troféu, por assim dizer.
— Agora
está se subestimando.
A voz dela suavizou-se:
— Precisa de alguém que o ajude em sua trajetória, mas, para
ser honesta, não desejaria me ligar a alguém que me quer apenas porque tenho um
bom nível social ou porque sou filha de um senador. Desejo alguém que me queira
porque sou Celine Meyeres.
Willian
não respondeu.
— Olhe para si mesmo, Will, e entenda
que um casamento entre nós seria um erro imperdoável. Não está nem mesmo
irritado com minha recusa.
— Preferiria que eu estivesse
arrancando os cabelos?
— Seja honesto. Você gosta de manter
tudo sob controle, e isso o impede de compartilhar até mesmo a menor parte de
si mesmo. Eu, por outro lado, sou egoísta o bastante para querer uma pessoa de
corpo e alma, por inteiro.
Seguiu-se
uma pausa tensa.
— Nosso enlace seria apenas uma forma
para que atingisse seu objetivo, Will. Um contrato para lhe dar o que você
necessita no estágio em que se encontra.
— Se é assim que pensa...
— Se fosse franco, admitiria que apenas
me fez essa proposta porque o grupo de obstetras prefere ter entre eles um
homem casado e o dr. Moore lhe propôs sociedade.
— Isso não é verdade.
— Oh, Will! Sei que se importa comigo,
e também me importo com você. Mas isso não é amor. Seria muito pouco nos
contentarmos com uma emoção tão pequena. Não escolha uma esposa baseado em
suas idéias preconcebidas. Deixe seu coração falar. Está agora com trinta anos.
Sem dúvida vai encontrar uma garota adequada.
— Achei que tivesse encontrado.
Emily
imaginou ver um pequeno sorriso de prazer surgir nos lábios de Celine.
— Nós tivemos bons momentos, Will. Não me arrependo deles.
Desejo-lhe tudo de bom, pois você merece isso. Adeus.
Sem se
dar conta, Emily apertou os braços da poltrona com força, até os nós de seus
dedos ficarem esbranquiçados.
Parte
dela queria sair correndo dali e dizer a Celine que estava fazendo um
julgamento equivocado. Contudo, o bom senso lhe pedia para ter cautela. Afinal,
aquele não era assunto seu.
Além do
mais, o dr. Patton era um tipo forte e discreto, e na certa não iria gostar de
sua interferência, por mais bem-intencionada que fosse.
Emily
esperou por vários minutos, atenta a qualquer sinal da presença de outra pessoa
no salão. Não ouvindo nada, enfim levantou-se depois de calçar os sapatos e
começou a caminhar em direção à porta. Poucos passos depois, estacou. Viu o dr.
Patton sentado numa cadeira de espaldar alto, com uma expressão circunspecta e
até mesmo vulnerável.
— Ah, desculpe-me! — Hesitante, encarou o olhar surpreso do
médico. — Eu... bem... não quis ouvir, mas estava lá no canto quando você e
sua... companheira chegaram. Tentei não escutar o que diziam.
O
ceticismo dele era aparente.
— Sinto muito, não foi minha culpa. E, se isso lhe serve de
consolo, sei como está se sentindo.
Willian
fitou-a por um longo momento.
— É mesmo?
— Sim. Desmanchei meu namoro há algumas
semanas.
— Nesse caso, diria que você deve
entender melhor o que Celine está sentindo do que o que eu estou
sentindo.
As
feições dela endureceram diante do sarcasmo daquele comentário.
— Na verdade, foi ele quem me deixou.
A descrença de Patton era óbvia, e Emily sentiu-se obrigada a explicar. Acomodou-se ao lado dele
e cruzou as pernas. Porém, de súbito
percebeu que a fenda de seu traje proporcionava uma visão provocante,
revelando grande parte de suas coxas, e decidiu colocar de novo os dois pés no
chão.
— Nós ainda estaríamos juntos se meu
namorado não tivesse me dado um ultimato. Eu deveria escolher entre ele e minha
família.
— E vejo que sua família venceu.
— Não era um concurso. — Ofendida pelo
comentário, Emily levantou-se. — Mas não se incomode. E uma longa história, e
você não iria se interessar.
— Para ser franco, ainda estou tentando
entender como você poderia saber o que me vai no íntimo.
— Meu irmão teve problemas
disciplinares na escola desde o começo do
último período letivo, no outono. — Voltou a sentar-se. — Nada muito
sério, mas meu tio começou, de uma hora para outra, a interessar-se muito pela
conduta de Kevin.
Emily
fez uma pausa, e então ergueu a cabeça para encarar Willian.
— Tio Bert vive em Dallas, e está tentando entrar para a
política local com uma plataforma que diz: "Vamos cuidar dos criminosos
juvenis". Titio acredita que, cuidando de Kevin, vai fortalecer a própria
imagem diante do eleitorado. Crê que meu irmão precisa da mão firme de um
homem, e por isso pretende requisitar a guarda de Kevin na Justiça.
Ela
deixou escapar um suspiro profundo.
— Meu advogado
acha que vovó e eu teríamos uma chance melhor de lidar com a situação se eu
fosse casada. Estive saindo com Don por mais de um ano, por isso ele era a escolha
lógica.
— Mas o rapaz não concordou com seus
planos.
— Temo que não.
Você pediu mesmo Celine em casamento porque o dr. Moore lhe ofereceu sociedade?
— Sempre faz perguntas tão pessoais
assim? Emily endireitou-se.
— Apenas se for algo que preciso saber.
— Tem certeza de que não se trata de
simples curiosidade? Talvez até... bisbilhotice.
— Não é nada disso. É importante.
Apenas não posso explicar por quê. Pelo menos não ainda.
— Bem, ser casado não é uma condição
indispensável para se tornar sócio. Conheci Celine há mais de um ano, e me
parecia o tempo certo para fazer a proposta.
— Entendo.
Contudo,
Patton não precisava de uma esposa tanto quanto ela de um marido.
Os
olhos dele estreitaram-se.
— Aí está sua resposta. Agora é minha vez. Por que queria
saber isso?
Emily
deu de ombros, como se considerasse aquela conversa insignificante.
— Porque pensei que, se o comentário de
Celine fosse verdadeiro, poderíamos nos ajudar um ao outro.
— É mesmo?
Para dissimular
sua exasperação, Emily continuou, no tom mais casual que pôde encontrar:
— Não consideraria a hipótese de casar-se comigo, não é?
Emily
jamais esqueceria a expressão surpresa no semblante de Willian, nem em cem
anos. Os olhos negros encheram-se de pânico, como se ele não soubesse como
lidar com aquela oferta inusitada.
Sabendo
que não poderia suportar a rejeição polida dele, Emily antecipou-se,
erguendo-se.
— Olhe, doutor, você perguntou e eu respondi. Esqueça o que
lhe disse. Foi algo impróprio, e peço perdão por colocá-lo nessa posição.
Desejando
escapar, Emily deu-lhe as costas e dirigiu-se para a saída. Dois passos mais,
no entanto, e a mão firme de Willian em seu ombro a fez estacar.
— Não é porque não acredito que você poderia ser uma esposa
maravilhosa. Não tenho dúvida de que seria. É que... — Willian não terminou a
sentença, observando a confusão dela, como se procurasse pela frase certa.
Emily
não queria demonstrar o quanto estava ferida por dentro.
— Eu sei. — Esforçou-se para sorrir. —
Ouvi os comentários de Celine. Você quer alguém igual a ela, que é filha de um
senador. Alguém com projeção, que possa ajudá-lo a chegar ao topo.
— Quando diz isso, faz com que me
pareça uma pessoa sem escrúpulos nem coração.
— Estou apenas parafraseando Celine.
Mas se quer alguém que seja toda seda e cetim, lhe garanto: pode procurar em
outro lugar.
— O que pretende fazer?
— Enfrentar o
blefe de meu tio. Seja como for, não se preocupe, posso cuidar de tudo. — Desejando sumir dali
antes de perder a compostura, Emily
emendou: — Agora, se me permite, tenho de encontrar minhas amigas antes
que elas achem que fui raptada. Além disso, prometi uma dança a alguém.
Emily
virou-se, mas não antes de olhar de relance para Willian. Ponderou se seria
correto deixá-lo ali sozinho, e a compaixão a impulsionou a convidar:
— Quer se juntar a nós?
Willian
fez menção de recusar, porém assentiu:
— Claro. Por que não?
— Ótimo.
Estendendo
o braço e tocando-a nas costas nuas, o dr. Patton conduziu-a adiante. Até
aquele momento, Emily não percebera quão alto ele era. Devia ter quase vinte
centímetros a mais que ela. O vestido justo agora parecia expô-la demais,
revelando detalhes de sua figura muito feminina.
Juntaram-se
ao grupo e ficaram alguns minutos à mesa, mas logo depois já estavam dançando
no meio do salão.
Emily
encontrava-se tão perdida em conjecturas que nem mesmo notou a presença de Don,
parado à entrada. Emily, aliás, só o percebeu quando a dança chegou ao fim, e
os casais começaram a retornar a seus lugares.
Don
também usava smoking, como os demais convidados, mas seus cabelos se
mostravam em desalinho, e a gravata, fora do lugar. Quando o ex-namorado se
aproximou, Emily concluiu que o odor de álcool que emanava de seus lábios tinha
muito a ver com seu jeito beligerante.
— Bem, olhe só!
Não é uma bela visão? — Don colocou-se no caminho deles.
— Você está bêbado. — Emily tentou
passar a seu lado, mas ele segurou-a pelo pulso com muita força.
— Se estivesse, não seria por ver o que
está fazendo. — Don encarou Willian, antes de continuar: — Suponho que a moça
já lhe contou sua história triste.
— Solte-a —
Willian ordenou. — Nós estamos indo embora.
Don
suspirou, com desprezo.
— Indo embora para onde? Ou eu deveria indagar: para fazer o
quê? Se estiver com alguma idéia em mente, é melhor levá-la para sua casa,
porque não pode ir até a dela. Emily jamais ofenderia sua avó ou o garoto, sabe
como é...
Livrando-se
dele, Emily deixou escapar um suspiro.
— Vá embora, Don.
O homem
ignorou-a, continuando a dirigir-se a Willian.
— De qualquer forma, foi avisado, rapaz. Essa garota é problemática.
Não vai chegar muito longe, a não ser que coloque um anel em seu belo dedinho.
A srta. Certinha jamais agirá como uma mulher de carne e osso. Não, não senhor.
Emily sempre parece observar o mundo de um pedestal muito alto, bem acima do
resto de nós, reles mortais.
Don
respirou fundo.
— Como já disse a ela, vai ser difícil encontrar um sujeito que
se responsabilize por toda aquela gente. Ninguém em seu juízo perfeito poderia
fazer isso. E esse é meu caso.
— Verdade? — Willian provocou-o. —
Posso ver... Don se virou para Emily.
— Venha cá, boneca. Quero lhe dar um
beijo de despedida. Por um instante, Don
hesitou, como se fosse deixá-la passar.
Contudo, acabou se inclinando para a frente e
estendeu a mão, como se desejasse pegá-la pelo pescoço. Mas a reação
defensiva de Emily fez
com que atingisse apenas a alça de seu vestido.
Num
gesto brusco e violento, os dedos dele arrancaram a alça, e a parte da frente
do traje desabou.
Segurando
o fino tecido diante dos seios para evitar uma humilhação total, Emily desejou
por um segundo que o chão se abrisse sob seus pés antes que morresse de
embaraço. Ao erguer a cabeça, notou, surpresa, que o maxilar de Willian
parecia tenso, e ordenou-lhe:
— Fique para trás, Emily.
Don
gingava de um lado para o outro, como um lutador de boxe num ringue.
— Quer dizer que o sr. Fala Mansa vai lutar comigo por sua
honra, Emily? — Chegou mais perto de Willian. — Vamos ver se conseguirá
impressionar a garota, bonitão.
Antes
que Emily pudesse se mover, o punho de Willian atingiu a face de Don com força
suficiente para atirá-lo longe. O ex-noivo inconveniente apoiou-se nos
cotovelos um instante depois, e tocou o lábio inferior, olhando em seguida para
a ponta dos dedos, que estavam manchadas.
— Estou sangrando! — Don massageou a
mandíbula. — Você deixou meu dente solto!
— Considere-se com sorte por ser apenas
um. — Willian tirou o paletó.
— Não vai sair daqui desse jeito! — Don advertiu-o.
Emily arrepiou-se quando Willian cobriu sua pele nua.
Como se fosse uma criança, ele a tomou nos braços num gesto
muito protetor. O calor e o aroma que desprendiam-se daquele corpo másculo fizeram-na perceber o
quão fria estava, tanto por dentro como por fora. E a constatação a fez tremer.
— Vamos, Emily. — O doutor conduziu-a para
que passasse ao lado de Don, que continuava estendido no piso.
— Sinto muito...
— Fique calma. Foi ele quem pediu. Além
disso, não foi culpada de nada. Não é uma vergonha ver um homem adulto agindo
dessa forma?
— Vai viver para se arrepender disso,
ouviu? — Don gritou, numa bravata.
Willian
ignorou-o e continuou a conduzir Emily, como se estivesse muito tranquilo.
Assim
que chegaram à casa de Willian, ele ofereceu a Emily seu roupão de banho.
Encontravam-se
à mesa da cozinha, onde ela costurava seu vestido de seda. A caneca do café que
Willian preparara estava a sua frente, com o líquido escuro fumegando.
Segurando
sua própria caneca, Willian parecia perdido em pensamentos. A recusa de Celine
não fora uma surpresa completa. Mesmo assim, desapontara-se.
O julgamento
que ela fizera sobre sua personalidade tinha algo de correto, precisava
admitir, mas fazer planos e manter a própria vida sob controle eram coisas das
quais não queria abrir mão.
Fitando
Emily de relance, notou que suas mãos estavam paradas.
— Eu não tive culpa, Willian.
— É evidente que não.
— E não costumo me colocar num
pedestal, acima das outras pessoas.
— Você não tem de me explicar nada. Seu
ex-namorado estava bêbado, e não costumo levar comentários de pessoas assim em
consideração.
— Mas quero me explicar. Eu preciso.
Willian
se calou, compreendendo os sentimentos dela.
— Não sou uma esnobe. Apenas muito
seletiva. – Willian sorveu um gole de
seu café.
— Essa é uma boa política nos dias de
hoje.
— É o que penso também. — Uma lágrima
escorreu por sua face. — Então por que me sinto tão mal?
— Decerto porque dói quando alguém que
julgamos que nos ama se vira contra nós.
Ela
mordiscou o lábio.
— É assim com você? Quero dizer... em
relação a Celine?
— Sim. Acho...
Willian
a amara, embora não da maneira arrebatada e ardente que Celine desejara. Sua
existência era governada pela lógica, e não pelas emoções. Celine queria o
oposto, e era esperta o bastante para saber que não poderia mudar os hábitos
adquiridos por um homem na idade dele.
— Tenho uma estranha urgência de provar a Don que ele estava
errado. Será que é uma loucura?
A mesma
idéia passara pela mente de Willian. Uma ânsia, uma necessidade quase
incontrolável de jogar por terra o julgamento que Celine fizera dele. Claro
que admitia ter uma tendência para planejar o futuro. Mas quanto a ser acusado
de falta de espontaneidade, era um pouco de exagero.
O
entrevero com Don era um belo exemplo. Willian gostaria que Celine tivesse
visto todo o episódio. Deixando escapar um suspiro, encolheu os ombros.
— Parece razoável, para mim.
Emily
observou a roupa que tinha no colo, e então colocou a delicada peça sobre o
tampo, erguendo-se. Sua voz era pouco mais que um sussurro:
— Você me ajudaria?
Willian
congelou, incapaz de acreditar naquele convite.
— De que maneira?
— Provando que sou uma pessoa de carne
e osso. Nos últimos dez anos, em todas as decisões que tomei, sempre levei em
consideração como algo poderia afetar minha família. Quero agir pelo menos uma
vez por impulso.
Emily
soltou a faixa do robe, que abriu-se, revelando curvas deliciosas e uma pele
bronzeada.
— Por favor...
Willian
engoliu em seco. A lógica o mandava recusar, mas as acusações de Celine ainda
ecoavam em sua memória.
A
excitação começou a aumentar. Inclinando-se para a frente, Emily ficou a poucos
centímetros. A eletricidade parecia preencher o ar entre os dois.
— Quero momentos de que possa me
lembrar.
— Você não tem de fazer isso, Emily.
Os
magnéticos olhos castanhos fixaram-se nos dele.
— Sim, eu tenho. Tudo o que peço é uma noite. Nada de
compromisso. Amanhã poderemos voltar a nosso relacionamento profissional e
esquecer tudo o que houve.
Vendo-a
ali, parada, suave e doce, Willian duvidava que conseguisse esquecer qualquer
detalhe.
— Por que eu?
— Porque me sinto segura com você,
Will.
Uma
onda incontrolável de desejo tomou conta de Willian, que estendeu o braço e
tocou-a no rosto. Da pele rosada de Emily desprendia-se um aroma de rosas,
muito gostoso.
— Tem certeza? — ele perguntou.
Percebendo
que sua própria necessidade de conforto era tão grande quanto a dela, Willian
concluiu que, se quisesse agir com sensatez, deveria voltar atrás, levando-a
para casa. Porém, jamais fora um perfeito santo.
Emily
suspirou, recostando-se contra ele. O roupão abriu-se por completo, ao mesmo
tempo que os braços dela enrodilharam o pescoço de Willian.
— Mais do que nunca...
CAPÍTULO I
Dois
meses e meio depois.
Encontre-me
para o jantar às seis da tarde.
A
familiar voz de Willian Patton surgiu do nada, apanhando Emily Chandler de
surpresa.
Um
instante depois, um senso de fatalismo tomou conta dela. Devia esperar por
aquela conversa. Afinal de contas, aquilo sempre acontecia quando ele aparecia
em seu plantão.
Com
gestos calmos, acabou de fechar seu bloco de anotações, colocando-o junto com
os registros médicos no escaninho atrás de si.
— Não, obrigada, doutor — ela disse,
fingindo casualidade, para camuflar as sensações incômodas que a atenção
daquele homem produzia nela.
— Por que não? — Willian inclinou-se
para a frente de maneira desafiadora.
— Estou ocupada.
Emily
ergueu a cabeça, encarando mais uma vez aqueles olhos pretos e misteriosos. O
belo rosto másculo parecia expressar um certo tipo de exasperação. Mesmo assim,
a entonação permaneceu sob controle.
— Amanhã à noite, então.
Emily
inclinou-se para trás, rezando para que sua expressão conseguisse esconder o
efeito que aquele olhar penetrante produzia em seu corpo. Sabia muito bem que
estava diante de um homem observador, a quem nenhum detalhe passava
despercebido. Sua melhor e única defesa era agir como se não se incomodasse com
o interesse dele.
Notando
a passagem de dois enfermeiros no corredor ao lado, lembrou-o:
— Concordamos em manter nosso relacionamento no campo
estritamente profissional. Somos médico e enfermeira, nada mais.
Considerando
o assunto encerrado, Emily estendeu o braço para apanhar outro bloco de notas,
mas foi impedida pela mão forte e enorme do doutor.
— Acordos podem ser renegociados.
O
físico atlético estava tão próximo que Emily pôde sentir até mesmo o cheiro da colônia
após a barba.
— Claro que sim, mas apenas se ambas as partes
concordarem com isso.
— Vamos lá, Emily. Que mal um simples jantar
poderia causar? Faço isso com meus colegas o tempo todo.
A oferta dele era tentadora, mas Emily sabia que até mesmo a circunstância mais inócua poderia
se complicar com facilidade. Sua reação foi encará-lo com um sorriso de
desculpas.
— Agradeço pelo convite, mas não posso encontrá-lo mais tarde.
Nem esta noite, nem na de amanhã, nem em nenhuma outra.
Willian
empertigou-se.
— Não vou desistir, Emily.
— Vai, sim.
— Não vou.
— Por que não?
— Quer que eu entre em detalhes aqui,
num lugar público? — Willian fingiu observar o ambiente por um instante. — De
qualquer forma, se é isso o que quer, ficarei feliz em discutir nossos assuntos
inacabados.
— Não! — Suspirou.
Nas
últimas três semanas, Willian vinha sendo tenaz, tentando a todo custo obter
uma maior intimidade com Emily nos poucos minutos em que ficavam a sós no
hospital. De certa forma, ela até sentia falta do tempo em que ambos não
trocavam mais do que uma polida saudação.
Emily
respirou fundo, resignada. Willian fora bastante claro. Não era o tipo de homem
que gostava de deixar questões para trás, e não iria desistir enquanto achasse
que tinha algo a resolver com ela.
Encolhendo
os ombros, Emily reagiu de maneira também muito persistente. Willian teria de
esperar até que Emily cuidasse dos problemas do irmão. Mesmo alguém tão forte
quanto ela só podia cuidar de uma crise pessoal de cada vez.
— Vou checar minha agenda para os
próximos dias, doutor. Porém, não lhe prometo nada.
— Isso é justo. Vejo-a amanhã. —
Girando sobre os calcanhares, o médico afastou-se, sem nem mesmo esperar por
uma resposta.
Antes
mesmo que o odor de desinfetante pudesse apagar o aroma de sua colônia, Molly O'Donnell,
uma simpática enfermeira ruiva da maternidade, juntou-se a Emily ao balcão.
— Por que apenas não diz ao pobre homem que sim?
Emily encarou a amiga.
— O quê?
— Diga "sim". O doutor a está convidando para
jantar há semanas. O mínimo que você pode fazer é aceitar para acabar com a
frustração do infeliz.
O
comentário da colega foi recebido com um sorriso condescendente de Emily.
— Patton pode sair com qualquer uma das
outras enfermeiras.
— Sim, claro. Mas não quer. Para falar
a verdade, Willian Patton não deu sequer uma segunda olhada para nenhuma de nós
desde que chegou a Crossbow, três meses atrás; com exceção de você. E pode
acreditar que não foi por falta de esforço de todas nós, as boas e velhas
garotas do Texas.
— Tentem outra vez — Emily sugeriu. —
Assim, talvez ele me deixe em paz.
Molly
arqueou as sobrancelhas, confusa.
—Mas por quê, Emi? Você é uma mulher
livre. Rompeu com Don Springer antes do Natal. Não precisa se comportar como se
estivesse guardando luto. Se o dr. Patton está interessado, por que vai
dispensar todo aquele apelo sexual?
—Não estou interessada em outro
relacionamento, casual ou não.
—Céus, Emi, o doutor apenas quer
levá-la para jantar! E, se posso ser
franca, vocês dois formam um casal muito bonito.
— As aparências podem enganar, Molly.
De qualquer forma, não sou a garota que ele procura.
— Como pode saber? Jamais troca mais do
que duas frases com Willian, a não ser que
digam respeito a um dos pacientes.
— Eu sei, apenas isso. E, até que
consiga resolver todos os problemas relacionados a meu irmão, não quero mais
nenhuma complicação.
Ao
dizer aquilo, Emily retornou ao serviço de organizar as fichas dos pacientes,
considerando o assunto encerrado. Não tinha a intenção de justificar de nenhuma
forma a decisão que tomara. Seus motivos eram pessoais e íntimos demais para
serem compartilhados com outras pessoas.
— Ainda não posso compreender por que
um encontro com um homem como Willian Patton pode ser considerado uma
complicação.
— Mas é — Emily assegurou, com desdém. — Pode
acreditar no que digo.
Molly
meneou a cabeça.
— Levando em consideração o quanto ele é bonito, uma noite
com aquele médico pode fazer muito bem para a vida de uma moça. Ouvi rumores de
que era um verdadeiro furacão quando mais jovem...
Emily
foi surpreendida por aquela informação.
— Não me parece um agora.
— Não, Emi. Mas talvez esteja apenas
ocultando toda aquela energia, esperando pela hora e o lugar certos. Se for
assim, imagine o que pode acontecer quando tanta paixão for liberada...
Molly
revirou os olhos, mas sua frase não obteve o efeito que a enfermeira desejava.
— Ajudar Kevin com sua lição de casa é toda a excitação que
quero neste instante. — Emily resolveu mudar de assunto: — Vai correr hoje à
noite? — Cruzou os dedos, esperando que Molly desse uma resposta negativa.
O
programa de exercícios das duas, que tinha por intenção revigorá-las, estava
falhando miseravelmente. De qualquer forma, pelo menos um benefício havia:
Emily vinha conseguindo dormir no exato instante em que pousava a cabeça no
travesseiro.
— Sim, Emi. Quer ir depois do trabalho?
— Não, tenho uma consulta hoje.
— Já era hora de seguir meu conselho.
Sua aparência não tem me parecido muito boa.
— Excesso de trabalho e estresse podem
fazer isso com uma pessoa. — Embora Emily desprezasse a fadiga constante que
vinha sentindo, esperava que aquilo não fosse o sintoma de algo mais sinistro.
— Eu lhe contarei tudo amanhã.
De
qualquer forma, a frieza de Emily já não era a mesma algumas horas mais tarde,
ao aguardar o resultado do exame de laboratório que o dr. Ferguson prescrevera.
Tivera a opção de ir para casa e esperar por uma ligação, mas em vez disso
preferira permanecer na sala de espera do doutor:
O que,
claro, fora uma decisão errada.
Nesse
momento, tão impaciente quanto nervosa, esfregava as palmas úmidas em sua
calça jeans. Depois de um tempo que pareceu uma eternidade, a porta se abriu
sem aviso, fazendo-a girar a cabeça e endireitar a coluna, preparando-se para a
pior das notícias.
— Acredito que já temos o resultado, Emily — Emmett Ferguson
anunciou ao entrarem no consultório, numa voz tão simpática quanto sua
aparência.
Emmett
era alto, tinha cinquenta e cinco anos e cabelos grisalhos, e usava os óculos
finos bem na ponta do nariz. Emily conteve um sorriso.
— Isso é bom.
O
semblante do médico a confortou. Decerto ninguém trazia notícias ruins com um
sorriso como aquele.
Emmett
sentou-se, colocando na mesa um envelope diante de si, antes de encará-la.
— Você, minha cara, terá de tomar algumas decisões. A primeira
de todas vai ser escolher outro médico, porque não poderei tratá-la.
De
súbito, uma onda de medo acometeu-a.
— O senhor não vai poder?
— Sinto muito, não tenho praticado
obstetrícia nos últimos cinco anos.
— Obstetrícia? Sobre o que está
falando, doutor?
— Você está grávida. Veja por si mesma.
— Ao dizer isso, Emmett lhe entregou uma folha de papel.
Olhando
para o próprio nome no alto da página, Emily sentiu-se incapaz de acreditar no
que acabara de ouvir.
— Tem certeza de que isso não é um
engano?
— Não há nenhuma chance, Emily. O
relatório confirma minhas suspeitas. — Por trás de suas lentes, o dr. Ferguson
observou-a com atenção. — E estar esperando um bebê não é o fim do mundo. Sabe
muito bem que poderia ser algo muito pior.
— Sei, claro. E que isso é tão...
chocante...
Emily
sempre acreditara que um marido devia vir antes dos filhos. Claro que fizera
muitas coisas impetuosas na vida, mas aquilo...
O dr.
Ferguson segurou-lhe a mão. Embora não mencionasse o fato de ela ser solteira,
Emily sabia que era nisso que o médico pensava.
— Tinha me preparado para ouvir algo sobre uma infecção, por
exemplo. Porém, nunca um resultado positivo num teste de gravidez.
Emmett
ajeitou-se na cadeira.
— Seu diagnóstico é bem melhor, Emily.
De qualquer forma, estou surpreso que não tenha percebido por si mesma. Depois
de trabalhar tanto tempo na área de obstetrícia, deveria conhecer os sinais.
— Habituei-me a tratar das mulheres no
final do período de gestação, não no começo,
doutor. Entretanto, andei tão ocupada nas últimas semanas que cheguei a
achar que meu cansaço e perda de apetite estavam relacionados à exaustão.
— Acho que é compreensível. Mas como pode ver pelo restante
dos testes e contagem de leucócitos, está tudo normal. Bem, sua hemoglobina me
parece um pouco baixa, contudo um suplemento mineral vai resolver. Nesse meio tempo,
precisará mudar seu comportamento para que essa gestação corra bem.
Ela
assentiu.
— Além disso, Emily, eu recomendaria que discutisse o assunto
com o pai da criança. Como sabe, ele é uma parte importante desse triângulo.
"Triângulo"
era a palavra que melhor descrevia aquela situação. Mesmo que vivesse cem anos,
Emily jamais esqueceria a noite daquele baile de Natal. No fundo de sua
memória, a imagem do pai da criança em seu smoking, cercado de pessoas
elegantes, ainda era muito nítida.
Seu
filho poderia crescer e se tornar uma cópia daquele homem.
— Independente da decisão do pai, terei
esta criança.
— Muito bem. Calculo que esteja grávida
há dez semanas. Por isso, o nenê deve
nascer em setembro. Seu obstetra poderá lhe dar uma data mais específica
depois de examiná-la.
Ao
imaginar as mudanças que aquela nova situação provocaria em seu futuro, Emily
teve de massagear as têmporas.
— O que nos traz ao próximo ponto de discussão, Emily. Recomendo
que veja o dr. Patton. Por ser mais ou menos novo na cidade, ele não tem muitos
pacientes necessitando de sua atenção.
Emily
ficou tensa. Aquela era uma complicação que não considerara.
— Temo que essa não seja uma boa idéia,
doutor. Nossas personalidades não se encaixam.
— Willian pode ser um pouco rude, às
vezes. Também parece levar a vida a sério demais, mas, pelo que tenho visto e
ouvido, tenho certeza de que se trata de um excelente profissional. Posso
assegurar que, se tiveram problemas no passado, foi apenas por causa da
preocupação dele com seus pacientes. Confie em mim. Estará em boas mãos. Emily
não discutiria aquilo.
— Sei que o dr. Patton é um excelente
médico, dr. Ferguson, mas o problema é outro. Ele é o pai de meu filho.
— Como foi sua consulta? — Molly quis
saber, quando as duas corriam juntas em seu exercício rotineiro.
Emily
parou para amarrar os cadarços dos tênis ao mesmo tempo que olhava para uma
vitrine decorada, logo adiante.
— Vou ter de encontrar outro médico —
disse, em tom casual. — O dr. Ferguson não vai mais poder cuidar de meu caso.
— Oh, meu Deus! — Os olhos verdes de
Molly se arregalaram. — O que há de errado?
Emily
sentiu-se culpada por preocupar a amiga. No reflexo da vitrine, examinou sua
aparência um tanto descuidada, com a grande camiseta vermelha e o short
simples de corrida. Por um instante, desejou ter pelo menos uma parte das
curvas generosas do corpo perfeito da amiga.
— Não é nada sério. Bem, é, mas não é.
— Emily fez uma pausa constrangida. — Estou esperando um bebê.
— Você o quê?
— Estou grávida.
— Oh, meu Deus! Quando... quem... Não
me diga que é de Don!
— Não é dele.
Pelo
menos naquilo o destino lhe sorrira. Só de pensar em tê-lo como pai de seu
filho sentia arrepios.
— Então de quem é, Emi? Sei que não saiu com ninguém nos
últimos tempos. Na verdade, o único homem que demonstrou algum interesse por
você foi... — Molly interrompeu-se e encarou-a, incrêdula, como se tivesse
percebido as implicações do que acabara de ponderar. — Não me diga que teve um
caso com...
— ...Willian Patton. Mas não foi um caso. Pelo menos eu não
classificaria uma simples noite dessa forma.
— Jesus, tenho de me sentar! — Molly
dirigiu-se a um banco e sentou-se, sendo seguida de perto por Emily. — Não
posso acreditar nisso. Você, a jovem convencional e bem-comportada, se
entregando a uma aventura.
— Não diga uma palavra. Não se atreva a
fazer o que houve parecer uma coisa barata. Na verdade, tudo não passou de uma
experiência terapêutica que tive num período difícil para mim.
— Sinto muito, Emi. Sei pelo que passou
nos últimos dois meses. E que nunca esperei que pudesse fazer algo tão...
tão...
— Impetuoso?
— Sim. Diga, quando tudo isso
aconteceu?
— Em dezessete de dezembro.
— Emi, essa foi a noite...
— ...do baile de Natal.
Naquele
instante, um casal passou abraçado pela trilha do parque, o que a fez
lembrar-se do que sentira quando estivera nos braços de Willian.
— Meu Deus, Emi! Patton começou a trabalhar em Crossbow em
outubro. Pode ser um grande profissional, mas ninguém o conhecia bem na época
da festa.
Emily conteve um sorriso seco. Na verdade, continuava não conhecendo bem
Willian Patton, mesmo depois de tudo aquilo.
— O que deu em você?
— Willian estava com seu carro e me
ofereceu uma carona quando eu quis ir embora. — Emily brincava com o tecido da
camiseta. — Ele foi muito gentil.
— E
você retribuiu a gentileza dormindo com Patton.
— Claro que não! Nós não planejamos nada. Apenas aconteceu.
Molly
sorriu com desdém.
— E o que todos dizem. Seja como for,
ainda não me convenceu de que Patton não se aproveitou de você. Deve se lembrar
de que não estava em condições de pensar direito naquela ocasião
— Minha nossa! Está me descrevendo como
uma mulher à beira de um ataque de nervos!
— Conheço pessoas mais fortes que não
teriam suportado uma condição tão estressante, Emi. Não sei nem mesmo como eu
reagiria se meu tio fizesse algo como o seu, tentando tornar uma situação ruim
ainda pior.
— Admito que estava tentando evitar uma
desgastante batalha de custódia. Toda nossa família... vovó, Kevin, eu mesma,
estávamos caminhando sobre gelo fino.
— O que prova meu ponto de vista. Não
estava raciocinando com clareza, Emi. E, por outro lado, o dr. Patton deveria
ser um pouco mais respeitoso.
— Por favor, não seja dura com Willian.
Tudo o que fizemos foi baseado em uma decisão mútua. Ele não tem do que se
envergonhar.
— E
ainda o defende?
— Willian também estava passando por um período complicado.
Molly
cruzou as pernas e inclinou-se para trás, assumindo uma posição mais
confortável.
— Tentarei não ser muito dura por enquanto, Emi. De qualquer
forma, estou muito curiosa sobre como você conseguiu passar por tudo isso sem
me dar a menor pista.
Emily
respirou fundo.
— Vou lhe contar como foi. Tudo começou logo depois que me
levantei de nossa mesa...
E Emily
prosseguiu, sem esconder nada da querida amiga.
CAPÍTULO II
Mais
tarde — Emily continuou, ainda lembrando da cena com muita nitidez —, Willian
mandou alguém avisar você que eu estava indo embora. Lembra?
— E, evidente, não levou-a direto para
casa.
— Não. Quando, por fim, o manobrista
trouxe o carro dele, eu estava tremendo como vara verde. Willian, então,
decidiu que iríamos até seu apartamento para que eu tomasse um pouco de café.
E também para que pudesse me recompor e consertar o vestido. Não podia me
arriscar a que vovó ou Kevin me vissem daquele jeito.
— Mas não parou na xícara, certo?
Um
sorriso desajeitado curvou os lábios de Emily.
— Não me peça nenhum detalhe, por favor.
— Aquelas reminiscências eram muito particulares para serem compartilhadas,
memórias que preferia lembrar nas ocasiões em que estava a sós.
— E agora você está grávida.
— Sim.
— Emi, parece incrível, mas os
problemas a seguem como as formigas ao açúcar.
— Nem me diga... Porém, de alguma
forma, sei que você está morrendo de vontade de me fazer uma pergunta, e a
resposta é "sim": pretendo ter o bebê.
— Vai contar a Willian?
Emily suspirou.
— Vou.
— Antes ou depois de dar a notícia a
sua avó?
— Antes. Willian é
o pai. Tem o direito de ouvir primeiro a novidade. — Sorriu. — Qualquer
um que não seja você, lógico.
— Ótimo. — Molly parecia satisfeita. —
Isso vai me poupar ter de dar as notícias ao pobre-coitado.
— Você não faria isso!
— Quer apostar? O mínimo que Patton
pode fazer agora é pedi-la em casamento.
— E eu recusarei.
Molly parecia incrêdula.
— Por acaso ficou maluca, Emi? Fez a proposta a Willian quando
mal o conhecia, e agora que o conhece, no sentido bíblico da palavra, não
aceita nem mesmo um convite para jantar. Contudo, já percebeu que tem motivos
muito mais fortes para aceitar agora, minha amiga.
Emily
hesitou por um momento antes de levantar a cabeça, com altivez.
— Willian quer uma mulher com sangue
azul e mãos mais macias que as minhas.
— Tudo bem. De qualquer forma, não vou
deixá-la assumir sozinha toda a
responsabilidade. Sobretudo porque ele faz parte dessa confusão. Além
disso, você não será a única pessoa afetada. Deve considerar a reação de Kevin
e de sua avó.
A
simples perspectiva de contar à família sobre sua gravidez fez Emily se
arrepiar. Sempre pregara ao irmão que tivesse um comportamento exemplar, e
agora ele teria uma prova de como suas ações não combinavam com o discurso.
Emily lhe daria uma lição às avessas... Aquele seria um exemplo perfeito de como
atos impetuosos podiam trazer consequências indesejáveis.
— Eu sei, Molly,
mas nós conseguiremos lidar com tudo isso.
— E quanto a seu tio?
— Depois que titio nos visitar, este
fim de semana, e vir como Kevin está bem, vai acabar nos esquecendo outra vez.
No entanto, apenas para me prevenir, não contarei a vovó ou a Kevin até que a
visita termine. Seja como for, você está se antecipando muito. Não espero que
Willian me faça a grande proposta.
— E o homem não vai conseguir se você
continuar se recusando a ficar perto dele mais do que alguns poucos minutos.
Não tenho dúvida de que, se Willian sabe o que é bom para si mesmo, fará o
pedido.
— Esse é o ponto principal, Molly. Não
quero que Willian se sinta obrigado. Agora, se não se importa, não podemos
continuar nosso caminho? Quero chegar antes das sete.
Molly
arqueou as sobrancelhas, mas assentiu.
Na meia
hora seguinte, as duas limitaram-se a andar, conversando sobre todos os
assuntos imagináveis, exceto aquele que insistia em permanecer na mente de
Emily: como contar a Willian.
Quando
chegou em casa, teve medo de que sua família pudesse perceber algo, mas todos
estavam ocupados demais com seus afazeres para notar que ela não estava tão
atenta quanto de costume.
Na
manhã seguinte, Emily ainda não havia encontrado uma boa maneira de se
aproximar de Willian para torná-lo ciente da paternidade.
— Contará hoje? — Molly indagou, na
pausa matinal para o café, no hospital.
— Não sei direito o que dizer, mas
pensarei em algo quando a hora chegar.
— Bem, pense rápido. Regina Johnson entrou
em trabalho de parto, e ele vai atendê-la. Jo Ann quer que você seja a
assistente.
A
perspectiva de trabalhar com Willian sabendo que carregava seu filho no ventre
quase a fez entrar em pânico. Embora já o tivesse assistido várias vezes após
aquela noite, sempre o tratara com respeito e deferência, e a reação fora
recíproca. Nada, aliás, mudara entre os dois, a não ser pelos insistentes
convites para sair. Porém, naquele dia, tudo era diferente.
— Por que eu?
— Sorte, acho — Molly arriscou.
—Mas Regina é paciente do dr. Hudson!
—Sim, Emi, mas ele está fora da cidade
por causa de uma emergência familiar. O dr. Patton o cobrirá até segunda ou
terça-feira que vem. Logo que eu terminar com a sra. Larkin, também irei lá
para ajudar. Acho que não vai demorar muito.
—Muito obrigada...
Emily
caminhou rápido para a sala de cirurgia, onde vestiu-se, e a máscara cirúrgica
ajudou a ocultar seu semblante preocupado. Pouco depois, uma assistente de
enfermagem trouxe Regina numa cadeira de rodas, ao mesmo tempo que seu marido,
Tom, caminhava ao lado das duas.
— Agora deve ser para valer — Emily comentou ao ajudar a
mulher a deitar-se na maca.
Regina
olhou para o próprio ventre e pressionou os lábios ao sentir outra contração.
— Tem certeza, Emily? Ainda faltam três semanas.
— Suspeito que agora não é um rebate falso, Regina. Interrompemos
seu trabalho de parto antes para dar à criança tempo de se desenvolver. Agora
ela já está pronta para nascer. — Em seguida apontou para o armário de roupas esterilizadas.
— Se precisar de ajuda, Tom, basta me chamar. E não esqueça que, se quiser
assistir, precisará colocar a roupa e amarrá-la atrás.
Enquanto
Tom colocava o avental, a máscara e as botas de plástico, o gemido de Regina
chamou a atenção de Emily de novo. Ao vírar-se, encontrou a maca toda molhada.
— Oh, meu Deus! Que bagunça...
— Isso é normal, Regina. — Emily
apressou-se a trocar o lençol. — Bem, agora que sua bolsa se rompeu, não há
mais escapatória.
— Gostaria que o dr. Hudson estivesse
aqui. Não queria passar por tudo isso sem ele.
Notando
a expressão teimosa de Regina, Emily falou com convicção:
— O dr. Patton é um de nossos melhores obstetras. Não tem por
que se preocupar.
— Ainda assim, quero o dr. Hudson. Ninguém é tão bom quanto
ele.
Ia falar mais, mas outra contração obrigou-a a respirar
fundo. Emily virou-se
para apanhar um par de luvas, e, ao fazer isso, encontrou Willian parado
próximo.
— Você! — Os lábios dele curvaram-se
num sorriso, como se encarasse a situação com muito bom humor.
— Em carne e osso. — Passando pela
enfermeira, Emily aproximou-se de Regina.
— Sei que deve ter ficado desapontada
por seu médico não estar aqui, sra. Johnson, mas vou substituí-lo da melhor
forma que puder, tem minha palavra.
— Muito obrigado — Tom murmurou,
bastante satisfeito com o pequeno discurso do dr. Patton.
Regina
ajeitou-se e esboçou um sorriso desajeitado.
— Vou lhe cobrar essa promessa.
Willian
não pareceu insultado com o comentário.
— É justo. Agora, vamos checar como
está sua dilatação. Como a bolsa já se rompeu, usarei um pequeno monitor junto
à cabeça do bebê para ver como ele está se saindo.
— A bolsa se rompeu há poucos minutos.
— Emily aplicava a agulha para colocar o soro no braço direito de Regina.
— Então, já é hora de trabalharmos.
Um
suspiro escapou dos lábios de Regina, e o brilho nos olhos de seu marido traía
um certo pânico. O rapaz não parecia capaz de controlar o próprio nervosismo.
— Ela não me parece bem, doutor...
— Regina está ótima. Já conheço todos
os detalhes de sua ficha médica, e falei com o dr. Hudson há alguns minutos. Vamos
passar por tudo isso sem nenhum problema. E, se houver necessidade, poderemos
fazer uma cesariana.
Tom
assentiu, parecendo aliviado por saber que havia um plano alternativo.
Emily
entregou a Willian um par de luvas de látex, e, depois de vesti-las, ele
examinou a paciente, que já fora colocada pelos auxiliares na mesa cirúrgica.
— A criança está na posição — informou aos assistentes, logo
depois. — Estará segurando seu bebê na hora do almoço, mamãe.
Emily
estudava o monitor. Os registros indicavam que o coração batia num ritmo
normal, e todos os sinais vitais do nenê estavam em ordem.
Colocando
a mão sobre a barriga de Regina, Willian esperou pela próxima contração, e
logo que ela terminou olhou para Emily.
— Vamos administrar uma dose de
Oxydocin.
— Não quero nenhuma droga.
— Não é analgésico, Regina. — Willian
encarou a paciente, procurando confortá-la. — E só um remédio para acelerar
seu trabalho, e não vai incomodar o bebê nem um pouco. E quanto antes ele
chegar ao mundo, melhor será para vocês dois.
— Certo. — A gestante enxugou a testa
com as costas da mão.
Emily
aplicou o medicamento, e então estendeu uma toalha úmida a Tom, para que
refrescasse o rosto da esposa.
Depois de pouco tempo, as contrações passaram a ficar mais fortes, e o espaço entre elas diminuiu.
Willian esperou mais algum tempo, e então
posicionou-se aos pés da mesa cirúrgica.
— Chegou a hora. A cabeça
do bebê já começou a aparecer. Vamos, Regina, força!
Emily
sentia náuseas desde que acordara, mas o que antes era apenas uma sensação desconfortável
se transformara num grande incômodo.
Era
mesmo uma boa hora para sofrer um ataque de enjôo...
Gotas
de suor porejavam suas têmporas, e um calor sufocante tomou conta de seu
corpo. Tomando fôlego para manter o estômago sob controle, afastou-se por um
instante para não demonstrar aos outros o que sentia.
Willian,
porém, ergueu a cabeça para estudá-la. Suas sobrancelhas arquearam-se numa
inquisição silenciosa.
"Droga!
Assim que puder, ele vai me encher de perguntas", Emily pensou.
Willian
voltou-se e se concentrou na paciente.
— Empurre, Regina, vamos lá. Empurre!
Emily
examinou de novo os monitores, e recordou sua lista de procedimentos. Só estava
faltando Molly na sala.
Indagando-se
por que a supervisora não mandara alguém para ajudar, já ia apertar o botão de
chamada quando Molly chegou.
— Desculpe-me pelo atraso. Céus, este
lugar está parecendo uma estação de metro na hora do rush!
— Está tudo bem, Molly. — Willian, com
toda a delicadeza, moveu a cabeça do bebê, guiando-o para o mundo que o aguardava.
De
imediato, o dr. Patton retirou as secreções da boca e do nariz da criança com um aparelho de sucção, e então ajudou os
pequenos ombros a passarem. Logo, o restante do corpo.
— É um garoto — anunciou, colocando o recém-nascido em um
cobertor que Emily segurava. — E parece muito saudável, também.
Ignorando
o próprio mal-estar, Emily levou o nenê para o berçário. Caminhando até a
bancada, massageou as costas do recém-nascido para estimulá-lo, e instantes
depois os gritos ultrajados do menino já dominavam todo o ambiente.
— Vocês escolheram um nome? — ela quis saber, lutando para
conter o próprio enjôo.
Mantendo
o pequeno sob a luz quente, trocou a coberta molhada por outra seca e
confortável.
— David Allan — Tom informou, orgulhoso.
Enquanto
Willian retirava a placenta e terminava os procedimentos, Emily analisava a
pulsação, respiração, os reflexos e a cor do
bebê, fazendo todos os testes necessários para checá-lo.
— Ele está muito bem — informou, satisfeita, ao terminar os
exames.
Então,
preparou uma fita de identificação e colocou-a no tornozelo de David. Por fim,
mediu-o e pesou-o, trocando mais uma vez seu cobertor antes de passá-lo para o
pai ansioso. As injeções de vitamina e a vacina contra hepatite B poderiam
esperar um pouco.
— Temos mais algum procedimento cirúrgico na fila? — Willian
tirou as luvas para lavar as mãos.
Molly
meneou a cabeça.
— Não, a menos que alguém tenha dado entrada nos últimos
minutos.
Ao
sentir outra onda de náusea, Emily quase gritou. Não poderia mesmo ficar mais
nem um segundo naquele lugar. Molly aproximou-se discretamente da amiga.
— Você está bem, Emi?
— Mais ou menos — Emily respondeu entre
os dentes, determinada a não perder o controle.
Entretanto,
o mal-estar era muito mais forte do que suas forças podiam suportar, e um
segundo depois ela saiu quase correndo da área cirúrgica, atravessando a sala
de descanso das enfermeiras em direção ao banheiro, onde permaneceu até sentir
o estômago vazio.
Alguém
apareceu a suas costas, colocando uma toalha úmida em sua nuca e entregando-lhe
outra.
— Muito obrigada, Molly.
— Não há por quê.
Espantada,
Emily ergueu-se de modo tão brusco ao ouvir a voz de Willian atrás de si que
acabou batendo o ombro contra a pia do banheiro, e a dor a fez engolir em seco.
Impassível, Willian estendeu-lhe um copo com água fresca.
— Se já terminou, Emily, vamos para
algum lugar onde não exista risco de você se ferir.
— Estou muito bem aqui.
— Mas eu, não. — Willian recostou-se na
parede, olhando de relance para a pia. — Este lugar não foi projetado para duas
pessoas.
Naquele
momento, a fechadura da porta tornou a girar, e Willian virou-se para verificar
quem era o intruso. Deparou com Molly.
— Emily, você está bem?
— Ela está ótima.
— Posso responder por mim mesma, Will.
— Willian cruzou os braços.
— Tudo bem, vá em frente.
— Estou ótima — respondeu à amiga.
Molly
não parecia convencida, pois um traço de desconfiança dominava sua expressão.
Não bastasse, os olhos verdes pareciam cheios de preocupação.
— Por que não se senta na sala de
repouso por um instante, Emi? Tenho certeza de que ficaria mais confortável.
— Era o que eu estava dizendo a ela,
Molly. Este lugar não é grande o bastante nem para uma pessoa, imagine três. —
Willian lançou um olhar discreto para Molly, como se sugerisse que os deixasse
a sós.
— Posso lhe
trazer alguma coisa, querida? Uma soda, talvez?
— Não tem de cuidar de nenhum paciente?
— Willian resolver ser mais direto.
A
enfermeira ruiva foi pega de surpresa.
— Sim, mas...
— Perfeito. Então, não se atrase por
nossa causa.
— Mas antes de partir tenho que dizer uma coisa. — Molly
ergueu o dedo indicador até a altura do peito dele. — É melhor que você...
Sentindo
a tensão do momento, Emily apressou-se em se levantar, e deixou-os, desejando
interromper o ultimato que suspeitava que Molly estava prestes a dar. Naquele momento,
a ajuda dela poderia provocar o efeito contrário ao que desejava obter.
Assim
que Molly se foi, Willian tornou a aproximar-se de Emily. Sem dizer uma
palavra, guiou-a até o sofá da ala de repouso.
Emily
sentou-se, ainda segurando o copo d'água. De soslaio, pôde vê-lo sentado do
outro lado do sofá, próximo o suficiente para ser tocado. Bastaria estender o
braço...
Por
alguns instantes, Emily permaneceu em silêncio, lembrando-se de todas as frases
que ensaiara na véspera. Contudo, nenhuma delas parecia muito boa. Por fim,
Willian se pronunciou, apanhando-a ainda desprevenida:
— Tem algo para me contar, não é, Emily?
CAPÍTULO III
Emily
tentou analisar o comportamento de Willian.
As
feições dele permaneciam impassíveis, e nos olhos escuros havia uma indagação
silenciosa. Apenas um leve arquear de uma sobrancelha indicava sua
expectativa.
Toda a
cena lhe lembrava a situação de uma criança apanhada pelo pai no meio de uma
travessura, quando ele sabia de toda a
verdade e estivesse esperando pela admissão da culpa.
Emily
engoliu em seco.
Willian
inclinou-se para a frente.
— Por que não tentamos assim: eu lhe faço as perguntas, e
você pode responder apenas sim ou não.
Diante
do gesto de assentimento de Emily, Willian prosseguiu:
— Está grávida, Emily?
Os
ombros dela encolheram-se ao observar as próprias mãos por um longo momento.
Então, erguendo a cabeça, encontrou o olhar quente e penetrante de Willian.
— Sim.
O dr.
Patton se manteve impassível.
— E ia me contar?
— Ia.
— Quando?
— Hoje.
— Desde quando você sabe?
— Desde ontem.
— E mesmo assim não aceitou meu convite para jantar? Teria
sido a oportunidade perfeita para...
— Sim, teria sido, Will. Acontece que só fiquei sabendo
quando vi o dr. Ferguson, depois que saí do hospital. E precisei de algum tempo
para pensar.
— E em que esteve pensando?
Uma
súbita apreensão parecia ter tomado conta de Willian. Emily respirou fundo,
lendo nas entrelinhas da questão que ele fizera.
— Pretendo receber bem o bebê em minha casa, e tenho certeza
de que minha família fará o mesmo.
A
satisfação fez as pupilas dele faiscarem.
— Pode não se importar com
minha decisão, Will, por isso...
— Para ser franco, estou muito feliz. Emily encarou-o,
surpresa.
— Está?
— Estamos falando sobre meu filho. Ou filha.
— Então não tem o menor medo de que a criança não seja sua?
Emily
imaginara que Willian teria aquela dúvida, na véspera, e isso ainda a
atormentava.
Os
lábios dele se abriram num sorriso.
— Recordo-me daquela noite muito bem, incluindo cada pequeno detalhe físico. Sou o pai. Tenho absoluta
certeza disso.
Emily
corou diante da insinuação. O "pequeno detalhe físico" era que, na
verdade, Willian Patton fora o primeiro homem com quem dormira.
— Mesmo assim, não
estivemos juntos nessas oito semanas...
— Mas sei que não saiu com ninguém desde então, Emily.
— Como pode saber?
— Andei me esforçando nesse sentido.
— Esteve me espionando?
— Apenas fiz algumas poucas perguntas, bem discretas.
Irritada, Emily levantou-se e começou a caminhar de um lado
para o outro.
— É mesmo? — zombou, com desdém. — E o que foi que descobriu?
Willian
começou a brincar com a ponta dos dedos dela.
— Que é solteira, vive com sua avó e seu irmão. Depois
da morte de seus pais, quando tinha dezoito anos, você e sua avó foram nomeadas
tutoras de Kevin, que, na ocasião, era um lindo bebê. Trabalhou durante toda a
faculdade e o treinamento de enfermeira, e também em Dallas, antes de se
transferir para Crossbow. Veio para o departamento de obstetrícia há onze
meses, quando surgiu uma vaga.
Emily
levou as mãos à cintura.
— Meu Deus! Parece que tem um dossiê mais completo do que o
FBI, Will!
— Tem alguma coisa que você não me contou? Talvez seja uma
mulher procurada em três Estados e eu não saiba...
— Não faça piadas,
Willian. Sabe o que quis dizer. De qualquer forma, não parece tão
surpreso quanto achei que estaria.
— Iria preferir que eu perdesse a cabeça e estragasse as
coisas?
O
comentário a fez lembrar-se de um comentário que ele fizera a Celine. Talvez
aquela moça o conhecesse melhor do que Emily acreditava.
— Esteve falando com o dr. Ferguson, Will?
— E você?
— Claro que sim! Ele o indicou para cuidar de meu caso, e
tive de explicar por que a sugestão era inviável.
Houve
um silêncio durante o qual Willian encarou-a como se considerasse o que ouvira.
— Para ser franco, não tenho falado com Emmett. Pelo menos
não a seu respeito. Mas para responder ao que perguntou, notei que parecia
cansada e menos vivaz, e tentei adivinhar qual seria o motivo.
— Desde quando?
— Algumas semanas.
— Foi por isso que começou, de uma hora para outra, a me
convidar para sair?
— Mais ou menos.
— Se queria saber se eu estava grávida, por que não foi
direto ao assunto?
Ora! Para que todos pudessem ouvir?
Emily sentiu-se um pouco culpada por tê-lo evitado tanto, mesmo assim,
estava aliviada pelo comportamento discreto dele.
— De
qualquer forma, tive mais tempo do que você para ajustar-me à realidade de ter
um filho.
— Isso
é ótimo, Will, porque as notícias me pegaram desprevenida. Achei que nós...
tivéssemos sido cuidadosos.
— Acidentes acontecem. O único método a prova de falhas é
a abstinência completa.
— Bem, agora que já sabe, não precisa se preocupar com nada.
Pretendo me manter fiel a nosso acordo inicial. Não vou lhe fazer nenhum
pedido.
Willian
deixou escapar um suspiro desanimado.
— Já que tudo foi conversado, doutor, tenho de voltar para o
serviço agora.
Emily
girou sobre os calcanhares e começou a dirigir-se para a saída, mas Willian
colocou-se em seu caminho, impedindo-a de prosseguir.
— Nada está concluído, Emily. Sente-se.
— Pare com isso! — Emily não conteve a irritação com a
conduta dele. — Se eu ficar aqui mais tempo, vou acabar perdendo meu horário de
almoço.
— Você não anda se alimentando direito. — Willian examinava
a silhueta esguia de Emily. — Aliás, tem estado bem enjoada.
— Mas...
— "Mas" coisa nenhuma. Vou falar com sua
supervisora e explicar as circunstâncias.
— Não!
— Ela vai acabar descobrindo, de qualquer maneira. Sua
condição ficará bem óbvia antes do que imagina.
Emily
ponderou por um instante nas situações agravantes.
— Quero lhe pedir que não diga nada a ninguém, Will. Pelo
menos por algumas semanas. Vamos nos encontrar hoje à noite para que eu lhe
explique tudo. Marque o lugar.
— E devo me arriscar a deixá-la aparecer? Não, Emily. Você
esteve fazendo seu jogo, fingindo que éramos estranhos, mas isso acabou.
— Esse foi o arranjo! Concordamos que seria apenas um encontro,
e nada de compromisso.
Willian
cruzou os braços e estacou.
— Acontece que agora nós temos algo que nos compromete
um com o outro. Portanto, tudo mudou, e agora é hora de rever nossas posições.
Emily
estreitou os olhos, desconfiada.
— É?
— Sim, e é sobre isso que precisamos conversar, o quanto
antes.
— Não agora. Estou em horário de trabalho.
— Então, peça demissão.
— Grande! Ao contrário de você, doutor, preciso de cada
centavo de meu pagamento.
— Por falar nisso, temos de discutir sobre as necessidades da
criança.
— Mas isso não precisa ser feito agora, não é? — Emily
consultou o relógio de pulso e calculou quanto tempo lhe restava. — Posso lhe
dar mais quinze minutos. O que não tiver sido resolvido até então terá de
esperar até mais tarde.
—Combinado. Agora, sente-se, por favor.
Emily sentou-se, e Willian permaneceu em pé.
— Pela maneira como vejo essa situação, só nos resta uma
escolha lógica, Emily.
— Qual?
— Devemos nos casar. Providenciarei a licença e arrumarei
tudo para o próximo sábado.
Emily
cruzou os braços.
— Não aceito. Willian a fitou, curioso.
— Por que não?
— Porque sei quais são as qualidades que procura em uma
esposa, Willian, e não possuo nenhuma delas. Caso tenha esquecido, procura
alguém como Celine, não uma garota como eu.
— Acontece que você é aquela que está carregando meu filho.
Para mim, esse é um elemento muito importante a seu favor.
— Um relacionamento assim jamais funcionaria. Nós mal nos
conhecemos.
— Acho que nos saímos muito bem naquela noite...
— O que não pode ser base para um casamento. Além disso, nós
dois estávamos... feridos.
Willian
olhou-a de relance.
— Certo. Assim, vamos considerar a alternativa: permaneceremos
solteiros.
— Sim.
— Considerando por seu ângulo, uma mãe solteira não carrega o
mesmo estigma do passado. Porém, de qualquer forma, as pessoas vão questionar
sua sabedoria. Você tem vinte e seis anos, e é madura o suficiente para saber
evitar a impetuosidade e os erros de uma adolescente de dezesseis. — Willian
fez uma pausa, respirando fundo. — Também estou certo de que poderia suportar
qualquer maledicência, Emily, mas não esqueça que está no meio de uma batalha
jurídica pela custódia de Kevin. Não acha que seu tio poderá usar isso como
exemplo do quanto você é imprópria para educar seu irmão?
Emily
mordiscou o lábio inferior. Seu tio tiraria vantagem de sua condição, é lógico.
Bert não se transformara no maior distribuidor de produtos esportivos do Texas
por ser muito gentil. Na verdade, fizera sua carreira usando os pontos fracos
dos oponentes para destruí-los. O que Emily tinha de fazer era se precaver de
que ele não encontrasse os dela.
— Usaria, Will. Se ele soubesse. Vamos nos encontrar
no próximo final de semana para reavaliar nossas opções. E, já que o que está
em questão é o desempenho escolar de meu irmão, minha gravidez não será o
assunto. De qualquer modo, não sou tola o bastante para dar a meu tio munição
extra. Se você não disser nada, ninguém saberá.
— Não até que sua gravidez se torne óbvia. Como será, então?
— Como eu disse, tio Bert está apenas preocupado com a
própria imagem. Quando ficar provado que Kevin está indo bem na escola, nada
mais terá importância.
— Sendo assim, avalie por meu ponto de vista. Minhas
responsabilidades com esta cidade incluem encontrar caminhos para melhorar a
qualidade do centro neonatal. Se minha vida pessoal for maculada, as pessoas
vão questionar minha competência profissional, o que, por sua vez, vai se refletir
no hospital. Meu futuro pode ser prejudicado.
— Como você disse, pode
ser prejudicado. Mesmo assim, não vou encarar um casamento baseado
apenas em conjecturas.
— Eu acho que...
Emily interrompeu-o:
— Você me deu vários argumentos persuasivos, mas não acredito que corremos risco de sofrer algum dano.
Existem boas chances de que saiamos dessa sem maiores consequências.
Willian
começava a se exasperar.
— Já ouviu falar sobre prevenção? Encare, por um instante
só, a possibilidade de essa história lesar a nós dois.
— Contudo, por que procurar por problemas quando eles não
existem?
— Na medicina, procuramos por eles antes que apareçam ou
possam causar danos.
Emily
suavizou o tom de voz:
— Simpatizo com sua preocupação, mas, para ser honesta,
acredito que ambos somos fortes o bastante para sobreviver a qualquer boato.
Afinal de contas, a maioria das pessoas não considera que uma gravidez
indesejada é um erro da mulher?
— Está cometendo um engano.
— Talvez, mas estamos em Crossbow. Aqui não é um lugar
pequeno como Denton. Fique tranquilo. Nem sua família nem seus amigos ficarão
a par de algo.
— Estamos a apenas noventa quilômetros de distância de lá.
Rumores viajam mais rápido do que vírus.
Por um instante, Emily fechou os olhos, desejando que todos os empecilhos desaparecessem em um
passe de mágica.
— Sei que depois do que passou, dedicou-se a ponderar sobre
todos os ângulos, Will. De qualquer forma, preciso de uma resposta estaria
querendo se casar comigo se eu não estivesse esperando nenê?
— Sob circunstâncias normais, acho aconselhável um período de
namoro antes. E não tivemos isso. Ainda.
Ele
fora evasivo. Entretanto, grávida ou não, ela não era o tipo de mulher que
Willian desejava.
— Portanto, embora admita que eu não a pediria em casamento, tenho certeza de que estaria tentando
conhecê-la melhor.
Eles se
encararam. Emily concluiu que estava sendo franco. Mesmo assim, achava difícil
crer naquilo.
— Aprecio seu desejo de fazer a famosa "coisa
certa", doutor. Algumas dias atrás eu teria aceitado, porque achava que
era a única solução para caso semelhante ao meu. No entanto, percebi que tudo
pode ser diferente.
— A criança vai precisar de nós dois.
— Não nego isso, e não pretendo bani-lo da vida dele, ou
dela.
Willian
ficou em silêncio por um instante.
— Como você já sabe, estive remoendo pensamentos e avaliando
nossas opções. A solução que sugeri é a que traz mais benefícios para todos.
— Não concordo, Will. E posso apostar que, assim que sua
reputação estivesse fora de perigo, você iria se sentir atormentado por estar
ligado a uma mulher que não satisfaz a seus desejos.
— E se concordássemos com uma união temporária?
Emily sentia a cabeça prestes a explodir, como se todo o
estresse das últimas vinte e quatro horas houvesse se manifestado em um
instante. Seu cérebro parecia congestionado. Primeiro, tivera as novidades do
dr. Ferguson, e agora as táticas de alta pressão de Willian. Ergueu suas mãos,
rendendo-se.
— Não posso lidar com tudo isso agora. Tenho de voltar para o
trabalho.
Tinha
era de escapar dali, isso sim. Era necessário pôr as idéias no lugar.
Levantando-se,
Emily tentou sair. Quando estava próxima à porta, Willian segurou-a outra vez
pelo ombro.
— Pelo menos pense na minha proposta.
Emily
massageou a testa, cansada demais para discutir.
— Certo. Mas não espere uma conclusão rápida. A expressão
dele permaneceu solene.
— Combinado.
Willian
voltou a seu escritório bastante frustrado. Como Emily pudera rejeitar seu
oferecimento? Estava certo de haver chegado àquela que considerava como a
melhor solução. Preferir protelar seria erro.
Esforçara-se
para traçar uma estratégia e evitar que qualquer um dos dois se ferisse. Uma
mulher razoável teria dado pulos de alegria com a chance de evitar burburinhos
e dividir a responsabilidade com o pai.
Pelo
jeito, Emily Chandler não era como as outras. Essa foi uma revelação
surpreendente, considerando sua calma e eficiência no hospital.
Para
ser honesto, Willian até esperara que ela pedisse por auxílio. Manter uma
família com um salário de enfermeira não era fácil. E tudo se tornaria muito
mais complicado com as despesas de um bebê.
Entretanto,
nem tudo estava perdido. Ainda dispunha de algumas semanas antes de a gravidez
tornar-se aparente para persuadi-la a aceitar sua proposta.
Isso
posto, concentrou a atenção no atendimento aos pacientes. Às quatro e meia,
realizou o último exame do dia.
— Nossas suspeitas estavam corretas — ele disse a Lynnette
Fairchild, que acabara de voltar do toalete, onde fora trocar de roupa. — Seu
teste deu positivo.
A bela
loira sorriu.
— Isso é maravilhoso! Estou grávida!
Willian
tentou imaginar Emily ouvindo o mesmo tipo de notícia. Suspeitava que ela não
demonstrara o mesmo nível de alegria da sra. Fairchild.
— Vou mandá-la para o laboratório, para fazer alguns exames
básicos. Por acaso sabe seu tipo sanguíneo e o de seu marido?
— Não, doutor, sinto muito.
— Bem, será fácil descobrir.
— E isso importa?
— Se você for RH negativo, e seu marido, positivo, será
candidata a receber RH imunoglobulina depois que a criança nascer, como forma de
proteger seus próximos filhos. Não é nada
com que se preocupar, apenas uma medida de precaução.
Willian
lembrou que precisava checar o mesmo em relação a Emily.
— Certo.
— Quando voltar no mês que vem para o ultra-som, providenciarei
vários testes de sangue para nos certificarmos de que não há nenhum problema
genético com a criança.
— E se houver algo errado?
— Então, precisaremos confirmar. Mas você é tão jovem e saudável que as chances de isso acontecer são
muito pequenas.
Lynnette
apertou a bolsa, nervosa.
— Fiz muita coisa estúpida quando era adolescente. Não era o
que vocês chamam de uma boa garota. Nunca me meti em encrencas, porém...
— Faremos exames de rotina para ver se há existência de
filamídia, gonorréia e outras doenças sexualmente transmissíveis. Se
detectarmos alguma infecção, vamos tratá-la rápido. Mais alguma dúvida?
Ela
meneou a cabeça, e Willian continuou:
— Se quiser celebrar hoje, lembre-se: nada de cigarro, nada
de bebidas ou drogas.
— Estou tentando parar de fumar, doutor. Já diminuí para dois
cigarros ao dia... um de manhã e outro antes de dormir.
— O ideal é parar de vez. Como já deve saber, filhos de
fumantes têm tendência a nascer com peso abaixo do normal e apresentam maior
número de infecções respiratórias.
— Sim, já ouvi dizer. Foi o que me fez pensar em deixar o
vício.
— Muito bem. Não se esqueça de tomar o suplemento de
vitaminas, e certifique-se de que ele contém ácido extrafólico. Se estiver insegura,
consulte um farmacêutico. Alimente-se de forma saudável e faça exercícios, mas
não exagere.
— Certo.
— Vejo você em um mês. Antes de ir
embora, a enfermeira lhe dará alguns panfletos para estudar. Se começar a
sentir cólicas e perceber sangramentos, ligue-me no mesmo instante.
— Farei isso.
Estendendo
o braço, Willian tocou a campainha para chamar sua enfermeira, Tina Allen.
— Tina, entregue a sacola de costume para a sra. Fairchild —
pediu, referindo-se ao pacote que continha os folhetos explicativos, amostras
de vitaminas e outros medicamentos. — Tinny ainda está aí?
Tina,
uma mulher magra de cerca de cinquenta anos, assentiu.
— Atende um paciente, no momento, mas
posso chamá-lo quando estiver livre.
— Muito obrigado.
Depois de despedir-se da paciente, o dr. Patton, enfim, ficou
a sós pela primeira vez
naquele dia, e tentou organizar os pensamentos,
acomodando-se na confortável cadeira de couro.
Parte
de Willian sentia um prazer incrível pela perspectiva da paternidade, mas a
outra preocupava-se bastante com isso. Deixando escapar um suspiro, estendeu a
mão e atirou um dardo no alvo que ficava na parede oposta à da escrivaninha.
Emily
mantivera-se muito afastada depois do que acontecera entre eles. Willian
concluíra que o sentimento que nutria por ela não estava sendo retribuído, e
isso deixou-o inseguro. Para compensar, passara a tratá-la de maneira mais
distante do que o normal.
De
qualquer forma, sua atitude mudara assim que pôde notar o aparecimento de
olheiras sob os belos olhos de Emily, que, de uma hora para outra, pareceram
ter perdido um pouco de seu brilho característico.
Logo,
decidira mudar de tática, e passou a convidá-la para jantar, impondo sua
presença cada vez mais. Se Emily tivesse algo a dizer, preferia lhe dar toda as
oportunidades para se aproximar.
Entretanto,
a imagem de uma Emily abatida não era a que preenchia sua mente. A maravilhosa
figura feminina naquela noite do baile, sim, seria uma visão que carregaria,
talvez, para sempre. Aquela fora a única vez que vira soltos os longos cabelos
loiros, caindo em ondas sobre os ombros nus, como uma capa sobre o vestido de
seda verde.
No
trabalho, Emily vestia-se de maneira bem diferente. Seu uniforme, de corte
largo, não lhe fazia justiça. Willian lembrava-se de como o traje de festa
ajustava-se às formas perfeitas daquele corpo, como uma luva cirúrgica. Nunca a
julgara tão provocante.
Só de
pensar no que houvera entre eles, sentia todo seu corpo reagir.
Em um
primeiro momento, achara que poderia relegar tudo ao esquecimento. No entanto,
nem tudo correra da maneira como ele
esperara. Desejava-a agora mais do que antes. Queria aquele corpo
feminino contra o seu mais uma vez.
Por ter
sofrido muito na infância, Willian jamais quisera submeter-se à paixão.
Organizara sua vida e planejara seu futuro, mas agora, de uma hora para outra,
tudo fora por água abaixo. O caminho que traçara com tanto cuidado em direção
ao próprio destino fora interrompido por um acontecimento inesperado.
Claro
que Willian não tinha a menor intenção de fugir das obrigações. A família que desejava ter um dia viera muito mais cedo
do que ele havia planejado, e seu projeto de estar firmemente estabelecido em
sua profissão antes que uma criança chegasse
caíra por terra. Mas, como Celine sempre lhe lembrara, nem sempre as
coisas correm de acordo com escalas e planos.
Para
ser honesto, imaginar Emily tendo mais de um filho dele era até mesmo muito
agradável. Também sentia uma ponta de orgulho por ter sido o homem escolhido
por ela para ser o primeiro.
A idéia
de vê-la tendo um relacionamento com outro, ou mesmo de que outra pessoa criasse sua criança, era inconcebível.
Mais
uma vez, seus olhos concentraram-se no alvo de dardos, e pouco a pouco surgiu
uma nova estratégia de ataque que o fez sorrir.
"É
isso!"
Enfim,
descobrira uma forma de impedir Emily Chandler de fugir.
CAPÍTULO IV
No exato momento em que abriu a porta de
sua casa, Emily sentiu o pânico crescer dentro do peito.
— O que está fazendo aqui? — perguntou, num sussurro
estudado, a Willian, parado à soleira, com a gola do casaco virada para cima
para proteger-se da brisa fria que soprava naquele crepúsculo.
— Não é óbvio? Você disse que nos encontraríamos à noite para
conversar.
— Eu não quis dizer aqui.
Willian
deu de ombros de maneira casual.
— Foi embora antes que tivéssemos combinado hora e lugar,
Emily, então, tive de cuidar do assunto do meu jeito.
— Ótimo. O que acha de nos encontrarmos na Pizzaria do Joe às
sete e meia?
— Quem está com você, querida?
A voz
metálica da avó vinha da cozinha.
— É para mim, vovó.
Ellen
Oakland apareceu no corredor, segurando uma colher de madeira. Sorriu, e seus
olhos brilharam ao perceber o visitante inesperado.
— Convide-o a entrar, Emily. Não deixe o coitadinho nesse
frio.
Sentindo
no rosto a brisa fria que soprava, Emily deu im passo atrás, de forma quase que
mecânica.
— Cumprimente-a e vá embora, Will.
— Mas eu acabei de chegar... — Esboçou um largo sorriso para
a anciã.
— Encontre alguma desculpa. Você é um homem esperto, afinal.
A
tensão mal contida de Emily crescia em proporções monumentais, e a expressão
inocente de Willian lhe dizia que algo estava para acontecer. Por algum motivo,
sabia que aquela não era uma visita amistosa. Ele devia ter alguma razão para
estar lá.
— Vovó, este é o dr. Patton.
Inclinando-se
para a frente, Willian estendeu a mão para a velhinha.
— Por favor, me chame de Willian. Sou amigo de Emily.
Agora ele ia usar sua avó para conseguir o que queria.
Impotente,
Emily sentiu cada músculo retesar-se. Mesmo assim, forçou-se a parecer alegre.
Ellen parecia encantada.
— Muito prazer, sou Ellen Oakland. Mas o que o trouxe até
aqui esta noite?
— Vim convidar Emily para jantar, mas vejo que cheguei
atrasado.
— Estávamos nos sentando à mesa, Willian. Você é bem-vindo
para se juntar a nós.
— Isso é muito gentil de sua parte...
— Mas ele não pode — Emily interveio. — Ele... ele...
— Para ser franco, adoraria experimentar uma comida caseira.
— Ignorou de propósito o claro apelo de Emily.
— Você não tem família por aqui?
— Não, senhora.
O
deleite na expressão de Ellen era evidente. Sempre encorajara Emily a sair com
mais frequência. A simples situação de ver um rapaz caindo direto no colo da
neta era algo bom demais para ser verdade.
Ao
imaginar o que viria a seguir, Emily massageou as têmporas, tentando diminuir a
tensão.
— Emily, querida, onde estão suas boas maneiras? Pegue logo o
casaco de Willian. Vou mandar Kevin colocar mais um lugar à mesa. — Ao dizer
aquilo, Ellen desapareceu pelo corredor.
Sem a
menor cerimônia, Emily retirou o casaco de Willian, guardando-o no armário.
— Devia ter achado uma desculpa para sairmos daqui.
— E perder a refeição de sua avó? — Willian aspirou o aroma
delicioso que vinha da cozinha. — Eu nunca faria isso.
— Este não é um bom momento para uma visita social — ela
observou, pensando no olho roxo de Kevin.
— Sendo assim, deveria ter aceitado meu convite para sair. — Willian
passou os dedos entre os cabelos para ajeitá-los.
— Está tudo pronto — Ellen chamou-os, da cozinha.
Willian começou a avançar, mas Emily o deteve.
— Por favor, não diga nada sobre... você sabe. Não quero dar
nenhum motivo de preocupação para minha avó neste momento.
— Então espero que leve a sério minha proposta.
— Por favor, Will...
A
expressão desesperada nos olhos castanhos fez Willian sentir-se culpado.
— Não vim aqui para causar transtornos. Só quero conhecer sua
família.
As
sobrancelhas dela arquearam-se.
— Por quê?
— Por que não?
— Emily! — a voz inconstante e jovem de
um adolescente se fez ouvir. — Estamos famintos por aqui, esqueceu?
— Vou me comportar direitinho — Willian
prometeu.
Emily,
decerto, concluiu que seria impossível discutir naquele momento, porque não
disse uma palavra sequer. Em vez disso, limitou-se a olhá-lo, exasperada, antes
de conduzi-lo para dentro.
Na
mesa, estavam colocadas travessas de filé à Salisbury, batatas coradas e uma
salada com feijões verdes.
— Este é um deleite inesperado. — Willian dirigiu-se à cadeira
que Ellen lhe indicara. Não ficou surpreso ao ver que era o lugar ao lado do de
Emily. — Você deve ser Kevin. — Estendeu a mão para o rapaz. — Eu sou Will.
O
garoto era uma versão masculina e juvenil de Emilv A cor dos cabelos, o formato
da cabeça, todas as linhas da face eram as mesmas, embora Emily possuísse
traços mais suaves. Até a cor das íris era idêntica.
Kevin
piscou, surpreso, e aceitou o cumprimento. Na verdade, apenas um olho piscava,
pois o outro era contornado por uma enorme mancha púrpura.
— Prazer em conhecê-lo — o garoto murmurou alguns instantes
depois, como se enfim tivesse se lembrado do que devia dizer.
— Podemos nos sentar? — Ellen falava com vivacidade.
Emily se acomodou, pálida e com os lábios cerrados.
Por um momento, Willian se arrependeu por ter aparecido sem
avisar, mas, ao observá-la melhor, logo percebeu que era a comida, e não sua
presença, que a deixava enjoada.
— Como vai indo na escola, Kevin. — Willian aceitou a
travessa de carne que Ellen lhe oferecera. — Deixe-me ver... aposto que está na
sexta série, certo?
— Certo.
— Espero que as coisas tenham mudado desde a época em que
tinha sua idade. Céus, eu odiava estudar...
— É mesmo?
Willian assentiu.
— Tudo era muito aborrecido, e eu vivia me metendo em
confusão. Se não tivesse conhecido Abe Tarnell, na certa estaria na prisão hoje
em dia.
— Sério? — Kevin repetiu, com interesse palpável.
Ellen parecia intrigada, enquanto Emily demonstrava apenas
seu mal-estar com tudo o que acontecia.
— Verdade, Kevin. Vou lhe contar toda a história qualquer
dia, quando você estiver entediado e não tiver mais nada para fazer.
A avó
de Emily lhe estendeu o prato com as batatas.
— Por falar em tédio,
Will, gostaria que o trabalho de Emily fosse menos estressante. Essa
menina trabalha como louca o dia inteiro. O hospital não pode contratar mais
enfermeiras?
Willian
fitou Emily por um momento.
— Não
sei...
— Bem, devo dizer que acho terrível como sobrecarregam a
equipe. Minha neta chega em casa tão exausta, às vezes, que nem mesmo tem
vontade de comer. Algo deve ser feito antes que algum dano seja causado a sua
saúde.
— Vovó! Willian não está envolvido nas decisões a respeito
da equipe de enfermagem.
Aquela
seria a oportunidade perfeita para obter toda a camaradagem de Ellen, mas
Willian não podia desrespeitar os desejos de Emily. Precisava ganhar confiança,
construir um terreno sólido para atingir seu objetivo.
— Se lhe servir como consolo, Ellen, algumas épocas do ano
são piores que as outras. Não apenas no hospital, mas na vida privada também.
Logo a tormenta vai passar.
Emily assentiu. Sua expressão transmitia o alívio que sentia.
— Era o que estava tentando lhe dizer,
vovó.
— E quanto a Emily estar cansada,
Ellen, tenho certeza de que ela voltará à normalidade em breve.
Observando a comida quase intocada no prato dela, Willian se preocupou. Se aquele jantar
refletia os hábitos alimentares dela, não era de se espantar que a anciã
estivesse alarmada.
Minutos
mais tarde, Willian limpou os lábios com o guardanapo, satisfeito.
— Estava tudo delicioso, Ellen. Foi a melhor refeição que
experimentei em muito tempo.
— Você é bem-vindo para voltar quando quiser. Espero que
goste de torta de banana.
— Nem me fale! Esse doce é um de meus favoritos.
A anciã
começou a empilhar a louça suja ao levantar-se, e, antes que Willian pudesse se
oferecer para auxiliar, ela se adiantou:
— Kevin, pode me ajudar a limpar a mesa? Emily, por que não
leva Willian até a sala de estar?
Emily
congelou.
— Eu... prefiro ajudá-la, vovó. Tenho certeza de que Kevin e
Will podem conversar um pouco. Você não se importa, não é, Willian?
Ele
sorriu, dando-se conta das táticas evasivas dela. Ao mesmo tempo, Kevin deixou
escapar um suspiro.
— Não, claro que não.
— Vamos lá, Will...
O
garoto, de imediato, apanhou o controle remoto e ligou a tevê.
— Quer assistir televisão?
Willian
notou o modelo parcialmente construído de uma estação espacial. Logo ao lado,
havia também uma máquina portátil de costura e uma caixa com vários vestidos de
boneca. A estação ele podia apostar que era de Kevin. Perguntou-se se a
costura seria o hobby de Emily.
— Prefiro conversar com você, Kevin.
— Mesmo?
A
reação atônita de Kevin divertiu-o.
— Sim. O que gosta de fazer?
Desconfiado,
o jovem desligou o aparelho antes de sentar-se e fitar o teto, com ar ausente.
— Coisas...
Um
sorriso curvou os lábios de Willian. Ver aquele garoto fazia com que se
lembrasse de si mesmo naquela idade.
— De que tipo? Kevin deu de ombros.
— Aprecio jogos de computador, astronomia...
— Então tem um computador?
— Sim, em meu quarto. Queria me conectar na Internet, mas
Emily não deixa. Ela tem medo de que eu fique vendo sites pornográficos
ou passe todo o dia em uma sala de conversação. — Seu desgosto sobre os
argumentos da irmã era óbvio. — Ela não entende como é difícil fazer trabalhos de
escola sem pegar o material na rede.
— Se Emily concordar, poderá acessar a Internet em meu
computador quando quiser.
— Que bom! Na biblioteca pública o tempo limite é de apenas
trinta minutos.
Willian
concluiu que tinha marcado um ponto.
— Diga-me, Kevin, aquela estação espacial é sua?
O
menino olhou de relance para a estante.
— Sim, é a Mir. Quando for para o colégio, quero ter aulas de
marcenaria.
— E uma boa escolha. Você é bom em consertos?
— Muito — Kevin admitiu, orgulhoso. — Costumo tomar conta de
tudo por aqui. Já fiz até mesmo um reparo na parte elétrica. Mas isso foi
complicado, pois Emily ficou me importunando o tempo todo.
— Posso apostar que sim.
— Minha irmã estava com medo de que eu fosse eletrocutado,
apesar de eu lhe garantir que isso seria impossível, já que a corrente estava
desligada. Aliás, tentei explicar, mas não funcionou. Emily parecia
estar apavorada com cada detalhe... Às vezes acho que se preocupa demais.
— Demora para nos acostumarmos à idéia de que alguém cresceu,
Kevin. Ainda mais se estamos falando de uma pessoa de quem se cuidou desde a
infância.
Kevin
ficou em silêncio por um instante, como se ponderasse esse novo ponto de
vista.
— Acha que é isso?
— Tenho certeza de que sim. — Willian observou de relance as
roupas de boneca. — Sua avó fez aquilo?
— Não. Emily tem uma amiga que trabalha em bazares
beneficentes toda primavera. Ela sempre ajuda Tânia com a costura. — O menino
ficou quieto por um minuto. — Há quanto tempo a conhece?
— Desde que me mudei para
Crossbow, quatro meses atrás.
Willian não achava necessário contar que, descontando a noite
do baile de Natal, suas conversas com Emily quase se limitavam a assuntos
profissionais.
— Só isso?
A
indagação não ofendeu Willian. Ele compreendeu que o garoto só queria proteger
a irmã, por ser "o homem da casa". De qualquer forma, também não
queria descrever seu relacionamento em detalhes.
— Já encontrou alguém com quem simpatizou de imediato, Kevin?
Foi isso o que aconteceu entre Emily e mim.
Kevin meneou
a cabeça como se compreendesse tudo.
— Eu não gostava de Don. Não conseguia entender o que Emily
tinha visto nele.
A
opinião de Willian sobre o ex-namorado de Emily também não era das melhores,
mas preferiu não comentar.
— Don vivia tentando me dar ordens, como se eu fosse uma
criança.
Willian
percebeu uma armadilha.
— Vou tentar não fazer a mesma coisa.
— E aposto que vai agir assim apenas para conseguir se
aproximar melhor de Emily.
A
honestidade parecia ser a melhor política a ser usada naquela situação.
— Isso é verdade, em parte. Mas o mais importante é que acho
que você pode precisar de um amigo que o ouça e não faça parte de sua família.
Alguém objetivo.
O jeito
de Kevin revelava mais do que qualquer palavra. Algo o atormentava, e não podia
falar com a irmã. De qualquer forma, Willian chegou à conclusão de que não era
hora de pressioná-lo. Kevin ainda não estava pronto para confiar nele. Por
isso, preferiu mudar de assunto:
— Você tem um cão?
— Não. Não temos espaço para um bicho de estimação. Além
disso, também não quero um.
— Que pena... Planejo
comprar um labrador muito em breve.
— Labrador? Um garoto da escola tem um setter irlandês.
— É um belo animal.
Um
pesado silêncio abateu-se sobre os dois, e Willian esperou que Kevin
reiniciasse a conversação.
— A escola é muito aborrecida, Will. Os professores são uns
idiotas, e os outros meninos não tem a menor graça.
— O que o faz dizer isso?
Kevin
tocou a sobrancelha ferida e evitou encarar Willian.
— Eles dizem coisas...
Aquela era, sem dúvida, a forma de expressão favorita do
rapazinho.
— De que tipo, Kevin?
— Não importa. São todos
uns infelizes. Quem precisa deles?
— Isso se aplica a todos ou apenas a alguns?
— Alguns.
— Se quiser falar a respeito de homem para homem, estou
disponível.
Kevin meneou
a cabeça.
— Não preciso conversar com ninguém. Posso cuidar de tudo
sozinho.
Willian
tentou manter um tom leve e impassível:
— Em minha opinião, adquirir um hematoma é uma maneira
interessante de se sair bem...
— Pelo menos não vou ter de aguentar aqueles imbecis depois
da escola por alguns dias. Fui suspenso.
— O que houve?
Kevin hesitou.
— Gostaria de ouvir seu lado da história. Isso, é claro, se
quiser me contar.
O
garoto mordeu o lábio superior.
— Alguém roubou três mouses dos computadores do laboratório
de ciências, e o diretor anunciou que haveria uma busca nos armários se eles
não aparecessem. Dois rapazes estavam agindo como se tivessem feito algo
errado, por isso chequei meu armário e encontrei os mouses lá.
— E o que aconteceu?
— Coloquei as três peças na caixa de correspondência do
professor de ciências. O pior de tudo é que, depois da aula, ouvi Judd e Eric
se gabando do que tinham feito.
— Você contou ao diretor?
O rapaz parecia horrorizado.
— Para ser chamado de delator? De jeito nenhum! Seja como
for, a sra. Rogers não acreditaria em mim. Sabe como é... Judd e Eric vivem na
parte boa da cidade. As famílias deles são "pilares da comunidade".
Ouvindo
afirmação tão sarcástica, Willian recordou suas próprias experiências
frustrantes da adolescência. Mais uma vez sentiu-se estranhamente ligado ao
garoto. Afinal, as semelhanças eram muitas. Ele mesmo tivera problemas com uma
professora chamada sra. Rogers.
Querendo
amenizar o clima, resolveu contar essa coincidência para Kevin.
— Não brinque! — Kevin mostrou-se surpreso. — Será que
poderia ser a mesma mulher?
— Duvido. Não cresci em Crossbow. E,
para ser franco, ela deve estar aposentada a essa altura.
O olho
bom de Kevin faiscava.
— Aposto que é ela. A mulher tem cabelos grisalhos.
Willian conteve um sorriso diante das deduções de Kevin.
No
fundo, porém, desejava que fosse a mesma sra. Rogers. Teria muito prazer em
voltar a encontrar a pessoa que o rotulara como candidato para o reformatório,
mostrando a ela que se tornara médico.
— Emily sabe sobre os mouses roubados?
Kevin fez que não.
— Pensa apenas que estive brigando
outra vez. Mas não conte a ela. Minha irmã já tem muita coisa com que se
preocupar.
— Seu tio, por exemplo?
— Sim, e isso é minha culpa também.
Agora posso ter arruinado tudo para vovó e Emily. Talvez apenas devesse
desistir e viver com tio Bert.
O tom
desanimado do menino emocionou Willian.
— Você quer viver com ele?
— Não. Titio vive implicando comigo
sobre tudo. Vai ficar uma fera quando descobrir o que aconteceu hoje.
Willian
hesitou.
— E se você lhe explicasse toda a
situação? Tenho certeza de que ele entenderia suas atitudes. Afinal de contas,
o homem também já foi jovenzinho.
— Não! Na certa tio Bert contaria tudo
para a sra. Rogers, e os rapazes iriam transformar minha vida num inferno.
Aquilo
fazia sentido, Willian admitiu, simpatizando ainda mais com o garoto. Kevin
tivera de escolher entre o menor de dois males... O que não era nada animador.
— Gostaria de não deixar que aqueles cretinos me afetassem
tanto, Will. Mas eles conseguem.
Willian
também se lembrava de um grupo que o fizera passar por maus momentos no
colégio. Fora o bom amigo Abe que o ensinara como controlar a situação, e agora
surgira a oportunidade de fazer o mesmo por alguém.
— Se você quiser, chame-me da próxima vez que tiver problemas
com Judd e Eric. Posso ensinar-lhe a resolver as encrencas.
Um
brilho de esperança tomou conta das feições de Kevin.
— Você faria isso, Will?
— Claro! Desde que não esteja no meio de um parto ou uma
cirurgia. Mas, mesmo assim, irei o mais rápido que puder. — Apanhou a carteira
no bolso da calça. — Aqui está o número de telefone de meu consultório. Se
quiser conversar, costumo estar em casa à noite.
Kevin
colocou o cartão no bolso da camisa.
— Não sei quanto a você, Kevin, mas eu estou louco para saber
o que aconteceu com aquela torta. Vamos até lá?
— Por que está fazendo isso, Emily Ann?
— A que se
refere, vovó? Apenas coloquei a louça suja na lavadora, e agora estou preparando os pratos de
sobremesa.
Ellen
empurrou a neta para longe da pia.
— Sabe muito bem do que estou falando. Não posso acreditar
que ainda está aqui, tendo um belo moço esperando para vê-la na outra sala. —
Ao dizer aquilo, a anciã entregou uma bandeja com dois pratos de torta para
Emily. — Leve isto e aproveite.
— Não posso. Tio Bert virá amanhã à noite, e estou preocupada
com o que ele dirá sobre a suspensão do Kevin.
— Uma razão a mais para tentar relaxar um pouco — Ellen
observou com firmeza, empurrando a neta, com carinho. — Ande logo e aproveite
a companhia de seu jovem.
— Ele não é meu!
— Seja como for, vá. Ah! E lembre Kevin de que é hora de
fazer a lição.
Emily
dirigiu-se para a sala de estar determinada a mandar Willian embora o mais
rápido possível. Queria manter as encontros deles numa esfera estritamente
profissional, evitando, assim, as estranhas sensações que tomavam conta de seu
corpo quando se via ao lado dele.
Lutava
contra aquela atração com todas as forças que possuía. Por mais que, no fundo,
desejasse ser a mulher que ele queria, a companheira com quem Willian sonhara,
tinha de saber que não era. Não adiantaria nada fingir o contrário.
Por
aquela razão, recusava-se a aceitar a idéia de ser sua esposa, mesmo que só por
algum tempo. Ficaria inconsolável quando a relação acabasse. A dor ao ver que
Willian a deixava para ficar com alguém como Celine seria muito pior do que uma
simples onda de boatos.
Emily
não era orgulhosa, mas sabia muito bem que não conseguia suportar a piedade
alheia.
Encontrou
Willian e o irmão logo que atravessou a soleira. Kevin se apressou a
auxiliá-la.
— Obrigado, Emily. Nós pensamos que você tivesse se perdido,
ou então esquecido.
Esquecer
a presença de Willian? Como se fosse possível...
— Sinto muito, Kevin, mas
seu doce está na cozinha. Você poderá comê-lo enquanto estiver terminando
seus afazeres.
Kevin
deixou escapar um longo suspiro de desânimo.
— Tenho de fazer isso?
Willian e eu estávamos conversando.
Emily tentou não demonstrar sua surpresa. Seu irmão nunca
passara muito tempo conversando com Don.
— Tem, sim, Kevin. O prazo para seu trabalho de escola vence
amanhã.
Willian
sorriu.
— Nos veremos antes que eu vá embora, Kevin. – Parecendo
satisfeito, Kevin deixou-os a sós.
— Parece que vocês dois encontraram algo em comum.
— Achou que não conseguiríamos?
— Não sei ao certo o que imaginar, Will. Diga-me, sobre o que
conversaram?
Willian
colocou uma garfada de torta na boca, mastigou, e então sorriu.
— Sobre coisas...
Ela gemeu.
— Oh, meu Deus! Não me diga que está adotando o vocabulário
de Kevin!
— Gostei dessa palavra. E uma resposta que não quer dizer
nada... Mas, para saciar sua curiosidade, falamos sobre os interesses dele.
— Ele mencionou a escola?
— Sim. Parece que anda tendo problemas com alguns de seus
colegas de classe.
— Concluí isso pelo que o diretor e o conselheiro me disseram.
Como fez para que meu irmão se abrisse, sendo um estranho?
— Talvez eu seja justo por
isso que o garoto sentiu que poderia confiar em mim. Ou talvez eu apenas
seja um bom ouvinte. Qualquer que seja o caso, posso ajudá-lo, se você
permitir.
Emily
abandonou a sobremesa quase intocada sobre a bandeja. Ao mesmo tempo que
admirava o gesto dele, questionava seus motivos.
— Por que se incomodaria?
— Porque quero.
Ela
ainda não estava convencida.
— E verdade?
Willian
esticou suas longas pernas.
— Queira ou não, Emily, agora sou parte da família.
— Você é o quê? — Encarou-o incrêdula.
— Kevin vai ser o tio de meu filho... ou filha.
Levantando a cabeça, Emily olhou para a porta da cozinha,
temendo que a avó ou o irmão pudessem escutar algo.
— Fale baixo, por favor!
— De qualquer modo, tenho um interesse especial por tudo o
que lhe diz respeito.
Erguendo-se,
ela colocou as mãos na cintura.
— Já tenho problemas demais com o irmão de meu pai. Fique
sabendo que me recuso a dançar conforme sua música, dr. Patton.
Willian
empertigou-se.
— Não me coloque na mesma categoria que seu parente. Quer nos
casemos, quer não, estamos ligados por causa dessa criança, e quero o que for
melhor para ela.
— Eu também.
— Então, deixe-me ajudar da maneira que
puder. Esse estresse adicional é ruim para você e para o bebê.
Mais
uma vez, Willian estava certo. O estômago dela retorcia-se, tanto de náuseas
causadas pelas mudanças hormonais como pela tensão nervosa. Àquela altura, o nenê
devia estar passando por maus momentos.
O
telefone tocou, a distância, e o abrupto silêncio que se seguiu a fez
lembrar-se da existência de outras pessoas na residência.
— Não quero discutir isso aqui, Will. Não temos nenhuma
privacidade.
— Vamos ter de contar para sua avó uma hora dessas. Creio que
ela já suspeita de que há algo errado.
— Direi tudo, mas não agora.
Willian levantou-se de repente.
— Ótimo. Pegue seu casaco. — Diante de sua hesitação, ele
emendou: — Não vou detê-la por mais de uma hora.
Emily
encontrou Ellen no corredor, tendo Willian logo atrás de si.
— Nós estamos indo...
— Seu tio...
Ambas
pararam no meio da frase. Emily sentiu-se ainda pior à simples menção de Bert.
— O que estava dizendo, vovó?
— Bert acabou de ligar. Não poderá vir até o próximo final de
semana porque teve uma reunião de emergência com seus gerentes.
— Que sorte! O olho de Kevin terá sarado, e não precisaremos
falar nada sobre sua suspensão. — Ellen sorriu.
— Sabia que ia ficar contente. E você, o que ia me dizer?
Emily demorou alguns segundos para colocar os pensamentos em
ordem.
— Willian e eu estamos de saída. Estarei em casa em uma hora.
— Divirta-se. — Ellen esboçou um sorriso largo.
Vinte minutos depois, estavam sentados no carro de Willian.
— A pizzaria não fica na outra direção? — Emily percebeu que
ele virava para a direita, em vez da esquerda.
— Sim, mas vamos para meu apartamento. Lá poderemos conversar
à vontade. — Depois de uma breve pausa, continuou: — Tudo bem para você?
A boca
de Emily ficou seca. Não esperava por isso, mas tinha de concordar que um
restaurante lotado não era o melhor local para discutirem suas vidas.
A
recordação da única visita que fizera àquele apartamento fez sua pulsação
acelerar. Ainda assim, não podia precisar se era algum senso de antecipação ou
só ansiedade.
Emily
pigarreou e tentou parecer casual:
— Tudo bem, claro.
Quando
Willian a conduzia para a sala de estar, pouco depois, Emily sentiu-se tomada
por um estranho turbilhão de conjecturas. Conhecia muito pouco sobre aquele
homem. E mesmo assim teria um filho dele...
— Quer beber algo? — Willian ofereceu.
Ela não
tinha sede, mas precisava de alguns minutos a sós.
— Água, por favor.
Emily
acabara de sentar-se na cadeira de balanço de madeira quando Willian voltou
trazendo água gelada e uma garrafa de cerveja.
Ela
apanhou o copo, sentindo uma corrente elétrica percorrer sua espinha quando
seus dedos se tocaram. Tentando disfarçar, acomodou-se melhor.
— Amendoins? — Ele estendeu-lhe a
tigela.
— Não, obrigada.
Willian
sentou-se no sofá do outro lado da mesa.
— Nós não temos nada para discutir, Will. Tudo está sob
controle com meu tio agora.
— Talvez.
As
sobrancelhas dela arquearam-se.
— Por que diz isso?
Willian
só voltou a encará-la depois de levar a garrafa aos lábios, sorvendo um gole.
— Nunca o vi, por isso não posso dizer ao certo. Mas a pergunta
é: será que Bert aceitará sua palavra sobre os progressos de Kevin no colégio?
Emily
podia imaginar muito bem Bert ligando para a escola, interrogando alguma pobre
secretária, acabando por descobrir tudo o que queria.
— É um risco que terei de correr.
— Esse é o ponto, Emily.
Você não tem de correr esse risco.
— Se tudo o que quer é tentar me coagir a aceitar o casamento,
por favor, me leve de volta.
— Ouça, você está
tentando satisfazer seu tio. Estou apenas lhe oferecendo uma alternativa
que possa agradar a todos.
— Sei que tem boas intenções, mas ainda não me convenci de
que sua solução é a mais adequada.
Quando
Willian fez menção de responder, ela continuou:
— De qualquer forma, eu disse que pensaria a respeito de sua
proposta, e farei isso. Apenas não me pressione, certo?
— É justo. Seja como for, já escolheu
um médico? Tanto o dr. Moore quanto o dr. Abernathy podem atendê-la no meio da
semana que vem.
Raiva e
horror misturaram-se no íntimo de Emily.
— Você marcou uma consulta para mim?
— Não foi bem assim.
O
ultraje dela pareceu diminuir.
— Ótimo, porque eu gostaria de ver
Susan Hathaway. Willian hesitou.
— Ela não é apenas clínica geral?
— Sim, e daí?
— É boa médica?
— Gosto do modo como trata os
pacientes.
Os
lábios de Willian retorceram-se, como se não concordasse com a decisão, mas
não tivesse poder para fazer nada.
— Preferia que Gene ou Charles estivessem envolvidos...
— Eu não. — Emily não parecia nem um pouco inclinada a
discutir o assunto.
Um
pesado silêncio os envolveu, e por alguns instantes Emily só ouviu o barulho do
vento soprando do lado de fora da janela.
— Tudo bem. — Willian se desapontara, e
não escondia isso. — Mas, se tiver qualquer complicação, me reservo o direito
de chamar um especialista, tanto para você como para o bebê.
— Nós já temos um especialista. Você
estará lá. — E então, tocada pela veemência de Willian, emendou: — Sei que
vai cuidar muito bem de nós.
— Sim. Vou mesmo.
CAPÍTULO V
Não
posso acreditar que isso está acontecendo outra vez! — Heidi Detrich deixou a
cabeça cair no travesseiro. Sua pele era tão clara que rivalizava com o branco
dos lençóis. — Devia estar aproveitando o começo de minha gravidez.
Emily
simpatizava com a moça, desejando que seu próprio estômago também cooperasse.
Contendo um suspiro, injetou o complexo de vitaminas B e C no braço da
paciente.
— Você já teve enjôos matinais antes?
Heidi
assentiu, mantendo uma expressão séria.
— Sofri do mesmo jeito quando tive meu filho mais velho. Na
verdade, foi como descobri que estava grávida. Essas mulheres que atravessam o
primeiro trimestre sem nenhum problema me deixam louca de inveja.
— Chegou a ser internada na época?
— Por uma semana. Parece-me que daquela vez a médica falou o
mesmo que você, mas não consigo me lembrar das palavras exatas.
— Vamos deixar que o médico faça o diagnóstico,
está bem, sra. Detrich? — Ao dizer aquilo Emily retirou a agulha e passou um
algodão embebido numa solução anti-séptica no braço da paciente.
Heidi
fechou os olhos.
— A senhora tem um garoto ou uma garota?
— Garota. Está com minha mãe porque Rick não pôde largar o
trabalho. Lucy está com três anos e é muito travessa.
— Aposto que sim. Mas, enquanto estiver aqui, só terá de se
preocupar com seu repouso. Receberá alimentação sólida apenas pela amanhã, mas
o soro vai nutri-la de forma satisfatória até lá.
Heidi
esboçou um sorriso desanimado.
— Ótimo, porque estou cansada de me sentir péssima.
Emily a fitou com simpatia.
— Nesse meio tempo, descanse e aproveite esse período. Fecharei
a porta para diminuir um pouco o barulho. Às vezes isto aqui fica uma loucura
no horário de visitas.
Em
seguida, Emily voltou à sala de enfermagem e começou a tomar notas no registro
médico da sra. Detrich. Precisava ficar atenta a qualquer mudança, mesmo as superficiais
como febre leve ou pressão um tanto alta.
Susan Hathaway
saiu de um outro quarto naquele momento. Seu rosto tenso demonstrava que
estava exausta.
— Pensei que tivesse ido para casa. — Emily observava a
médica de cinquenta e um anos sentar-se a seu lado e anotar instruções em uma
ficha.
— Quem me dera, Emily... Ainda tenho uma recepção cheia de
gente doente para ver antes que possa dar o dia por encerrado.
— Por falar nisso, está aceitando novos pacientes?
— Claro, minha agenda não fica sempre lotada. Por quê?
— Gostaria de fazer uma consulta.
— De rotina ou emergência?
— Rotina. Vou pedir que o dr. Ferguson lhe mande meu registro
médico.
A dra.
Hathaway encarou-a. Seus olhos estreitaram-se, como se estivesse ponderando a
razão para a mudança de profissional.
— Estou grávida — Emily murmurou num
tom de voz que só pôde ser ouvido por Susan.
— Entendo... Fale com minha secretária,
e ela marcará meu primeiro horário vago para você.
— Obrigada.
Susan
levantou-se e esticou os braços atrás da cabeça ara eliminar um pouco da
tensão.
— Chame-me quando o restante dos exames de laboratório da
sra. Detrich chegarem. Você sabe o número do bip.
Emily assentiu e foi ver a nova paciente, Dolores Gonzales.
— Como vai? — perguntou à bela morena.
— Tudo bem, acho. Sabe quando o dr.
Patton vai chegar para minha cirurgia?
— A operação está marcada para o meio-dia, portanto, a
senhora não terá de esperar muito.
A sra.
Gonzales segurou com firmeza a mão do marido.
— Estou tão nervosa sobre isso... E se não funcionar?
Pelos registros médicos, Emily soube que Dolores sofria de
cervicite, por isso tivera a gravidez interrompida duas vezes antes. Para
prevenir que isso acontecesse com o terceiro bebê, Willian queria intervir.
Como a gestação estava na décima-quarta semana, aquele era o momento exato.
— Não precisa se preocupar, sra. Gonzales. Garanto que é uma
intervenção bastante simples, e o dr. Patton é muito bom no que faz. Ele só vai
cuidar da inflamação e fazer uma pequena sutura, que manterá a bolsa amniótica
no lugar, impedindo-a de romper-se antes da hora.
— Se eu perder este bebê... não sei se poderei aguentar isso
outra vez.
— Sei que é muito desagradável, mas não perca as esperanças.
Garanto que o procedimento funciona muito bem para ajudar mulheres com seu tipo
de dificuldade.
Dolores
assentiu.
— Foi o que o dr. Patton disse. Porém, acho que preciso ouvir
mais algumas vezes antes de me convencer.
— Isso é compreensível. Por acaso teve alguma cólica forte ou
sangrou nos últimos tempos?
Aqueles
sintomas contra-indicariam qualquer tipo de cirurgia.
— Não.
— Isso é bom. O dr. Patton deve ter lhe dito que evitasse
qualquer tipo de atividade sexual.
O casal
trocou um olhar cúmplice, e logo depois os lábios de Dolores curvaram-se num
sorriso desajeitado.
— Sim, e isso foi tão estranho... Primeiro, tivemos de fazer
tantas vezes para que eu ficasse grávida, e agora que consegui, precisamos
parar.
— Não parece justo, não é? — Emily comentou, com simpatia. —
Entretanto, quando estiver com seu bebê nos braços, garanto que toda essa
frustração terá valido a pena.
Dolores
assentiu.
— Voltarei daqui a pouco para checar como está.
Willian
chegou, parecendo mais bonito do que nunca com sua calça, camisa branca e
gravata de seda. Ao vê-lo, Emily não conseguiu evitar que seu coração se
acelerasse, mas, no instante seguinte, passou a considerar irritante aquela
aparência máscula, sobretudo por afetá-la tanto.
— Olá, Emi.
— Doutor... — ela respondeu, evitando encará-lo. Willian
ergueu uma sobrancelhas.
— Não dormiu muito bem na noite passada?
"Como
ele pode saber?", ela pensou, contendo um suspiro. Já notara os círculos
escuros sob os olhos na última visita ao banheiro. Sua pele também não tinha
uma cor muito boa, e as roupas pareciam sempre estar apertadas. Estendendo o
braço, entregou a Willian o registro médico da sra. Gonzales.
— Não.
— O que há de errado?
— Tudo... Nada.
Emily
não se sentia à vontade para falar sobre suas náuseas, que nos últimos dias
haviam tomado proporções cada vez maiores. Jamais imaginara ser uma pessoa tão
sensível.
Estivera
arrumando desculpas para chegar em casa após o jantar para que sua avó não
notasse sua falta de apetite, mas cada vez a estratégia parecia funcionar
menos.
— Eu vi Susan Hathaway quando estava chegado — Willian
comentou.
Emily
não se iludia com o comportamento casual dele. Willian não mencionara o assunto
desde a semana anterior, mas era óbvio que estava ansioso para saber se ela já
se programara para o exame pré-natal. De certa forma, sentia-se irritada por
aquele tipo polido de manipulação.
— Que ótimo...
— Vai fazer exames hoje, Emily?
— Que ocasião seria melhor? Estamos com falta de pessoal,
minha cabeça e meus pés doem, e não posso beber, nem comer. Isso sem contar um
certo doutor que não me deixa em paz.
Willian
piscou, triste pelo tom rude daquelas palavras, e isso a fez arrepender-se de
seu comportamento.
Desde a
ocasião em que sua avó o convidara para jantar, Willian aparecia todos os dias
para dizer olá. Até mesmo passara a tarde de sábado com Kevin, passeando pelos
arredores da cidade e visitando os ranchos nas imediações, à procura de um
filhote de labrador.
Emily
esfregou as pálpebras com as costas da mão, e deixou os ombros relaxarem, num
gesto de desânimo.
— Sinto muito, Will, não deveria atirar minhas frustrações
sobre você. Sim, eu vi a dra. Hathaway, e ela me aceitou como sua paciente.
— Ótimo! Informe-me qual será seu... — Ele fez uma pequena
pausa enquanto outra enfermeira passava ao lado dos dois. — Como ia dizendo, me
diga qual será o horário marcado. Organizarei minha agenda de acordo com isso.
Emily
ficou tensa.
— Você quer ir?
— Prefere que eu não vá? — Willian a encarou, curioso.
Ele era o pai da criança, Emily lembrou-se. Tinha, por tanto,
o direito moral de estar presente.
— Não havia pensado nessa possibilidade, Will.
— Eu quero estar lá, Emily. Jamais me perdoaria se não
estivesse.
"Claro!
Está preocupado com seu filho..."
— Ligarei para você à tarde para passar o horário.
— Combinado, Emily. Como está a sra. Gonzales?
— Tensa. Ela tem medo de perder a criança, como aconteceu
com as outras. Fiz o melhor para encorajá-la.
— Então acho que agora é minha vez.
Willian
desapareceu pelo corredor, e retornou dez minutos depois.
— Todos os sistemas já estão preparados, Emily. Irei até a
ala de cirurgia para verificar se o anestesista está pronto.
Pouco
depois, toda a equipe de cirurgia se encontrava a postos.
Quando
a intervenção terminou, passava da uma da tarde, e Emily estava pronta para
seu horário de almoço.
— É melhor você comer alguma coisa, ou
então vai parar no hospital — Molly advertiu-a. — Como Heidi Detrich.
— Eu faria isso se conseguisse manter algo no estômago. Já
bebi chá e comi biscoitos de água e sal o bastante para não suportar mais o
gosto e o cheiro de qualquer um deles.
— Vem se pesando?
— Sim, e perdi alguns gramas.
— E quando verá um médico?
— Em dois dias, na sexta-feira. Molly aproximou-se mais.
— Como vai indo todo o resto, Emily?
— Se está querendo saber sobre Keyin, meu tio virá a Crossbow
no sábado. Acho que ele vai concordar que meu irmão apenas passou por um
período ruim, e não é um candidato a se tornar criminoso por isso. Logo, a
carreira política de Bert não corre nenhum risco.
— E quanto a Willian?
Emily sorveu um gole de chá.
— Odeio admitir, mas Willian está sendo excelente. Kevin e
vovó também gostam muito dele.
— E quanto a você?
— É um bom sujeito.
Na verdade,
considerava aquele adjetivo muito insípido para descrevê-lo. Willian era
maravilhoso. Conseguira um milagre com Kevin em apenas uma semana. Seu irmão estava
mais calmo, senhor de si, agindo como se tivesse alcançado uma paz de espírito
que jamais experimentara antes. Nem parecia o adolescente que parecia uma bomba
prestes a explodir.
Celine
julgara Willian por ser estruturado e controlado demais, e Emily até concordara
com ela. Entretanto, enquanto Celine considerava essas características como
defeitos, Emily as classificava como qualidades. Se não fosse cuidadosa,
acabaria se apaixonando pelo pai de seu filho.
— Sua avó ligou para meu consultório esta manhã — Willian
contou a Emily, à tarde, quando saíram do trabalho. Pretendia usar o tempo para
relaxar, e dirigia sem rumo pela cidade.
— É mesmo?
— Está bastante preocupada com você. Para ser honesto, eu
também estou.
— Sinto-me ótima. E tenho certeza de que a dra. Hathaway
dirá o mesmo.
— Temos de contar a sua família sobre o bebê.
— Nós faremos isso. No sábado, depois que tio Bert for
embora.
— Não vou mesmo convencê-la a fazer isso antes?
Emily meneou a cabeça.
— Não. Não quero deixar escapar nenhuma sílaba a esse respeito
antes da visita de titio. Depois que ele estiver convencido de que sua preciosa
imagem política não será afetada, creio que desaparecerá por anos. E então tudo
ficará mais fácil para nós.
Willian
sorriu ao notar o pronome "nós", que ela pronunciara quase sem
querer. Fazia progressos...
— O que foi mesmo
que disse que pretendia fazer hoje, Will?
— Eu não disse. Na verdade, estava
pensando em raptá-la, para que me ajudasse a comprar uma casa.
Emily
arregalou os olhos.
— Como é?
— Meu contrato de aluguel acaba no
final do mês, e, já que pretendo ficar em Crossbow, adquirir um imóvel me parece
uma boa idéia e um bom investimento. Tive medo de que você recusasse, se
soubesse antes de meus planos, por isso decidi não revelá-los...
— Acertou, eu não teria vindo. — Emily
cruzou os braços e mordeu o lábio.
— Por que não?
— Você está me pressionando.
Willian
estacionou em frente a uma imobiliária chamada Texas Homes.
— Preferia que eu vivesse em uma tenda,
ou em um dos quartos do hospital?
— Não seja ridículo!
— Não estou fazendo pressão, Emily.
Preciso de um lugar para viver. Detesto apartamentos, e recuso-me a morar em um
trailer. Tudo isso limita minhas opções a casas ou
cavernas. E acredite: lugares frios e úmidos não são os ideais para se viver.
— Não conheço seus gostos. Pode ser que
não aprecie as mesmas coisas que eu.
— Apenas ajude-me a ver o imóvel sob um
ângulo feminino. Se não gostar de algo, também lhe direi.
Emily
passou os dedos pelos cabelos. No fundo, Willian queria ajudá-la a desembaraçar
cada mecha, mas não podia fazer aquilo. Não era a hora nem o lugar.
"Em
breve", disse a si mesmo. "Paciência e autocontrole são a chave do
sucesso."
— O que há de errado com um trailer, Will?
— Vivi em um deles por um ano. Certo dia, uma tempestade se
abateu sobre nós, vinda do nada. Antes que eu e meu amigo pudéssemos ir até o
quintal do vizinho, o vento já havia feito o maior estrago. — Mostrou uma
cicatriz perto da têmpora, quase na linha do couro cabeludo. — Isto aconteceu
quando uma das janelas se estilhaçou.
— Tudo bem, vamos encontrar um lugar para você.
Willian tomou a mão dela, afagando-a por alguns instantes
antes de sair do automóvel.
Um
minuto depois, entravam na imobiliária para encontrar a corretora Myra
Kingsbury.
A
primeira visita foi a um belo sobrado com pilares brancos na fachada, uma
varanda imensa e uma imponente escada em caracol no hall de entrada,
que possuía um pé-direito muito alto. Do teto pendia um enorme lustre de
cristal.
Emily
sentiu-se desconfortável diante de tanta imponência. Jamais imaginara que
Willian pudesse gastar uma fortuna numa casa para morar sozinho.
Myra os
deixou a sós na sala de jantar.
— O que acha, Emily?
— É linda. Perfeita para espetáculos.
— Tenho a impressão de que você não gostou.
Ela
hesitou, mas resolveu dar sua opinião. Afinal de contas, fora Willian quem
pedira por isso.
— A decoração é maravilhosa, mas acho que é impraticável para
uma família. Olhe para o carpete: é branco.
Aquele
era o tipo de lugar que Celine teria escolhido. Mas, se Emily comprasse uma
residência preferiria uma onde pudesse viver de verdade.
— Não quero contrariá-lo, mas este lugar não é imenso, sendo
só para você? Pergunto-me por que um rapaz solteiro precisaria de cinco
dormitórios.
— Espaço nunca é demais. Mais alguma observação?
— Não...
Willian
dirigiu-se a Myra assim que a encontraram na varanda:
— Vamos ver a próxima.
Por
volta das cinco e meia da tarde, Emily já estava exausta. Jamais imaginara
quantas casas luxuosas estariam disponíveis em Crossbow.
Suas
amigas viviam no mesmo bairro de classe média onde ela morava, por isso era
difícil passar por aquela parte da cidade no caminho para o trabalho ou para as
compras.
A
despeito do esplendor e da decoração exuberante de todas, nenhuma despertara
nela um interesse verdadeiro.
"Nada
disso é para você", disse a si mesma ao entrar no carro de Myra mais uma
vez para a última visita da lista.
— Baseada em seus critérios, creio que a próxima será a menos
indicada — Myra comentou assim que entrou no veículo, virando-se para encarar o
casal sentado no banco de trás. — Tem o espaço que o senhor pediu, mas precisa de
algumas reformas.
As sobrancelhas
de Willian se arquearam.
— De que tipo?
— A maior parte é só decoração. Nada estrutural. Emily notou
a expressão duvidosa dele.
— Bem, não vai doer se você checar. Willian deu de ombros.
— Acho que não.
Vinte
minutos mais tarde, pararam numa alameda calma e refinada.
— Essas casas foram construídas na
virada do século, e a maior parte delas foi modernizada.
— Presumo que essa não foi. — Willian
olhava de relance para a construção em estilo neovitoriano.
— Os proprietários fizeram isso há uns quinze
anos. Mas, de qualquer forma, o papel de parede tem de ser trocado. A pintura
também está péssima. O sr. Ross morreu cinco anos atrás, e sua mulher não quer
arcar com os custos de manutenção da propriedade. Ela planeja se mudar para um
lugar menor. Como podem ver, os quarteirões desta área têm apenas dois imóveis
cada. Quando Crossbow foi fundada, as famílias ricas moravam aqui. Hoje em dia,
a localização dará a vocês um ar tranquilo e rural, ao mesmo tempo que poderão
desfrutar as vantagens de viver na cidade.
Emily
fechou o zíper do casaco ao sair do automóvel, e logo massageou as costas, que
doíam demais. Porém, instantes depois, sua atenção concentrou-se na imponência
da construção. Caminhou até a porta da frente, tendo a mão de Willian em sua cintura.
Myra os acompanhava, poucos passos atrás.
Visitaram
todos os aposentos, e Emily se entusiasmou com o estilo do ambiente. Sua mente
trabalhava rápido, tentando imaginar como tudo ficaria se ganhasse novas cores,
assim como outros papéis de parede.
Willian
a seguiu até a cozinha, onde apoiou-se no batente para observá-la examinar toda
a mobília de carvalho.
— Não preciso nem perguntar se você gostou — Willian disse,
com um sorriso.
Emily
se virou para ele.
— Sou muito transparente, mesmo.
— Esta é uma ótima casa. Entretanto, há muitos pontos a serem
considerados.
— Por exemplo?
— A redecoração. Teremos
que contratar alguém que possa...
Erguendo a mão num gesto imperativo, ela interrompeu-o.
— Pintura e papel de parede não são grande problema. Eu e vovó
somos boas nisso, e podemos ajudá-lo.
— O jardim também parece que vai tomar bastante tempo e
energia.
— Kevin gosta de trabalhos manuais. Na verdade, ele estava
pretendendo fazer alguma coisa no verão, para conseguir um dinheiro extra. —
Emily piscou, sorrindo para Willian. — Tenho certeza de que meu irmão lhe dará
um bom desconto.
— Isso me parece bom.
Então,
Emily percebeu que estava fazendo planos que não eram de sua conta.
— Não se sinta obrigado a contratar Kevin.
— Eu não me sinto, Emily.
— E quanto a você? Por acaso gostou daqui?
— Admito que sim. Agrada-me muito não ter vizinhos por perto
para ouvir minha voz ou minha televisão. Além disso, o jardim será perfeito
para o cachorro. Tem bastante espaço.
— A manutenção desta propriedade não deve ser barata, Wil.
Talvez devesse escolher a primeira que vimos. — Emily não conseguia imaginar a
glamourosa Celine vivendo ali. Era um local
muito antiquado para uma pessoa de gosto sofisticado.
— Aquela com o carpete branco? Sem chance.
— E quanto à outra, com sauna e piscina?
— Não quero ficar preocupado o tempo todo com a possibilidade
de alguém estar se afogando.
— Santo Deus! — Por um instante Emily
esquecera que seu filho iria passar bastante tempo na casa de Willian. — Bem
pensado. Qual vai escolher?
Willian
deu um passo à frente.
— A que você tiver gostado mais.
Aquele
não era um jogo limpo. Ele não estava sendo justo.
— Gostei de todas.
— Mas deve ter uma favorita.
— Não seja bobinho...
— Você ficou apaixonada por esta.
— É mesmo?
— Posso apostar. — Aproximou-se ainda mais.
Os dois
estavam tão próximos que Emily podia sentir o hálito quente que saía dos lábios
sedutores de Willian.
— Como sabe?
Ele deu
de ombros, tomando as mãos delicadas entre as suas.
— É difícil explicar.
— Tente.
Emily
procurava se concentrar na conversação, ignorando o afago dele, mas não
conseguiu.
Enlaçando-a
num abraço, Willian encarou-a.
— Vejo isso em seus olhos.
Quase
hipnotizada, Emily lembrava-se claramente da outra ocasião em que estivera
naqueles mesmos braços.
— Não diga...
— Digo, sim. Eles brilham. E seu
rosto... — Acariciou-a com o indicador.
Emily
começou a ficar tensa demais. Cada nervo parecia gritar para que Willian
continuasse.
— O que tem o rosto?
— Fica ainda mais bonito como está
agora. — Ao dizer aquilo, tocou os lábios carnudos. — Essa é outra pista.
O tempo
pareceu parar, e ambos fitavam-se com a respiração suspensa.
— Você é linda.
Em seguida, Willian beijou-a, mais possessivo do que gentil. Quando ergueu a cabeça, via-se em seu
semblante a mesma paixão que consumia Emily por dentro.
— É assim que eu sei, querida.
— Já chegaram a uma decisão? — A voz
animada de Myra, do outro lado da porta, fez todo o ardor de Emily evaporar.
Tentou
desvencilhar-se, mas Willian manteve-a junto a si. Não dava a mínima por ter
sido surpreendido em um momento romântico.
E, pelo
sorriso compreensivo de Myra assim que os viu, aquela novidade logo se
espalharia pelos quatro cantos.
Um
pensamento desagradável passou pela mente de Emily: será que Willian a beijara
de propósito? Teria ele esperado pela aparição de Myra para alimentar um boato
que deveriam evitar a todo custo?
— Precisarei de alguns dias para tomar
uma decisão — Willian afirmou.
— Sem problemas. Qualquer uma das
propriedades será um maravilhoso lar para uma família. Apenas me informe qual
vai escolher, e eu cuidarei dos papéis.
Durante
a volta, os pensamentos de Emily retornaram ao beijo. A excitação que
experimentara nos braços de Willian na noite do baile não diminuíra com o
tempo.
Precisara
daquele encontro para exorcizar os fantasmas relacionados
a Don, e alcançara seu objetivo. Entretanto, ainda não conseguira lidar
com os resultados do que houvera, como imaginara
ser capaz de fazer. Embora tivesse procurado negar, a partir de então um cordão invisível a ligara a
Willian. Mesmo antes que soubesse da própria gravidez.
Como
poderia passar tanto tempo com ele sem sofrer as consequências emocionais?
Emily
queria viver naquela casa com ele. Não podia imaginá-lo dividindo aquele
espaço com outra mulher. Sim, Willian sugerira que se casassem, mas pelos
motivos errados.
Emily
desejava ouvi-lo dizer coisas diferentes. Queria sentir-se a pessoa mais
importante da existência daquele homem. Nada menos que isso.
Quando
o automóvel parou, Emily virou-se para encarar Willian, mantendo a mão na maçaneta.
— Se não se incomodar, vou dizer boa-noite aqui mesmo. Estou
exausta.
— Só entrarei um instante para dizer alô a Kevin.
Cumprindo o prometido, Willian não demorou-se muito na
visita. Em quinze minutos, Emily acompanhou-o até a saída, onde beijaram-se de
novo. Porém, dessa vez, os lábios se encontraram apenas por um segundo, e o
fogo da paixão que haviam experimentado não se repetiu.
— Durma bem, Emily.
— Eu dormirei.
Willian a estudou, atento.
— Você está bem?
Emily
sorriu diante daquela questão que já estava se tornando familiar.
— Estou ótima, apenas cansada. —
Preferia não mencionar a dor nas costas.
— Certo. Vejo-a amanhã.
Apesar
de ainda ser cedo, Emily tomou uma caneca de chá e foi direto para a cama,
exaurida. Mas, por volta da meia-noite, um forte enjôo acabou obrigando-a a
despertar.
Correu
para o banheiro sentindo uma pontada no abdome. Quando o desagradável ataque de
náusea diminuiu, encostou-se na parede, sentada no chão, incapaz de se mover.
Ellen
apareceu à porta.
— O que está errado?
— Problemas com o estômago, vovó.
Mal
percebeu as mãos frias de Ellen tomando sua temperatura.
— Vou chamar Willian.
Emily
assentiu. Ele saberia o que fazer.
"Oh,
meu Deus, não me deixe perder este bebê!"
CAPÍTULO VI
Willian
atendeu ao telefone, ao mesmo tempo que esfregava os olhos.
— Sim?
A
entonação preocupada de Ellen atingiu-o em cheio, fazendo-o sair de imediato
daquela letargia.
— Emily está doente, Will. Não sei o que há de errado... Pode
vir até aqui?
— Dê-me apenas alguns minutos.
Willian
vestiu uma calça jeans, uma velha camiseta de um time de beisebol e um par de tênis,
em tempo recorde. Ignorando a própria aparência refletida no espelho, apanhou
as chaves do carro e desceu para o estacionamento.
Logo
freou em frente à casa dos Chandler, e encontrou Kevin esperando-o à soleira.
— Vovó está no quarto de Emily — o rapaz disse, com os
cabelos em desalinho e os olhos inchados pelo sono.
Com
passos largos, Willian caminhou até o aposento dela. Ao colocar a mão em sua
testa, ficou chocado ao perceber a alta temperatura.
— Eu a ouvi vomitando — Ellen revelou, preocupada. — Mais
tarde, quando a ajudei a vir para cá, ela se queixou de dor nas costas.
Willian
inclinou-se sobre Emily.
— Há quanto tempo está sentindo isso?
— Começou ontem, e foi piorando.
— Mostre-me onde dói.
Emily
virou-se de bruços, indicando uma região pouco acima do quadril.
— Costuma doer quando você vai ao
banheiro para urinar?
— Um pouco. — Tentou sorrir.
— Vou levá-la para a emergência —
Willian pensava num diagnóstico possível. — Pode caminhar ou devo chamar uma
ambulância?
Emily
mordiscou o lábio.
— Posso andar. - Willian dirigiu-se a
Ellen:
— Onde fica o telefone?
— Na cozinha.
Após
ligar para Susan Hathaway e para o hospital, Willian retornou, encontrando
Emily sentada na beira da cama.
— Venha conosco se quiser, Ellen.
A anciã
aproximou-se de Kevin, que estava parado ao batente.
— Nós vamos esperar aqui. Kevin tem aula amanhã de manhã, por
isso ele deve tentar dormir um pouco.
— Ligarei assim que soubermos de alguma coisa. E não se
preocupe, Kevin. Sua irmã ficará bem.
O medo
estampado nas feições do garoto diminuiu, e ele assentiu com um gesto de
cabeça.
Notando
a debilidade dos movimentos de Emily, Willian ajudou-a a chegar ao carro.
Em
instantes, eles eram recebidos no hospital por um membro da equipe médica, que
os aguardava com uma cadeira de rodas e levou Emily para a sala de exames.
— A dra. Hathaway já chegou? — Willian perguntou para uma
enfermeira que estava no meio do hall.
— Não, doutor.
— Onde está o médico de plantão?
— O dr. Radcliff está atendendo alguém agora.
— As sobrancelhas da moça arquearam-se. — Essa jovem não é sua paciente?
— Não.
— Entendo...
Willian
assumiu o controle da situação.
— Quero uma cultura bacteriana, análise
química, exame e cultura de urina e de sangue. Já!
— Mas se ela não é sua paciente...
— Apenas faça isso. A dra. Hathaway
também vai querer o que pedi, então vamos poupar algum tempo, certo?
As
portas automáticas se abriram, e Susan Hathaway entrou. A enfermeira, hirta,
viu-a se aproximar.
— Vá! — Willian ordenou em seu tom mais autoritário.
A enfermeira lançou-lhe um olhar desconfiado, mas acabou
obedecendo.
Susan
encarou-o, com seriedade.
— Está discutindo com a equipe, Will?
— Não, Susan. Apenas estava tentando convencê-la de que você
iria querer os resultados dos exames de laboratório o mais depressa possível.
— Ah, é? E o que eu vou querer?
— Cultura bacteriana, análise química, cultura de urina e
tudo o mais.
— Parece que cobriu todas as
possibilidades.
— Emily está grávida.
— Isso ela já me disse, Will.
— E está com uma dor forte na região intercostal.
Sua temperatura subiu para trinta e nove graus, e apresenta náusea e vômitos.
Meu diagnóstico preliminar é cistite, complicada pela desidratação.
— Será que posso examinar minha
paciente, ou apenas devo acreditar no que diz? — a médica indagou, com certo
sarcasmo.
Willian
sorriu, sem graça.
— Desculpe-me.
— Entretanto, se não é o médico de
Emily, ou um membro da família, não posso discutir o caso com você.
— Eu sou o pai da criança.
O
sorriso da dra. Hathaway deixava transparecer uma fina ironia.
— Por que será que não estou surpresa? — Afastou-o com um
aceno. — Vamos lá, dr. Papai, deixe-me ver se concordo com seu diagnóstico.
Willian
permaneceu discreto num canto do quarto, enquanto Susan examinava Emily e a questionava
sobre sua saúde nas últimas semanas. Por fim, expressou-se:
— Ainda não tenho os exames laboratoriais para confirmar, mas
acredito que você está sofrendo de uma infecção urinária.
As
pálpebras de Emily baixaram-se, como se ela estivesse fazendo uma prece
silenciosa de agradecimento.
— Quer dizer que posso ir para casa?
— Em outra situação eu diria que sim,
mas, por causa de seus enjôos terríveis, a resposta vai depender do eletrólito.
— E quanto ao bebê?
— É provável que esteja bem. — Susan
tomou-lhe a mão. — Vou checar no laboratório, e estarei de volta assim que
tiver os resultados.
Logo
que ficaram a sós, Willian voltou para o lado da cama. Segurou-lhe os dedos e
afagou-lhe o rosto.
— Sente-se melhor, Emily?
Ela fez
um gesto afirmativo, mantendo uma expressão séria, ao ajeitar-se na maca.
— Obrigada por estar aqui, Will.
— Por que não me contou que não andava
bem, Emily? Se eu soubesse, não a teria levado para ver aquelas casas hoje à
tarde.
— Tenho estado mal há tanto tempo que
alguns sintomas a mais não faziam diferença.
— Falo sério. Conte-me qualquer coisa
diferente da próxima vez.
A ordem
provocou o bom humor de Emily.
— Sim, mestre.
Willian achou graça.
— Ei! Gostei da forma como disse isso.
— Sei que gostou.
Susan
Hathaway retornou, mas, apesar de sua presença, a demonstração de afeto de
Willian não foi interrompida, que continuou afagando Emily.
— Emily, a análise de urina e os exames
de sangue por enquanto confirmam minhas suspeitas. Apesar de as culturas só
ficarem prontas pela manhã, começarei a tratá-la com antibióticos. De modo
geral, recomendo a meus pacientes que bebam muito líquido, porém, já que sua
situação está agravada pelo enjôo, vou administrar-lhe soro. De acordo com os
exames de sangue, você está muito desidratada.
— Por quanto tempo terei que ficar
aqui, doutora?
— Até que tudo
esteja sob controle. Talvez por alguns dias.
— Adiantaria alguma coisa se eu
reclamasse?
— Não! — Willian decretou, sucinto.
Susan sorriu para o colega.
— Aí está sua resposta, minha cara. Voltarei a examiná-la pela
manhã.
Susan
deixou-os a sós para cuidar dos documentos de admissão.
Willian
permaneceu ao lado de Emily até que ela fosse instalada em um dormitório
particular na ala da maternidade.
— Telefonarei para sua avó. Quero apanhá-la pela manhã para
que Ellen lhe faça uma visita logo que Kevin for para a escola.
— Muito obrigada, Will. — Emily baixou as pálpebras pesadas
de sono.
Então,
Willian inclinou-se sobre a cama, beijando-a de leve nos lábios.
— Não se preocupe com nada, Emily.
— Combinado.
Com relutância, Willian deixou-a, consciente dos olhares curiosos das poucas enfermeiras que
estavam no turno da noite, e então decidiu
encará-las, esperando que assim o interesse das mulheres em sua vida particular diminuísse. As mais próximas logo
viraram a cabeça em outra direção, mas Willian sabia que o boato iria se
espalhar logo que virasse as costas.
Aquilo
era inevitável, mas ele esperava que Emily pudesse suportar os comentários e
as especulações que decerto iriam se seguir.
— Onde está minha sobrinha?
A
trovejante voz masculina vinha da recepção, interrompendo a conversa de Emily
com a avó. Passava das dezenove horas, mas Emily ainda sentia-se surpresa pelo
quanto melhorara depois de dormir por quase todo o dia.
Lembrava-se
de ter visto Willian várias vezes, mas apenas notara sua presença antes de
voltar à inconsciência.
— Alguém está fazendo um barulho e tanto — Ellen comentou. —
Alguém devia dizer a ele que está em um hospital.
Emily
sorriu.
— As pessoas não percebem como o som se propaga por esses
corredores. Sabe, vovó, esse tom me lembra... Meu Deus, você não acha que é...
— Claro que não, querida! Eu liguei para seu tio e pedi que
não viesse neste final de semana porque você está doente.
— Contudo, pode ser que tio Bert tenha
resolvido vir de qualquer maneira.
Ellen
colocou o bordado no colo, analisando a possibilidade. Levantou-se em seguida
e caminhou até a porta, para olhar para fora. Quando voltou a virar-se em
direção ao leito, suas feições revelavam tanto espanto quanto horror.
— É Bert! — Recuou, assustada.
— Titio deve ter passado em casa, e Kevin informou que
estávamos aqui. — Emily respirou fundo, para se acalmar. — Certo. Nada de
pânico, pois tudo está sob controle.
Lutando
para organizar as idéias, Emily ajeitou os cabelos e rezou para que sua
aparência estivesse melhor do que na véspera.
No entanto,
o que seu tio poderia esperar? Ela estava internada, afinal de contas, e não se
preparando para um baile de gala.
Poucos
instantes se passaram antes que Bert Chandler entrasse com sua aparência
autoritária. Era muito alto, com mais de um metro e noventa, e vestia um terno
sob medida, de uma fina casimira cinzenta. A gravata de seda verde e os sapatos
lustrosos completavam sua aparência impecável.
O tom
grisalho dos cabelos muito bem penteados lhe conferia um ar distinto. Era a
figura de um homem de negócios bem-sucedido.
Bert
encarou Emily antes de dirigir-se a sua avó:
— Ellen, que bom vê-la. — Como sempre,
não soava nem um pouco sincero.
— Você recebeu minha mensagem?
— Sim, mas, como estava mesmo passando
por aqui, decidi parar para uma visita. Não imaginei que sua doença fosse tão
séria, Emily. Fiquei surpreso quando Kevin me disse que estava no hospital.
— Uma infecção como a minha pode ser
delicada de se tratar, tio.
— Tenho certeza de que sim. Sobretudo
se levarmos em consideração seu estado delicado.
O medo
fez o coração de Emily acelerar, porém, mesmo assim ela fingiu ignorância.
— A respeito de que está falando?
— De sua gravidez. Por acaso achou que
eu não acharia esquisito o fato de estar internada na ala da maternidade?
Emily
decidiu blefar. Não tinha nada a perder, mesmo...
— Pessoas doentes são acomodadas na
primeira cama que estiver à disposição, independente do diagnóstico. Eu também
poderia estar na unidade de cirurgia.
— Vamos lá, Emily, eu não nasci ontem.
E de qualquer forma, uma enfermeira confirmou minhas suspeitas.
— Quem? — Ela tentava ganhar tempo.
Mais tarde, sua supervisora iria ouvir sobre aquela quebra do direito do
paciente ao sigilo.
Bert
ergueu a mão.
— Isso não importa, não é? Mas, mesmo assim, vou explicar.
Logo que a recepcionista me deu o número de seu quarto, reconheci a ala e
comecei a imaginar coisas. Quando indaguei como você e o bebê estavam, uma
jovem me assegurou que não devia me preocupar, visto que estava melhorando e
não tinha perdido a criança.
Bert
iria se dar muito bem na carreira política. Ele sabia manipular os outros com
maestria para conseguir as informações que desejava obter. Talvez devesse ter
escolhido a carreira de detetive particular.
— Você não tinha nenhum direito...
— Tenho todos os direitos do mundo,
Emily. Ainda mais depois que fiquei sabendo da recente façanha de Kevin no
colégio.
— O quê? — Emily ficou furiosa o
bastante para pensar em tomar satisfações com o conselheiro da escola.
— Isso não importa. Estou muito
preocupado com a qualidade da educação que meu sobrinho está recebendo. Quer
eu goste, quer não, suas atitudes refietirão em minha imagem.
— Isso não é verdade, titio. Você não é
o tutor dele.
— Esse é um detalhe que será retificado
com extrema facilidade. Eu não estaria cumprindo meu dever se não colocasse Kevin
na linha, apesar de ter poder para isso.
Emily
queria discutir, mas cerrou os dentes, forçando-se a manter a fleuma.
— Meu irmão não está fazendo nada de
mais.
— Essa é sua opinião. Brigando com os
colegas, bancando o insubordinado com os professores, e ainda por cima sob
suspeita de roubo.
— Roubo? — Emily e Ellen repetiram ao
mesmo tempo.
— É isso, o que vem provar meu ponto de
vista. Vocês duas estão vivendo com o rapaz e nem mesmo sabem disso. O que mais
será que está acontecendo bem a sua frente enquanto
você... — O olhar dele encontrou o de Emily. — ...está andando por aí
com Deus sabe quem? Bem, pelo menos nós podemos dizer que sabemos o que você
estava fazendo.
Emily
engoliu em seco, e Ellen ficou pálida.
— Que tipo de exemplo está dando,
Emily?
— Basta! — Willian surgira à soleira,
sem que ninguém notasse. — Não vou permitir que perturbe os pacientes!
A
intervenção daquela figura máscula e poderosa levou algum alento para Emily.
Bert virou-se assim que Willian aproximeu-se.
— Você deve ser o dr. Hathaway.
— Não. Sou o dr. Patton.
— Dr. Patton, estamos tendo uma
conversa de família. Se Emily acha o assunto estressante, ela é a única que tem
do que se culpar.
— Está errado — Willian retrucou com
segurança.
— Como pode saber sobre isso?
— Porque conheço Emily. Ela está doente,
e não precisa de nenhuma pressão neste momento.
— Sinto muito. Mas o próprio estado de
minha sobrinha é prova de que ela não é capaz de guiar o futuro de um jovem.
Entrarei com uma petição para conseguir a custódia de Kevin amanhã mesmo, e
acredite-me: vou vencer.
Emily
colocou os cobertores de lado, ignorando que vestia apenas uma camisola, e
começou a se levantar. Parou apenas quando as sondas do soro em seu braço a
incomodaram.
Willian
a fez voltar a se acomodar.
— O que acha que está fazendo?
— Estou me dando alta. Willian não a soltou.
— Por quê?
— Preciso ver meu advogado. Agora, por favor, me deixe em
paz!
Willian
meneou a cabeça.
— Esqueça essa loucura. Vai ficar nesse leito, e eu cuidarei
de tudo.
Emily
encarou-o, indecisa. Deixar o destino do irmão nas mãos de Willian era
arriscado. Ele podia até se preocupar com os interesses de Kevin, mas Emily não
esperava, nem queria, vê-lo lutando suas batalhas.
— Tudo vai dar certo — Willian murmurou, com um sorriso
encorajador.
Emily
sentia-se exaurida.
— Certo, Will.
— Não sei quem
você é, rapaz, mas isso não é de sua conta.
— Emily está esperando meu filho,
e tudo o que diz respeito a ela e seus familiares também é problema meu.
Se não
estivessem bem no meio de uma crise, Emily teria dado uma gargalhada diante da
expressão atônita de Bert Chandler.
— Agora, vamos discutir isso em outro lugar. — Willian apontou
para a porta.
Chandler
olhou de relance para a sobrinha.
— Vocês dois estão namorando?
Emily
fez que não, evitando o olhar de Willian.
— Estão noivos?
— Não.
Mais uma vez, a voz trovejante de Bert dominou o ambiente:
— Então, mantenho minha posição. O fato de terem um caso não
torna a situação de Kevin melhor.
Lutando
para manter o autocontrole, Willian apontou para a porta. Não queria ver Emily
preocupada, e, quanto antes acalmasse aquele homem, mais rápido ela relaxaria.
— Saia do quarto.
Chandler
seguiu-o até uma sala vazia no final do corredor.
— O que você tem a dizer em sua defesa?
— Bert cruzou os braços.
— Não tenho de explicar a ninguém
minhas atitudes ou as de Emily. De qualquer forma...
— Pare com essa conversa fiada, Patton!
Quero saber quais são suas intenções. Planeja se casar com minha sobrinha ou
vão continuar vivendo em pecado?
— Não estamos vivendo juntos, e nunca
vivemos. Já pedi Emily em casamento, mas ela recusou.
— Mas não vai recusar agora. Se quiser
que eu esqueça toda a idéia de requerer a guarda de Kevin, minha sobrinha não
desgraçará o nome dos Chandler.
Avaliando
o ponto de vista egoísta de Bert, Willian teve de morder o lábio inferior. O homem
estava mais preocupado com um potencial embaraço que se refletisse em sua
imagem do que com o bem-estar de seus parentes. Se a vontade de ambos não
caminhasse para a mesma finalidade, o matrimônio, Willian nem mesmo
conversaria com Bert.
— Direi isso a Emily.
Como já
a advertira antes, na certa não seria uma completa surpresa. Mas, sabendo como
Emily se sentia sobre o casamento, a ameaça de Chandler podia ser um remédio
muito amargo para se engolir.
— Mas forçá-la não é o caminho.
— Emily tem uma escolha.
A frase
de Bert, lógico, tinha duplo sentido.
— Claro. Ou ela se casa, ou perde o
irmão que tanto ama. Parece-me mais um ultimato.
— Pode ser, mas não quero ver o filho
de meu irmão crescendo para ser um futuro marginal em uma prisão do Estado.
— Será que não está exagerando? Kevin
apenas se envolveu em uma briga. Não estava vendendo drogas nem portando armas
na escola. E, além disso, nunca foi preso.
— Uma vida de crimes começa de alguma
forma, Patton. Você não tem que gostar de meus termos, nem Emily. Apenas certifique-se
de que ela saiba que isso é muito importante para mim.
— Emily sabe.
Naquele momento, tudo o que Willian queria era salvar Kevin da influência
daquele déspota. Por um instante, imaginou como a vida de todos seria diferente
se tivesse concordado com a proposta de Emily no baile de Natal. Teriam evitado
muitos problemas. Entre
todos, o desagradável Bert Chandler.
Bert
tornou a cruzar os braços.
— Minha sobrinha não está bem, por isso serei generoso. Têm
trinta dias para se casar, ou então irei resolver o assunto a minha maneira.
"Trinta
dias?" Willian imaginou qual o prazo que teriam se Bert Chandler não fosse
generoso.
— Não poderemos planejar nada em período tão curto. Recuso-me
a privar Emily do tipo de casamento que ela deseja.
Conhecendo-a,
Willian sabia que ela não gostaria de um evento luxuoso. De qualquer forma,
Chandler não precisava saber disso.
O homem
arqueou as sobrancelhas, como se considerasse o ponto de vista de Willian.
— Seis semanas, Patton. É minha oferta final.
Sentindo
que a benevolência de Bert havia chegado ao limite, Willian concordou.
— Vamos nos manter em contato durante esse período — Chandler
advertiu-o. — Por isso, diga a Emily que quanto antes legalizarem sua união,
mais rápido se livrarão de mim.
— Tudo bem. Mas agora também tenho uma condição.
— É mesmo, doutor? Não diga!
As
feições de Willian permaneceram impassíveis.
— Uma vez que estivermos casados, você não vai interferir
com Kevin, a não ser que ele peça sua ajuda.
— Agora veja bem...
— Para sempre. Chandler piscou, surpreso.
— Para sempre?
— Não poderá mudar de idéia daqui a um ano ou dois, Chandler.
O que acontecer com Kevin não será de sua conta, a não ser, como eu disse, que ele peça sua interferência primeiro.
Bert
hesitou por um breve momento.
— Se é assim que você deseja...
— É.
Uma pausa tensa envolveu os dois por um instante, e mais uma
vez foi o tio de Emily quem quebrou o silêncio.
— Para ser honesto, não posso dizer que o invejo, Patton. Conheceu
Emily, por isso já deve saber como as mulheres Chandler são cabeças-duras. — Um
sorriso estranho curvou-lhe os lábios. — Manterei contato — murmurou, antes de
caminhar em direção ao hall de elevadores.
Entretanto,
assim que Bert foi embora, a vitória de Willian começou a perder o sentido.
Queria que Emily se casasse com ele porque desejava isso, e não porque
era obrigada.
Embora
não tivesse admitido antes, seus sentimentos em relação àquela mulher estavam
se tornando cada vez mais profundos.
Uma
enfermeira aproximou-se com a ficha médica de um paciente na mão.
— Desculpe-me, dr. Patton. A sra. McGuire está com contrações,
e bastante dilatada.
— Irei até lá em um minuto.
— A bolsa já se rompeu.
Contendo
um suspiro, Willian seguiu-a. Emily teria de esperar.
— Sinto muito que tenha descoberto sobre o bebê dessa maneira,
vovó. — Emily, muito nervosa, torcia o lençol entre os dedos.
— Estava começando a desconfiar,
querida. Emily ergueu a cabeça para encarar a avó.
— Estava?
A anciã
sorriu.
— Ora, não esqueça que já sou uma mulher madura! Conheço os
sinais. Para ser franca, fiquei aliviada por o pai ser Willian, e não Don
Springer.
— Então não está zangada comigo?
Ellen deu de ombros.
— Desapontada, talvez. Adoraria que
tivesse um belo casamento em junho, antes de o bebê chegar.
— Não estou certa de que isso vai
acontecer. Tio Bert deve estar agora mesmo negociando um acordo com Will
relacionando o futuro de Kevin e nosso casamento.
— Acho que sim. — Ellen voltou a apanhar o bordado.
O olhar de Emily parecia perdido no vazio.
— Posso até mesmo ouvir Willian dizendo a tio Bert como eu
recusei sua proposta de casamento. Agora acho que serei forçada a aceitar.
Desviando
mais uma vez a atenção de seu trabalho manual, a anciã encarou a neta.
— E isso seria tão ruim assim? Willian
é um rapaz ótimo, de maneiras adoráveis, e é também uma pessoa muito mais fina
do que Don jamais seria.
— Acha mesmo? — Ellen arregalou os
olhos.
— Sem sombra de dúvida. Você não
concorda?
Emily
suspirou. Tinha de admitir que, apesar do pouco tempo que se conheciam, Willian
exibira mais caráter no dedo mínimo do que Don possuía em seu corpo inteiro.
— Sim, mas não sou a mulher que Willian deseja, vovó. Ele
sonha com uma vida social de primeira classe, ao lado de uma esposa glamourosa.
Não me encaixo nesse modelo.
— Que bobagem! Você não
sabe disso. Nem mesmo tentou.
A verdade doía. A voz de Emily transformou-se quase num
sussurro:
— Quando Will perceber o que teve de desistir para se casar
comigo, vai me deixar, e isso acabará comigo.
As
palavras ficaram pairando no ar por alguns instantes, antes que Ellen voltasse
a falar:
— Isso quer dizer que você o ama?
— Willian é uma pessoa muito especial.
Não sei ainda se o que estou sentindo é amor ou apenas admiração. Com toda essa
confusão envolvendo tio Bert...
Por mais um longo momento, Ellen se manteve em silêncio.
— Se está tão apavorada com a
possibilidade de se comprometer com Willian, então, santo Deus, não faça isso!
Kevin vai sobreviver. Apesar de todos os defeitos de Bert, acho que ele se
importa de verdade com o que acontece com o sobrinho.
— Não, vovó. Preferia me casar com
Átila, o rei dos hunos, antes de deixar Bert levar meu irmão.
Um
sorriso divertido curvou os lábios da velhinha.
— Quer dizer que está colocando Willian na mesma categoria
que Átila?
— Não. — Emily sorriu. — Estou apenas fazendo um comentário.
Ellen
terminou outra carreira de pontos.
— Você mencionou que Willian deseja uma
mulher de sociedade. Sou experiente o bastante para lhe afirmar que os homens
nem sempre sabem o que eles mesmos querem.
— Willian sabe.
— Pode ser. Mas, na maioria das vezes,
nós, mulheres, é que os guiamos na direção que queremos. O truque é fazê-los
pensar que tiveram a idéia em primeiro lugar.
— Era assim que fazia com vovô?
Ellen piscou, matreira.
— Evidente que nem sempre alcancei cem por cento de sucesso,
porém, as coisas funcionavam da maneira que eu queria. Isso me faz lembrar de
uma ocasião, quando eu esperava sua mãe. Desejava que nosso lar fosse pintado
por dentro e por fora. Seu avô, é claro, estava mais interessado em arrumar o
estábulo. Em vez de discutir, na semana seguinte
comecei a conversar com ele sobre como nos sentiríamos felizes com a
companhia do bebê. Na verdade, limpei cada centímetro daquela residência.
Pensando no bebê, lógico.
— É claro...
— De qualquer forma, os quartos ficaram
impecáveis, com cortinas novas, roupa de cama, de banho, tudo novinho. Uma
vizinha chegou até mesmo a me ajudar a lavar as paredes. As coisas foram
acontecendo. Então, começamos a trabalhar no jardim. Plantamos flores e
arbustos. Quando estávamos quase terminando, Clen notou como a pintura destoava
de todo o resto. A próxima coisa de que me recordo é dele indo direto para o
estábulo e voltando com as latas, rolos e pincéis para começar o serviço.
Quando sua mãe nasceu, tudo estava limpo e brilhante como uma moeda de prata.
Ellen
fez uma ligeira pausa, e emendou com confiança:
— Portanto, como pode ver, minha cara, os homens podem ser
guiados.
Por um
instante, Emily considerou o comentário.
— Então está querendo me dizer...
— ...que Willian pode achar que
quer uma mulher de alta classe, mas pode convencê-lo do contrário, querida.
Namoros servem para esse tipo de coisa. Tem de persuadi-lo a acreditar que você
é a companheira de que ele deseja e precisa.
As
táticas da anciã pareciam tão simples...
— Não sei se vou conseguir.
— Não saberá se não tentar.
Emily ponderou
por um momento. Gostaria de ser a esposa que Willian procurava. Mesmo antes de
seu encontro no baile de Natal, já se sentira atraída por ele. Será que seu bebê
não merecia que tentasse vencer o desafio que a avó lhe fizera?
Endireitou
a espinha.
— A senhora está certa, vovó. Quem não arrisca, não petisca.
Ellen
guardou seu bordado na bolsa a seus pés.
— Boa garota! Agora, é melhor eu ir embora e checar como está
Kevin. Voltarei mais tarde.
— Hoje é sua noite de bridge, por isso não precisa se
preocupar comigo. A dra. Hathaway afirmou que terei alta amanhã.
Ellen
hesitou, como se considerasse o que fazer.
— Bem, se estiver mesmo se sentindo melhor... — Sorriu em
seguida, lembrando-se de algo. — Tenho certeza de que Willian não vai deixá-la
sozinha por muito tempo.
Nos
quarenta e cinco minutos seguintes, Emily consultou várias vezes o relógio,
aguardando a chegada de Willian. Na certa, a conversa dele com Bert não
demorara tanto. Talvez estivesse assistindo algum paciente.
Sua
suspeita confirmou-se pouco depois, quando uma das assistentes chegou com a
bandeja do jantar. Apesar de continuar sem nenhum apetite, Emily forçou-se a
tomar sopa e comer algumas bolachas. Afinal, aquela seria sua primeira refeição
em vinte e quatro horas.
Mais
uma hora se passou. Incapaz de aguentar o suspense, Emily se levantou, retirou
do braço a sonda do soro e vestiu o robe, caminhando até a porta.
Quando
chegou à ala das enfermeiras, viu que Willian estava parado no balcão, fazendo
algumas notas em um registro. Parecia exausto, depois de uma cirurgia.
Apressou
o passo para encontrá-lo, tomando cuidado para não esbarrar em duas mulheres
muito bem vestidas, que passavam pelo corredor.
— Olá, Will.
Ele
virou, de imediato.
— Você deveria estar em pé, andando por
aí?
— Não sou uma inválida.
— Acho que não. — Ele sorriu.
Uma
senhora que acabara de passar estacou e olhou direto para Willian.
— Eu o conheço — ela murmurou.
Vestia um conjunto que devia ter custado mais caro que todo o guarda-roupa
de Emily. Os cabelos grisalhos tinham sido penteados num estilo clássico, e sua maquiagem era
impecável.
— Desculpe-me, mas...
— Eu nunca teria acreditado se não
tivesse visto por mim mesma. Você é aquele rapaz... Patton, não é?
A
expressão de Willian era de expectativa.
— Sim, senhora, sou eu.
A mulher
aproximou-se alguns passos, prestando atenção ao nome marcado no crachá.
— Você é um médico?
— Sim.
— Santo Deus!
Virou-se
para sua acompanhante.
— Espero que esse homem não seja o responsável pelos cuidados
a minha sobrinha, Mary.
Mary,
que era parecidíssima com a irmã, ainda que alguns anos mais jovem,
demonstrava estar tão espantada quanto Emily. Entretanto, pelo jeito não
possuía o mesmo temperamento difícil da outra.
— Nelda, não faça uma cena.
— Pois sim! — Nelda desafiou. — Conheço
esse homem muito bem, e não vou permitir que se aproxime de minha sobrinha, e
você devia pensar o mesmo.
Emily
foi incapaz de conter sua indignação.
— O dr. Patton é um de nossos melhores médicos, senhora.
Nelda mediu-a com um olhar, considerando-a petulante por
discordar de sua opinião.
— Está completamente enganada, minha
cara. Esse aí não pode ser um médico. Mesmo
que esteja escrito em seu crachá.
— Posso lhe assegurar que sou — Willian
confirmou com a voz rouca.
— Não estou convencida. Lembro-me muito
bem dos problemas que você causou, roubando seu próprio empregador.
Com um
registro juvenil igual ao seu, não pode ter entrado para uma escola de
medicina.
— Não vou discutir meu passado com a
senhora. — Willian estreitou o olhar. — Agora, se continuar perturbando o
ambiente, terei que chamar a segurança.
— Perturbar? — O rosto de Nelda
tornou-se vermelho. — Estou dizendo a verdade, para advertir as outras pessoas
que estão a seu lado.
"Willian
teve problemas na juventude?" Emily achava aquilo difícil de acreditar.
Sentindo-se compelida a defendê-lo, deu um passo à frente.
— Acho que deveria medir cada palavra antes de falar, madame.
As pessoas podem ser processadas por difamação.
Nelda
limitou-se a fitar Emily com extremo desdém.
— Isso não lhe diz respeito.
— Diz, sim. O dr. Patton não é apenas
um médico talentoso, mas também meu noivo, e não vou ficar aqui parada
enquanto você tenta manchar a reputação dele!
CAPÍTULO VII
O dr.
Patton é um responsável e respeitável membro desta comunidade. Como a senhora
ousa vir até aqui e fazer insinuações absurdas? — Emily aprumou os ombros,
tentando manter uma postura imponente. — O doutor é um profissional de alto
gabarito. Seja lá o que for que tenha acontecido em seus dias de juventude,
isso agora está no passado. Há um ditado que diz que quem tem telhado de vidro
não deve atirar pedras no do vizinho. Em outras palavras: cuide de sua vida!
Os
lábios de Nelda se abriram e se fecharam sem emitir nem um som.
— Bem! — ela exclamou, por fim. — Estou indo embora. Não vou
ficar aqui para ser insultada por essa... essa... essa garota!
Emily
estava pronta para avançar, mas Willian segurou-a pelo braço e sussurrou-lhe.
— Vá para seu quarto.
— Mas, Willian...
— Por favor.
Detestando
ter de recuar, ela virou-se com tanta graciosidade quanto podia e começou a voltar
para os aposentos. Antes de entrar, olhou para trás e viu Nelda andando, apressada,
na direção dos elevadores enquanto sua irmã se desculpava de maneira confusa
com Willian.
Muito
irritada para sentar-se, Emily ficou caminhando de um lado para o outro até que
ele apareceu.
— Lembre-me de nunca deixá-la zangada — ele comentou ao
fechar a porta e antes de guiá-la até o leito. — Por um minuto tive medo de que
precisasse prestar cuidados médicos a Nelda. Cheguei até mesmo a imaginar você
tentando esganá-la.
O humor
dele ajudou a diminuir a indignação de Emily, que sorriu.
— Tudo que eu precisava era de um bate-boca com uma esnobe
como aquela!
Willian
ficou sério.
— Obrigado por me defender, mas não era
necessário.
— Sim, era. A mulher queria destruí-lo,
e eu não podia permitir que isso acontecesse.
Willian
sentou-se na beira da cama e passou os dedos entre os cabelos, parecendo
frustrado.
— Ela não estava inteiramente errada.
— Will... — Emily segurou a mão enorme
a seu alcance. — Se quiser falar sobre isso, eu ouvirei. Mas seja lá o que
tenha acontecido quando você era um garoto, não me interessa. O que interessa é
o hoje, é o que conta.
Por
alguns momentos Willian encarou-a em silêncio, como se analisasse o que fazer.
Enfim, assentiu.
— Como já disse antes, não fui o tipo de menino que a maioria
dos pais gostaria de ter como filho. Meu pai abandonou nossa família quando eu
tinha cinco anos, e minha mãe precisou trabalhar em três lugares ao mesmo tempo
para conseguir dinheiro para as despesas da casa. Por conta disso, fui crescendo
sem a supervisão de um adulto, e acabei tendo alguns problemas na escola. Para
ser franco, acabei me envolvendo com a lei... Nada importante, mas cada policial
da cidade sabia meu nome.
Willian
fez uma pausa. Quando tornou a falar, seu olhar parecia perdido na distância.
— Foi
então que mamãe começou a trabalhar como faxineira na residência de um dos antigos
médicos da comunidade, Abe Tarnell. Eu ia para lá à noite, para ajudá-la, e
numa ocasião Abe me apanhou estudando um livro de anatomia e fisiologia. Como
percebeu que eu estava interessado em medicina resolveu me "adotar".
O homem até mesmo me ajudou a conseguir serviço em um armazém local. Mais uma
vez Willian fez uma pausa, como se precisasse tomar fôlego.
— O
proprietário tinha contratado outro garoto, Owen, além de mim, para fazer
entregas e coisas do tipo. Tudo ia muito bem até que o sr. Hogan começou a dar
pela falta de dinheiro na caixa registradora. Já que Owen vinha de uma família
de classe média, bem posicionada, o sr. Hogan concluiu que eu era o ladrão, e
chamou a polícia.
— Mas
você não tinha feito nada errado.
Ele meneou a cabeça.
— Abe
me defendeu, mas perdi o emprego. Mais tarde, o sr. Hogan acabou pegando Owen
em flagrante e também o demitiu.
— Mas
o dano já havia sido feito.
— Sim.
Agora você conhece os detalhes sórdidos de minha vida.
Mais que isso. Emily passou a compreender a preocupação de Willian em evitar boatos. Também
compreendia por que ele pretendia se juntar ao tipo de pessoa que o desprezara:
queria provar seu valor. Tendo uma mulher como Celine, sua tarefa seria muito mais fácil. Mas agora
precisaria se contentar com a segunda opção. Aquele era um pensamento
sombrio.
Considerando
tudo aquilo, poderia ela convencê-lo de que alguém tão comum quanto a pobre
Emily Chandler era a mulher certa? De alguma forma, duvidava disso.
— Estava
falando sério quando afirmou que eu era seu noivo, Emily?
Ela
evitou encará-lo, ainda incapaz de admitir a verdade.
— Foi
tudo o que consegui imaginar no momento, Will. Diga-me, ia me contar sobre a
conversa com meu tio?
Willian
achou melhor ignorar a súbita mudança de assunto, e não fez nenhum comentário.
— Bert vai desistir do processo de guarda de Kevin se nos
casarmos.
— Já tinha imaginado que essa seria a
condição.
— Não está irritada?
— Como disse, não foi surpresa.
— E tem mais: Bert não vai mais
interferir no destino de Kevin.
Emily
riu, com desdém.
— Por
quanto tempo?
— Para
sempre. Ou então, até que Kevin peça sua ajuda.
O coração de Emily disparou. Fazia muito tempo que esperava
pelo dia em que Bert os deixaria em paz.
— Não
brinque, Will.
— Foi
o que ele disse. — Willian fez uma pausa estudada antes de continuar: — De
qualquer forma, fez uma exigência.
A
alegria de Emily se desvaneceu. Ela deveria saber. Bert nunca abriria mão de
uma vantagem. Na certa, fizera alguma imposição impossível de ser cumprida.
— E qual foi?
— Nosso casamento tem que acontecer no
máximo em seis semanas.
— Só
isso?
Willian assentiu.
— E
até lá Bert planeja ficar muito próximo de tudo o que acontecer com sua
família.
— Depois,
vai nos deixar em paz... — ela repetiu para si mesma, como se esperasse uma
confirmação.
— Sim.
Emily
considerou seu próximo movimento. Depois de descobrir como os sonhos de
Willian estavam intimamente ligados a seu passado, não se sentiria confortável
se não lhe desse pelo menos uma oportunidade de escolher.
— Devemos concordar com o limite de
tempo, Will? Ele arqueou uma sobrancelhas.
— Você tem mais alguma idéia?
— Não. Achei que você poderia ter
pensado em algo.
— Por quê?
— Caso tivesse mudado de idéia...
— Como assim?
— Se me lembro bem, você me sugeriu um
casamento temporário.
— Acreditei que isso a ajudaria a
sentir que continuava a manter algum controle sobre si.
A
expressão de Emily denotava que ela estava acompanhando o raciocínio de
Willian.
— E agora?
— Nós dois continuaremos mantendo o
controle. Mesmo que concordemos com esse arranjo, e no futuro decidamos nos
separar, haverá apenas uma maneira de terminar com o compromisso.
Embora
não tivesse sido pronunciada, a palavra "divórcio" pairou acima de
suas cabeças.
— Creio
que devemos dar a nós mesmos pelo menos um ano, antes de qualquer decisão,
Emily. Estaríamos sendo injustos conosco,
com o bebê e com Kevin se não fizéssemos isso.
Um ano.
Trezentos e sessenta e cinco dias talvez fossem suficientes para que Willian descobrisse que não poderia viver sem
ela... ou pelo menos para Emily tentar convencê-lo.
— Aceito.
Outra
questão permanecia sem resposta.
— E
nós vamos ter um casamento de verdade?
— Existe
algum outro tipo?
Emily engoliu em seco.
— Não
sabia se você esperava mais do que uma relação para manter as aparências.
Willian
segurou seu queixo, forçando Emily a encará-lo.
— Vamos
ter nosso filho em seis meses. Seria absurdo se nos evitássemos. — Deixando
escapar um suspiro, Willian fez menção de sorrir, antes de prosseguir: — Além
disso, minha casa terá apenas cinco quartos: um para nós, outro para Kevin, o
terceiro para sua avó, o quarto para o bebê, e o último para meu escritório.
Emily
forçou-se a sorrir.
— Então,
é melhor nos apressarmos com os planos da cerimônia.
As
semanas seguintes passaram-se em meio a um turbilhão de atividades. As
notícias sobre a gravidez de Emily e o casamento iminente circularam logo por
todo hospital, e ela já se acostumara a receber congratulações.
Várias
mulheres, algumas das quais alimentavam suas próprias esperanças em relação a
Willian, faziam comentários. Mas, em geral, a maioria se mostrava muito feliz
por Emily.
Embora
se sentisse muito melhor à medida que a gravidez progredia, Emily também se
cansava com mais facilidade. Para piorar tudo, depois de cuidar de suas tarefas
no hospital, passava o restante do tempo organizando os detalhes para a
discreta cerimônia que planejavam.
Como
era muito difícil agendar um salão para recepção em tão curto período, Emily
conseguiu convencer Willian a receber os convidados na nova residência. Sob sua
supervisão e ajuda, Kevin e Ellen trocaram os papéis de parede da sala de
estar e de todos os outros aposentos do andar inferior, enquanto Willian
ajudava sempre que podia.
Porém,
ao se aproximar a data do enlace, as inseguranças que Emily sentira no
princípio ficavam mais fortes. Em seus sonhos, teria preferido se Willian
tivesse dito que queria casar-se porque não podia viver sem ela. A realidade,
no entanto, era diferente.
Com
muita frequência, perguntava-se se poderia mesmo convencê-lo de que era a
pessoa adequada para ele. De qualquer forma, não voltaria atrás com sua
palavra. Concordara em casar-se para assegurar o futuro de Kevin e do bebê, e
não pretendia mudar de idéia.
Embora
Emily estivesse contente com o fato de a rotina agitada não permitir que refletisse
muito, seu ritmo cotidiano estava ficando cada vez mais extenuante. A chegada
de uma nova enfermeira aumentou suas expectativas de ter um pouco de alívio.
Entretanto, alguns desentendimentos com a jovem a fizeram mudar de opinião.
— Achei
que havia explicado o quanto é importante seguir a lista de procedimentos passo
a passo antes de dar alta para um paciente, Jacqueline.
— Eu chequei, Emily. —A jovem ajeitou
os cabelos loiros.
— Sendo assim, como pode ter se
esquecido de dar à sra. Lytle a dose de RH imunoglobulina antes de liberá-la?
— Imaginei que você iria cuidar da
injeção.
Emily
mordiscou o lábio. Como membro mais antigo da equipe, era dela a
responsabilidade de checar o trabalho da nova integrante da unidade.
— Não. Disse que você devia ir até o
banco de sangue apanhar a medicação.
— Pensei que você ia fazer isso.
— Não, eu não ia. Jacqueline deu de
ombros.
— É sua palavra contra a minha.
Daquela
vez, Emily quase rangeu os dentes. Jacqueline estava certa. Contudo, não seria
fácil lidar com aquela situação. A moça era uma enfermeira registrada, e
assinara o termo de responsabilidade cientificando-se de todos os procedimentos
que precediam uma alta. Porém, Emily fora orientada a acompanhar Jacqueline na
unidade, e era responsável pelo treinamento da jovem.
O
diretor de obstetrícia decerto não levaria em consideração a pesada carga de
trabalho de Emily, e reportaria o incidente como um erro profissional. Que
complicação...
Nas
últimas vinte e quatro horas, aliás, Jacqueline demonstrara um verdadeiro
talento para fazer o menor esforço possível. Do ponto de vista de Emily, aquele
episódio em particular prenunciava uma série de incidentes desagradáveis à
frente. A nova funcionária parecia mais interessada em sua manicure e em estar
livre quando os jovens médicos faziam sua ronda do que em cuidar de seus
pacientes.
— Ligue
para a sra. Lytle e peça que ela retorne assim que possível, Jacqueline. E
importante que ela receba sua RH imunoglobulina até setenta e duas horas depois
do parto. Não preciso relembrá-la das sérias complicações que isso pode causar
para os futuros filhos dela. Sem mencionar a possibilidade de uma ação
judicial.
Jacqueline
suspirou.
— Sim.
Qual é o número de telefone dela?
Mais uma vez, Emily teve de se esforçar para manter calma.
— Cheque
na ficha de admissão. Depois de contatá-la, e avise. Estarei com a sra.
Sanders.
Cruzando
os dedos para que a jovem fizesse tudo direito, Emily foi até o quarto de Nina
Sanders.
— Como
está?
O rosto
de Nina brilhava por causa da transpiração.
— Nada
bem. — Levou a mão ao ventre.
Nina
estava no sexto mês de sua primeira gravidez, e Emily desconfiava que Willian
iria indicar sulfato de magnésio para deter suas contrações, sobretudo porque
não havia nenhum sinal de dilatação. Mesmo assim, algo sobre aquele caso não
parecia muito certo.
— Estamos
esperando pelo resultado do laboratório, e o dr. Patton está a caminho. — Emily
tentava manter a sra. Sanders e o marido calmos.
Mais
uma vez, ela checou os sinais vitais, notando que a temperatura de Nina não
baixara.
"Apresse-se,
Will..."
Como se
seus desejos o tivessem materializado, Willian entrou no quarto naquele exato
momento.
— Diga-me
o que está acontecendo.
Nina assentiu.
— Comecei a sentir dores, mas não sei
se são contrações, porque são muito constantes.
— Trata-se de dores localizadas ou você
pode senti-las por todo o abdome?
A
mulher indicou seu lado direito.
— Dói
aqui, doutor... mas ainda mais aqui.
Willian,
pensativo, olhou para o monitor que Emily posicionara ao lado do leito e tirou
a pulsação da paciente.
— Parece que está tudo bem com o bebê,
Nina. Nina fechou os olhos por um breve instante.
— Isso é bom, não é?
— Claro
— Willian disse com firmeza, colocando um par de luvas de látex.
Depois
de fazer um exame rápido, ele tirou as luvas e procurou pela ficha médica.
— Os resultados dos exames já saíram,
Emily?
— Vou ver se já colocaram no escaninho.
Emily
apressou-se e acabou encontrando o relatório recém-chegado na bandeja da
impressora da sala das enfermeiras. Então, voltou depressa ao quarto.
Antes
de entregar os resultados a Willian, notou a elevada taxa de glóbulos brancos
indicada nos testes.
Willian,
por sua vez, estudou os relatórios por minutos antes de falar qualquer coisa.
— Não acho que esteja em trabalho de
parto, Nina. Ela fitou o ventre.
— Sendo assim, por que está doendo?
— Você pode estar com apendicite.
— Apendicite?
— Isso acontece — Willian murmurou. —
Vou providenciar uma laparotomia.
— E quanto ao bebê?
— Tanto você quanto a criança ficarão
bem. Temos um excelente anestesista.
Daquela
vez foi o sr. Sanders que interveio:
— Você disse que pode ser que
ela tenha apendicite. Não tem certeza?
— Não — Willian admitiu, com
honestidade. — Às vezes é muito complicado diagnosticar uma apendicite, e a gravidez
torna tudo ainda mais difícil. De qualquer forma, a taxa de mortalidade de
mulheres grávidas com o apêndice supurado é muito alta. Por isso, preferimos
arriscar uma cirurgia.
O homem empalideceu, e concordou com a decisão de Willian.
Os
próximos trinta minutos passaram rápidos, enquanto a sra. Sanders era preparada
e encaminhada para a unidade cirúrgica. Quando tudo já estava pronto, Emily
deixou a tarefa a cargo da enfermeira de plantão e voltou para procurar
Jacqueline.
— Localizou
a sra. Lytle?
Jacqueline
encarou-a ajeitando os cabelos mais uma vez.
— Ela está a caminho, e não parece
muito feliz com isso. Disse a ela que pode falar com você quando chegar aqui.
— Ótimo! Eu me entendo com ela. Nesse
meio tempo, por favor, preencha o relatório de qualidade relatando o incidente.
— Isso é necessário? Quero dizer... a
mulher está voltando, e vai receber seu medicamento. Por que complicar as
coisas? Não aconteceu nada ruim.
Mais
uma vez, Emily se esforçou para manter a fleuma.
— Notificar
o departamento de qualidade sobre erros médicos é o procedimento padrão.
Tivemos sorte de perceber o equívoco antes que algo mais grave tivesse
acontecido. Lembre-se disso.
Jacqueline
revirou os olhos desgostosa.
— Ainda não acho que isso seja
necessário.
— Não importa o que você acha. Apenas
faça — Emily ordenou.
Na meia
hora seguinte, a sra. Sanders foi para o centro de recuperação após a remoção
de seu apêndice, e outra jovem mãe foi admitida em trabalho de parto.
Quando
Emily estava se perguntando se deveria ligar de novo, o casal Lytle chegou.
Depois de soltar um suspiro aliviado, ela desculpou-se pela inconveniência e
conduziu-os até a enfermaria para aplicar a medicação.
Depois
que Molly chegou para substituí-la, Emily ainda teve de participar de uma reunião sobre infecções hospitalares, e, quando retornou, encontrou Willian e Jacqueline
discutindo.
— Oh,
aí está você! — a nova enfermeira esboçou um sorriso falso. — Eu vi o dr.
Patton e achei que seria melhor explicar o problema que você teve com a sra.
Lytle.
Emily
ergueu as sobrancelhas.
— O
medicamento já foi administrado, e agora nós duas vamos preencher o relatório
de qualidade sobre o incidente.
O tom
glacial de Willian pegou-a de surpresa:
— Espero que sim. E acho que não preciso lembrar o quanto seu erro poderia ter custado para os
futuros filhos dela.
— Não,
você não precisa. — Emily olhou pára Jacqueline, procurando apoio. — Você não
explicou o que houve?
Jacqueline limitou-se a dar de ombros numa atitude inocente.
— Sinto muito. Tentei explicar que você
estava muito ocupada, e a sra. Lytle tinha pressa de sair. Eu devia ter
questionado o lapso, já que havia assinado o prontuário de alta. Mas sendo nova
na casa...
— Não deixe isso tornar a acontecer,
Emily — Willian pediu, como se considerasse que a culpa era dela.
Emily enfiou
as mãos nos bolsos e cerrou os pulsos. Foi necessário um grande esforço para
conter a língua. Dadas as circunstâncias extenuantes, concluiu que estava mesmo
em uma situação delicada.
— Não
se preocupe, doutor.
No
instante seguinte à partida do médico, confrontou Jacqueline:
— Por que não contou a verdade a ele?
— Eu contei.
— Não tenho tempo para fiscalizar cada
movimento que fizer, mas acredite: estou de
olho em você. E se não puder arcar com suas responsabilidades não vai ficar
aqui por muito tempo.
— Não me ameace, Emily. Meu pai é o
administrador do hospital. Posso garantir
que ficarei no cargo mais do que você.
Dizendo
aquilo, a moça se afastou, deixando Emily furiosa, tanto com ela como com
Willian.
Quando
o viu de novo, vinte minutos mais tarde, sua raiva não havia diminuído.
Emily
estava na sala das enfermeiras, trabalhando no computador, quando Willian
entrou e sentou-se a seu lado.
— Você está irritada.
— Que observador!
— Não devia ter levado aquela
advertência para o lado pessoal.
— Pareceu bem pessoal para mim.
— Eu tinha todo o direito de estar
zangado. Minha paciente poderia ter sofrido por causa daquela negligência.
— Eu
sei disso. Também fiquei brava comigo mesma quando descobri o erro.
— Então por que está assim?
— Porque você preferiu aceitar a
palavra de uma desconhecida, com quem nunca trabalhou antes, em vez da minha.
O mínimo que poderia ter feito era me deixar explicar.
Willian
ajeitou-se na cadeira, cruzando os braços.
— Certo.
Então, explique.
Emily
voltou-se para a tela do computador.
— Estou
ocupada.
De
soslaio, notou que Willian permanecia imóvel como uma estátua, parecendo
disposto a esperar até que ela conseguisse recuperar o autocontrole. A pressão
daquele silêncio a fez falar outra vez:
— Eu
até explicaria, mas agora meus argumentos iriam parecer meras desculpas, uma
vez que Jacqueline já deu a versão dela. Mesmo assim, lá vai... Sim, toda a
confusão foi minha culpa por deixar Jacqueline sozinha enquanto eu cuidava da
sra. Sanders, e por julgar que ela seria capaz de trabalhar sozinha. Mas o que
me feriu mesmo foi sua atitude. Pelo menos poderia ter me dado o benefício da
dúvida.
A
pulsação de Emily estava acelerada quando ela terminou seu pequeno discurso.
— Eu
não imaginava...
— Mas
deveria, Will! Emily respirou fundo.
— Não
tornarei a fazer isso.
O
comentário dele não era uma desculpa clássica, mas Emily desconfiava que era o
mais próximo disso a que Willian poderia chegar. Já era experiente o bastante
para saber que poucos homens eram capazes de dizer aquelas duas palavrinhas:
"sinto muito".
Willian
se inclinou para sussurrar-lhe ao ouvido:
— Vamos
fazer as pazes?
Sua
expressão de arrependimento conseguiu fazer Emily sorrir.
— Muito
bom, Emily!
Como
muitas pessoas estavam ao redor, Willian despediu-se com discrição, batendo de
leve no braço de Emily.
Dali em
diante, Emily passou a tratar Jacqueline de forma polida, mas distante. Sempre
gostara de ter consigo as outras colegas da unidade, por isso achava aquele
tipo de comportamento desconcertante.
Caminhando
para o estacionamento com Molly, ao final de seu turno, uma semana depois,
sentiu necessidade de externar como estava frustrada diante da situação.
— Apenas ignore-a, Emily. Pelo que
reparei, a garota está louca para ir logo trabalhar como assistente no escritório
de um dos médicos. Se não estou enganada, creio que vai deixar nossa unidade
por pastos mais verdejantes muito antes do que imaginamos.
— Acho que sim.
— Esqueça toda essa história e
concentre-se em seu casamento. Está tudo certo para amanhã?
Confortada
pela amiga, Emily assentiu.
— Acha que estou fazendo a coisa certa,
escolhendo uma cerimônia simples e convidando apenas nossos amigos mais
íntimos, Molly?
— Para mim, foi uma idéia maravilhosa.
Casamentos suntuosos estão fora de moda.
— Sim, mas não
consigo deixar de imaginar que Willian vai comparar nossa pequena recepção com
o acontecimento social brilhante
que teria se fosse Celine a entrar na igreja, e não eu.
— Vocês não cuidaram de tudo juntos?
— Sim.
— Então não pense bobagem. Se Willian
quisesse o evento que você descreveu, teria lhe dito.
Emily
passou a mão sobre o ventre.
— Talvez devêssemos ter esperado até
depois que a criança nascesse. Estou ficando gorda.
— Tolice, Emily.
E, com aquele vestido que você escolheu, sua barriguinha nem vai ser notada.
— Para ser franca, Molly, não estou preocupada
com o casamento, e sim com o que virá depois.
A amiga
achou que era hora de fazer uma brincadeira:
— Ah,
a cena no quarto de dormir... Olhe, Emi, Willian não vai notar. E, se notar...
Ora, bolas, é o bebê dele! — Sorriu. — Se quer que eu seja franca, acho que os
homens até acham isso muito sexy.
Sentindo
o rosto queimar de embaraço, Emily deu um tapinha amistoso na amiga.
— Molly!
— Acredite em mim, querida. Tudo vai
funcionar perfeitamente.
Aquilo
foi o que Emily disse a si mesma ao entrar na capela do hospital, no dia
seguinte, usando um vestido branco simples e com os cabelos presos num arranjo
com pérolas e flores do campo. Tudo estava mudando, e apenas o tempo diria se
seria para melhor.
Ao
chegar ao altar, olhou para o homem a seu lado, e seu coração acelerou.
Vestindo um elegante fraque cinzento, com um botão de rosa vermelho na lapela,
Willian mais parecia um astro de cinema.
Quando
Willian colocou a aliança de ouro no dedo anular da mão esquerda de Emily,
notou que ela tremia muito.
Emily
fitou de relance a avó e o irmão, que estavam juntos, bem próximos. Usando um
belo modelo azul-celeste, que combinava com seus cabelos grisalhos, Ellen
sorria de orelha a orelha. Kevin trajava um smoking que Willian o
ajudara a escolher, e parecia muito orgulhoso por ter entregado, como
padrinho, a irmã ao noivo.
Emily
voltou a concentrar-se na cerimônia. Tinha a impressão de que seu peito
poderia explodir, incapaz de conter tanta felicidade. Não podia negar seus
sentimentos, ou controlá-los. Amava Willian Patton.
O
pastor sorriu.
— Agora
você pode beijar a noiva.
A
cabeça de Willian inclinou-se ao mesmo tempo que Emily ergueu de leve a sua, e
seus lábios se encontraram em um beijo casto. Para compensar a diferença de
altura, Emily teve de ficar na ponta dos pés por alguns segundos antes de se
afastar, e então os convidados aplaudiram.
Aquele
que agora era seu marido estendeu o braço com elegância.
— Podemos
ir, sra. Patton?
— Claro.
Houve
um flash de luz, e Emily reconheceu um fotógrafo profissional andando no
corredor lateral.
— Eu não o chamei — ela sussurrou.
— Fui eu.
Emily
diminuiu os passos, virando-se para encará-lo com um sorriso surpreso.
— Por quê? O namorado de Molly
concordou em tirar nossos retratos.
— Agora vamos ter recordações dobradas.
Não se preocupe. Seu único trabalho hoje é sorrir e parecer maravilhosa, como
está fazendo neste momento.
Willian
guiou-a até a limusine branca estacionada próximo à entrada dos médicos. Emily
tornou a parar, ignorando o cortejo que os seguia naquela tarde ensolarada de abril.
— Uma limusine, Will?
— Imaginei que seria apropriado.
Gostou?
— Nem fale!
O
motorista uniformizado adiantou-se e abriu a porta. Willian ajudou-a a entrar,
e logo em seguida acomodou-se também no assento de couro branco.
Emily
observava todos os detalhes do veículo, parecendo querer memorizar cada um
deles.
— O
que achou, Emily?
— Isso
é maravilhoso, mas não era necessário. Willian achou graça, e passou o braço ao
redor de Emily.
— Se
um casamento não é uma ocasião perfeita para passear em grande estilo, eu não
sei qual é.
Emily
deixou a cabeça repousar no ombro másculo, tocada demais para dizer algo além
de:
— Obrigada...
— Não precisa agradecer. Agora, relaxe
e aproveite a vista.
— Não vamos para casa? — ela perguntou,
notando que se dirigiam para os arredores da cidade.
— Mais tarde. Iremos dar tempo para
nossos convidados chegarem lá antes.
Determinada
a desfrutar cada momento, Emily alternava-se entre abraçar Willian e revirar-se
de um lado para o outro, explorando o interior do veículo. Examinou os
carpetes, apertou os botões da televisão e
do vídeo, abriu a porta do pequeno refrigerador e quase engasgou de
surpresa quando fez baixar a barreira à prova de som que os separava do chofer.
— Está
se divertindo?
Emily riu.
— Isto
é ótimo, Will! Tinha mesmo ouvido dizer que era um luxo, mas nunca pensei que
fosse experimentar por mim mesma. Muito obrigada de novo.
Num
impulso, beijou-o. Então, Willian aproveitou o ensejo para puxá-la para junto
de si.
Embriagada
pelo aroma do perfume másculo e pela sensualidade das carícias dele, Emily
sentiu um estranho calor começando a manifestar-se por todo seu corpo.
A voz modulada do chofer soou através do intercomunicador:
— Devo
dar mais uma volta pela cidade?
Emily
afastou-se, envergonhada como uma criança sendo pega no meio de uma travessura.
Apesar
de os olhos de Willian estarem faiscando de desejo, ele deixou escapar um longo
suspiro de frustração.
— É
melhor nos juntarmos a nossos convidados. — Sussurrou ao ouvido dela: — Vamos
guardar todo esse entusiasmo para mais tarde...
Logo
que chegaram à residência, encontraram a rua repleta de carros estacionados.
Molly e várias das outras enfermeiras haviam decorado a entrada do jardim com
um pórtico e laços brancos.
Emily
saiu da limusine com alguma dificuldade por causa do vestido.
— Não
corra. — Willian estendeu-lhe o braço.
Lá
dentro, os convidados já haviam se espalhado, reunindo-se em pequenos grupos e
bebendo ponche ou refrigerantes, de acordo com a preferência.
Ao
entrar na sala de estar, Emily não pôde conter uma ponta de orgulho ao
deparar-se com o resultado do próprio esforço e da ajuda de sua avó. Um bufê
caro não teria feito melhor. Porém, o mais importante era que ninguém poderia
classificar a mulher de Willian como um desastre social.
Depois
de cumprimentar vários convidados, ela foi até a cozinha e verificou que o
balcão estava carregado de bandejas com vários tipos de canapés e tortas, que
tinham sido preparados por Ellen e Jacinta Lopez, uma das companheiras de
Ellen no clube de bridge.
— Algum problema, Jacinta?
— Nenhum, Emily. Tudo está correndo às
mil maravilhosas. Ellen já veio me perguntar a mesma coisa. Agora vá e
aproveite. Deixe que eu e minhas irmãs nos encarreguemos de tudo.
— Estou indo, estou indo! Você já viu
Kevin?
— Ele
foi até o jardim dos fundos alguns minutos atrás.
Emily se aproximou da janela. Viu Kevin, já com a gravata desatada
e o primeiro botão da camisa desabotoado, ao lado de dois rapazes vestidos com
jeans e camisas esporte. Digger, o cão de
Willian, brincava ao redor deles, parecendo deliciado.
— Diga
ao dr. Patton que já é hora de cortar o bolo, Emily — Jacinta instruiu. — Pode
deixar que eu chamo Kevin.
Não demorou muito para Emily encontrar o marido. Quando Kevin, Ellen,
Molly, os companheiros de Willian e suas esposas, além de outros amigos do hospital, foram
reunidos, a voz grave do dr. Moore ergueu-se acima do burburinho:
— Um
brinde ao feliz casal!
As
garrafas de champanhe passaram pelos convivas, até que todos segurassem uma
taça. Mais uma vez, o dr. Moore aquietou a multidão:
— Para
nosso mais novo colega e sua linda mulher. Que vocês tenham uma vida longa e
cheia de alegrias.
O homem
mal terminara seu brinde quando um ruído grave foi ouvido por todos. Antes que pudesse haver qualquer reação, vinte
quilos de uma penugem dourada apareceram correndo, colidindo direto com a mesa central. A tigela de ponche virou, espalhando
seu conteúdo pela toalha de linho branco, e taças foram atiradas ao chão em
ambos os lados da mesa.
Mas não
foi esse o incidente que mais chamou a atenção de Emily. Ela observou,
horrorizada, quando a parte superior de seu lindíssimo bolo de noiva de dois
andares espatifou-se no assoalho,
transformando-se numa massa de creme disforme.
CAPÍTULO VIII
Willian quebrou o silêncio
atordoante: — Kevin!
|
— Não
tive culpa! — Kevin pulara com agilidade para a frente, agarrando o animal pela
cauda. — Juro que não. Digger estava lá fora, eu mesmo o levei.
— Tire-o daqui — Willian mandou. Kevin
obedeceu.
— Vamos, Digger. Cachorro malvado!
Emily
olhou para a miniatura plástica de um casal de noivos, que jazia no meio da massa do bolo destruído. Mortificada, não
conseguia erguer a cabeça para encarar os convidados.
Ellen,
Molly e Jacinta juntaram-se para reparar o dano da melhor forma possível.
— Nós
temos muito bolo ainda, por isso, não se preocupe — Ellen tranqüilizou-a, com
gentileza. — Foi uma boa idéia fazermos uma quantidade extra.
Emily
fez que sim, embora se sentisse atuando em um filme mudo. Trabalhara duro para
fazer daquele um dia perfeito, e o maior dos imprevistos, um cão, arruinara
tudo.
— Fique
quieta — Molly instruiu-a. — Não queremos que manche seu lindo vestido com
ponche. Sorria. O mundo não acabou.
Enfim,
Emily conseguiu encarar as pessoas. Os homens pareciam espantados, e as
mulheres ostentavam expressões simpáticas. Na verdade, o maior desejo dela era
desaparecer dali, ou deixar as lágrimas que queimavam seus olhos caírem à
vontade. Mas recusava-se a embaraçar Willian. Assim, esforçou-se para esboçar
um sorriso.
— Casamentos
devem ser ocasiões memoráveis. Aposto que nenhum de vocês vai esquecer o nosso.
Aquele
comentário conseguiu deixar o ambiente mais leve. A esposa de um dos outros
médicos, uma senhora elegante, de meia-idade, avançou, abraçando-a.
— Oh,
querida... Cada cerimônia a que compareci sempre teve alguma pequena confusão.
É assim que as coisas acontecem.
Bem,
era difícil para Emily considerar a demolição promovida por Digger como uma
"pequena confusão". De qualquer forma, precisava tanto de conforto
que não ousou corrigir a mulher.
A
esposa do dr. Moore juntou-se às duas:
— É
verdade. Isso me faz lembrar quando Maybelle e Frank celebraram suas bodas de
ouro...
Emily
não acompanhou a narrativa, mas ficou muito aliviada ao se dar conta de que
todos tinham voltado a conversar.
Observou
ao redor procurando por Willian, e descobriu que ele desaparecera. Enquanto
caminhava pela casa a sua procura, mais alguns convidados a abordaram com
frases de encorajamento. Quando conseguiu se ver livre de todos, Willian já
voltara a juntar-se a ela.
— Onde
esteve, Will?
— Lá
fora.
Fitou-o,
espantada. Willian a teria deixado sozinha de propósito para arcar com aquele
desastre?
— Não
me diga!
— Sim.
Kevin e eu solucionamos o mistério de como Digger conseguiu abrir a porta e
entrar.
— É
mesmo? O que aconteceu?
Ellen aproximou-se, apressada.
— Acho
que devemos ir em frente e servir logo o bolo. Tudo bem para vocês?
— Ótimo
— Emily concordou, lançando em seguida um olhar questionador ao marido.
Willian
enlaçou-a.
— É
uma longa história, querida. Explicarei tudo depois.
A tarde
passou rápida, sem outros incidentes. Logo depois que o último convidado foi
embora; Emily e sua família vestiram roupas confortáveis e começaram a colocar
a casa em ordem de novo.
Willian
recolhia copos e bandejas sujos, limpando as marcas deixadas nas superfícies
dos móveis do living e da sala de jantar.
— Por
que parece que convidamos mais de vinte e cinco pessoas?
Emily
riu ao colocar a louça numa bacia larga.
— Porque convidamos, Will. Deve haver
uns cinquenta copos e pratos, e pelo menos o dobro disso de garfos e colheres
para lavar.
— Devíamos ter usado tudo descartável.
— Willian esboçou um sorriso desanimado.
— Sim,
mas então não teria sido tão fantástico.
Lavar tudo aquilo era um preço pequeno a se pagar pelo toque
de classe que as peças emprestaram à ocasião.
— Ainda
bem que pensei em contratar ajuda extra. — Ele se adiantou para pegar a bandeja
que Emily estava prestes a erguer. — Deixe isso comigo. É muito pesado para
você.
A
atitude gentil a agradou. Será que Willian acreditava mesmo que sua condição
lhe daria privilégios especiais no hospital? Carregar alguns pratos não era
nada comparado a seu serviço.
A
campainha soou, fazendo-a recordar o comentário que Willian fizera poucos
instantes antes.
— Que ajuda extra?
— Devem ser eles. Volto num instante.
Enquanto
Willian levava sua carga para a cozinha, Emily foi até a porta, encontrando
dois garotos da idade de Kevin à espera. Saudou-os com afeto, mas confusa.
O mais
loiro dos dois era também mais alto e magro.
— O
dr. Patton mandou que estivéssemos aqui às seis da tarde — ele disse.
Consultando
de relance o relógio de parede que ficava no hall, Emily sorriu para os dois.
— Chegaram
bem na hora. Entrem.
Antes que Emily pudesse se virar, Willian, da cozinha, disse:
— Que
bom que vieram, rapazes! Tudo já está pronto para vocês.
Emily
achou que não tinha ouvido direito.
—Eles vão...
—Lavar, secar e empacotar toda a louça
— Willian confirmou. — Judd e Eric farão um bom trabalho, tenho certeza disso.
Um
sorriso forçado curvou os lábios dela. Não tinha tanta fé na qualidade do
serviço daqueles dois quanto Willian, mas, como ele já os conduzia para dentro,
teve de conter seu comentário até o marido voltar, minutos depois.
—Judd e Eric, Will? Como fez para
conseguir ajuda deles?
—Simples. Eu os ameacei.
—Você o quê?
Willian
abriu o sorriso mais lindo do que nunca, agora que pusera jeans e camiseta.
— Aqueles
garotos soltaram o cachorro e fizeram-no entrar na casa, e então foram ver o
que acontecia. Mas Kevin os avistou na janela. E desnecessário lembrar a
confusão que causaram. Para resumir, agora os dois terão de pagar seus pecados
sob a supervisão de Jacinta.
— Espero que não decidam despejar tanta animosidade nos
pratos. Terei de devolvê-los intactos para a empresa de aluguel. Com um abraço confortador, Willian
tentou acalmá-la:
— Fique tranquila. Se quebrarem alguma
coisa, pagarão cada centavo. —Ao dizer
aquilo, olhou ao redor. — Deveríamos ter usado a lanchonete do hospital.
A confusão seria menor.
— Claro que não! — Emily não conseguia
imaginar a elegante Celine recepcionando convidados num lugar tão sem graça. —
O marido de Jacinta estará aqui em instantes para levar as cadeiras extras de
volta para o salão da igreja. Tudo o que precisaremos fazer é limpar o piso, e
então a casa estará pronta para receber o restante da mobília, na
segunda-feira.
Tinham
feito a mudança trazendo as coisas de Willian dias antes, bem como algumas
peças de estimação que Emily herdara da mãe. Como desejavam ter espaço
suficiente para a recepção, decidiram esperar para trazer o resto depois.
Na
véspera, Emily desempacotara seus pertences pessoais, colocando-os no
guarda-roupa de Willian com extrema satisfação. Mesmo assim, era estranho ver
seus trajes ao lado dos dele. A idéia de dormir ao lado do marido naquela cama
enorme era apavorante.
— Tem certeza de que não quer ir até Dallas, para passarmos a noite de núpcias em um daqueles
hotéis luxuosos, Emily?
— Só se você quiser, Will, mas, se
ficarmos aqui, não vamos perder todo aquele tempo de estrada.
— Já foi privada de um namoro regular,
querida. Não queria que perdesse isso também.
— E se eu pedisse uma semana no Havaí,
ou em algum outro lugar exótico? Você ia correr atrás disso no último minuto? —
ela brincou.
— Se é isso o que quer...
Emily
não podia se imaginar em um paraíso de recém-casados, observando outros casais
felizes ao redor. Enquanto Willian não correspondesse a seu amor, não estaria
pronta para aquele tipo de viagem, que sempre a faria se lembrar do que faltava
em seu relacionamento. Porém, uma vez que o convencesse de que não era nenhuma diva
intocável, e sim a mulher de sua vida, então ficaria mais do que satisfeita
por acompanhá-lo a qualquer lugar do mundo.
— Aprecio sua oferta, Will, mas
gostaria muito de ficar aqui a sós com você. — Ao pensar na liberdade que experimentariam
nos próximos dias, seu rosto chegou a ruborizar. — Quando Kevin e vovó se
mudarem, não teremos muitos momentos de privacidade.
— Não fique tão certa. Percebi que
Ellen tem um medo mortal de que sua presença nos atrapalhe. Por que mais ela
teria refutado tanto a idéia de mudar-se para cá?
— Obrigada por convencê-la de que
achamos sua companhia muito importante.
— E essa é a verdade. Adoro sua avó.
— E ela também gosta muito de você.
Willian sorriu.
— Ellen é uma
mulher esperta. Posso entendê-la muito bem.
— Está insinuando
algo? — Emily perguntou com suspeita. O sorriso de Willian alargou-se.
— Não. Acontece que Ellen vê as coisas
da mesma maneira que eu.
— Bem, sr. Bola de Cristal, tudo o que
estou vendo agora é uma residência imunda. É melhor nos apressarmos, ou essa
limpeza vai durar para sempre.
— Não... não vai mesmo.
Algo na
entonação dele deixou Emily curiosa, forçando-a a encará-lo.
— Não?
Willian
meneou a cabeça. Seus olhos faiscavam, demonstrando uma emoção que ela queria
acreditar que fosse paixão.
— O
que não for feito nas próximas duas horas vai ter de esperar, meu anjo.
O
misterioso comentário deixou-a confusa.
— É
verdade, Will? Tem mais alguma coisa planejada?
Depois de estudá-la com extrema malícia, Willian inclinou-se
para a frente sem dizer uma palavra, beijando-a nos lábios, e então saiu para o
jardim, para ajudar o marido de Jacinta a carregar as cadeiras para o caminhão.
Não demorou muito para que todas as evidências da recepção desaparecessem.
As únicas coisas deixadas para trás foram os arranjos florais, espalhados pelos
quatro cantos, além da pilha de presentes, que havia sido colocada na sala de estar.
Quando
se viram sozinhos, Emily se virou para Willian e percebeu que ele a observava
com atenção.
— Você
parece exausta.
— Pode
apostar que estou. — Ela sentou-se pesadamente no sofá.
— Por
que não sobe e vai relaxar um pouco na cama?
— São
apenas oito horas, Will.
— É
nesse horário que você costuma tirar uma soneca.
— Sim, mas...
— "Mas" nada. Enquanto
repousa, vou assistir a um pouco de televisão.
— Isso não me parece uma lua-de-mel
muito excitante.
— Teremos todo o final de semana, meu
bem. Depois de tudo o que aconteceu com Digger, não posso acreditar que queira
mais excitação.
Emily
mexeu nos cabelos, exasperada.
— Entendeu
o que eu quis dizer, Will.
—Você
vai precisar guardar toda sua energia para amanhã. Com a curiosidade aguçada, Emily não resistiu à indagação:
— O que vai acontecer amanhã?
— É uma surpresa. Agora, vá.
— Estou indo — murmurou, amuada.
Contudo,
no instante em que colocou os pés no quarto, sua exaustão desapareceu. Devagar,
Emily retirou as flores e pérolas dos cabelos e começou a livrar-se dos grampos
que o cabeleireiro usara para fazer o arranjo. Não parou até que a cabeleira
estivesse solta sobre os ombros.
Em vez
de se deitar, ajeitou os travesseiros no leito para sentar-se com as pernas
cruzadas, e ligou a tevê.
Willian
chegou ao dormitório alguns minutos depois.
— Pensei que iria encontrá-la dormindo.
— Acho que estou excitada demais. —
Emily apontou o controle remoto para o aparelho e começou a trocar de canal. —
Droga, os programas são todos reprises! Ou então, mostram assuntos que não
interessam.
Willian
descalçou os tênis e estendeu-se ao lado dela.
— Tente
o rádio.
Em
pouco tempo, os acordes suaves de uma estação que tocava música orquestrada
preencheram o ambiente.
— Muito
melhor, não acha?
Emily assentiu. Indicando
com a mão o lugar ao lado dele, Willian murmurou:
— Venha
cá.
Não foi
necessário outro convite. Emily se deitou, e Willian fez com que apoiasse a
cabeça em seu ombro.
— Você cuidou de tudo muito bem hoje,
Emily. Devo admitir que tinha minhas dúvidas de que a recepção pudesse
funcionar, sobretudo aqui.
— Ora, mas que
homem de pouca fé! — zombou, deixando a mão repousar no peito másculo. — Achava mesmo que eu não
poderia cuidar de um evento formal?
— Sabia que era capaz, querida.
Acontece que pensei que a residência seria muito pequena. Mas você cuidou de
tudo muitíssimo bem.
O
elogio encheu Emily de orgulho. Esforçara-se muito para provar que podia ser
uma boa anfitriã, e conseguira.
— Kevin e aqueles garotos parecem estar
se entendendo, Will.
— Sim, eles passaram do estágio em que
só se toleravam, e agora estão até mesmo discutindo sobre seus times prediletos
de beisebol. Creio que devemos ter esperanças.
Antes
que Emily pudesse dizer qualquer coisa, um riso grave preencheu todo o
ambiente.
— O que há de tão engraçado, Will?
— Espero que o fotógrafo tenha
registrado o momento exato em que Digger invadiu a festa, voando como uma bala
de canhão.
— Ah, ele o fez,
pode estar certo! — Emily confirmou, recordando o constrangimento de toda a cena. Um instante depois,
porém, um sorriso curvou-lhe os lábios. — Se bem que tenho de admitir que foi
muito engraçado. Sei que sempre acontece algo de errado nesses eventos... E
como um tipo de tradição, acho. Porém, nunca, nem em meus sonhos mais loucos,
imaginaria um animal invadindo nossa recepção.
— Nem eu.
Emily
apoiou-se em um dos cotovelos.
— Por falar em sonhos, conte-me os
seus. Willian virou-se para encará-la.
— Sonhos ou objetivos?
— Ambos. Existe alguma diferença?
— Evidente.
Quando menino, sonhava em ser um astronauta, mas isso nunca foi uma meta a
alcançar. Gosto de poder respirar sem recorrer a uma atmosfera artificial. Para
mim, esse risco parece maior do que as recompensas.
Emily
imaginou se o fato de na infância Willian ter precisado ser auto-suficiente
tinha influenciado essa decisão. Tendo de cuidar de si mesmo enquanto a mãe
trabalhava, era compreensível a necessidade de escolher alguma atividade mais
palpável.
— Foi
por isso que me tornei médico.
Ela
brincava com um botão da camiseta, sentindo o calor daquele corpo forte.
— E
agora que já é um brilhante profissional?
Com um
gesto delicado, Willian ajeitou os cabelos dela.
— Em
primeiro lugar, gostaria de ver o centro de obstetrícia concluído.
— Acho
que é um pouco de megalomania chamar nossa ala de maternidade de um
"centro de obstetrícia". Sobretudo porque temos apenas duas salas de
parto, e o resto não passa de quartos comuns.
— Certo.
Entretanto, não existe nenhuma razão que impeça nosso hospital de transformar-se
em um centro de referência. Acreditei que podia fazer a diferença quando vim
para Crossbow, mas as coisas estão caminhando tão devagar...
— Tenha paciência, Will. É sempre muito
difícil conseguir dinheiro. Pena que não possamos criar um tipo de fundo para
nosso centro. Quem sabe pudéssemos fazer as coisas à moda do antigo Texas e
organizar alguns churrascos com dança e música?
— É
uma boa sugestão, Emily. Vou sugerir ao comitê.
Ela conteve um bocejo.
— Então,
além de modernizar nosso hospital, com o que mais sonha?
— Também
gostaria de estar ao lado de estudantes de medicina num programa de
treinamento. Guiar um estudante para a área certa é um desafio. E uma escolha
crítica em nossa profissão.
Emily
achou graça. Willian tinha assumido o papel de mentor com muita facilidade.
Seria brilhante como preceptor de jovens médicos.
— E
pretendo fazer o mesmo com meus filhos.
O uso
do plural não passou despercebido a Emily.
— Quantos
pretende ter?
— Uma
dúzia, acho.
— O
quê? Willian gargalhou.
— Enganei
você! Dois ou três estará de bom tamanho.
— Garotos
ou garotas?
— Isso
não importa. Durante minha carreira, já vi várias pacientes que insistiam em
ficar grávidas porque queriam um menino, por exemplo, para completar a família.
Estou mais interessado na saúde deles do que em seu sexo. E quanto a seus
sonhos?
— A obstetrícia sempre foi minha área
favorita da medicina. — Emily afagou o ventre. — Por isso fiquei tão excitada
quando consegui uma posição nessa unidade. Algum dia gostaria de continuar
meus estudos e me especializar em partos, mas, por enquanto, isso vai ter de
esperar. Pelo menos até que Kevin e o bebê tenham crescido.
— Você se incomoda por precisar
aguardar? — Willian colocou a mão sobre a dela.
— Sem dúvida. — Emily procurava
esconder quantas sensações maravilhosas eram provocadas por aquele toque. —
Gosto de me sentir gratificada em minha profissão, como qualquer pessoa.
Emily podia até se incomodar com a demora, mas não pelo principal motivo que a causava.
Afinal de contas, embora desejasse uma carreira, queria muito aquela criança
de Willian.
Ele,
aos poucos, subiu os dedos para a curva do seio de Emily.
— Gratificação profissional... E se ela
vier assim, bem devagar? — Willian desabotoou a blusa de Emily, revelando uma
pele suave e perfeita.
— Estará tudo bem para mim...
Willian
rolou para fora da cama para se despir. Esquecendo sua timidez, ela também
tirou a calça de lycra, antes que o marido voltasse a se deitar.
Instantes depois, os dois trocavam carícias ardentes.
— Você
é linda! — Willian beijou-a no pescoço e na nuca.
O fogo parecia brotar do interior de Emily, à medida que os
dedos poderosos afagavam sua tez nua.
— Você
também, Will.
Logo
depois do primeiro beijo, a verdade tornou-se clara como cristal. Na noite do
baile de Natal, Emily e Willian tinham agido por causa de necessidades não
satisfeitas. No entanto, nessa ocasião, procuraram um ao outro apenas por causa
do amor.
Willian
interceptou Tina quando ela colocava uma ficha médica de um paciente em um
escaninho ao lado da sala de exames.
— Pode me entregar isso. Tina sorriu,
obedecendo-o.
— Está apressado hoje?
— Sim. Emily quer encontrar um berço
esta tarde. Era o dia de folga dela, e como Willian só tinha pacientes marcados
para o período da manhã, resolvera usar o tempo livre para começar a mobiliar o
quarto do bebê.
— Então já estão acostumados à rotina
da vida de casados, dr. Patton?
— Mais ou menos, Tina. — Por um
momento, ele pensou nas atividades da semana anterior com certa melancolia.
Depois
da viagem surpresa de lua-de-mel para um hotel em Las Vegas, tinham passado os
dias seguintes pintando os dormitórios e ajeitando a casa antes que Kevin,
Ellen e o restante da mobília fossem levados para lá. Aquela seria a primeira
vez em que todos dormiriam sob o mesmo teto.
— Bem, divirtam-se e façam muitas compras.
Existem coisas lindas para bebês em vários e bons lugares. — Tina girou sobre
os calcanhares, e de repente parou. — Oh, ia me esquecendo! Emily ligou e pediu
para você ligar para ela assim que pudesse.
— Farei isso, muito obrigado.
Willian
consultou o relógio de pulso e decidiu telefonar antes da consulta com o casal
Fairchild. Assim que o telefone completou seu primeiro toque, ela atendeu.
— Deve
estar sentada ao lado do telefone — ele brincou.
Emily não respondeu à brincadeira, deixando-o um tanto preocupado.
— A
dra. Hathaway quer que nos encontremos com ela em seu escritório assim que for
possível, Will.
— E
falou por quê?
— E
algo a respeito de meu exame de sangue. — Emily fez uma pausa. — Há algo errado
com o bebê.
CAPÍTULO IX
— Estou a caminho — Willian avisou,
tenso.
— Estarei
pronta. — Emily lutava contra o pavor, ao colocar o fone no gancho.
Desde
que a dra. Hathaway ligara, sentia que estava à beira da histeria. Falar com
Willian fizera com que se sentisse um pouco melhor, pois sabia que ele a
ajudaria naquele tipo de coisa. Entretanto, cada pequeno problema de gestação
que conhecera em seus anos de trabalho veio-lhe à memória.
Quinze
minutos depois, o carro de Willian estacionou na frente da casa. Mas antes
mesmo que ele tivesse freado por completo Emily já estava correndo em sua
direção.
— Diga-me
o que Susan lhe disse — Willian pediu assim que Emily entrou e colocou o cinto
de segurança.
— Não
foi muito. Apenas solicitou que eu fosse a seu consultório no primeiro horário
livre para discutir o resultado de meus exames. — Engoliu com dificuldade, pois
sentia a garganta seca. — A dra. Hathaway não iria me alarmar se o resultado
desses testes fosse normal, não é mesmo?
O
silêncio momentâneo de Willian quase servia como uma resposta.
— Até
que ouçamos o que Susan tem a dizer, estaremos tentando adivinhar, só isso.
Emily
respirou fundo.
— Você
está certo. Numa ocasião dessas, minha experiência profissional é um
tormento... Eu sei demais.
Willian
tocou os dedos dela, tranquilizando-a.
— Vamos nos informar antes de tirar
qualquer conclusão precipitada.
— Certo. — Emily se esforçou para
sorrir.
O casal
entrou na ala clínica do hospital, dirigindo-se ao consultório da dra.
Hathaway. Emily assinou o registro antes de se sentar em uma cadeira ao lado
de Willian, tentando não notar o grande número de mulheres grávidas e mães com
seus bebês nos braços, aguardando sua vez.
— De
qualquer forma, lembra que eu havia mencionado sua idéia de organizar um comitê de fundos para Greg Olivier?
— Sim. — Emily apreciava aquele esforço
de Willian para distrair sua atenção.
— Greg esteve sondando algumas pessoas
nos últimos dias. Depois de ter ouvido comentários positivos, quer montar um
grupo para dar andamento.
Excitada
pela novidade, Emily apertou a mão do marido.
— Que maravilha!
— Vai levar algum tempo para organizar
os detalhes, mas acho que dará para organizarmos um evento que coincida com o
Dia da Independência.
— Isso nos dá várias semanas, Will. Não
é muito, admito, mas, se
concentrarmos esforços, poderemos fazer que aconteça.
— Também creio nisso.
— O excesso de trabalho tem demonstrado
que nosso espaço é insuficiente. Por isso acho que a maioria da equipe nos
apoiará.
Antes
que Willian pudesse responder, a enfermeira da dra. Hathaway chamou por Emily.
Ela levantou-se com o pulso acelerado.
Susan
entrou na sala de exames logo depois que a enfermeira saiu, e sua expressão
era solene.
— Estou feliz que tenha vindo também,
Will.
— O que está acontecendo, Susan?
O medo
que Emily tinha tentado controlar desde que recebera o telefonema da médica
dominou-a por completo.
Seu
olhar não parava de alternar-se entre Willian e Susan, como se estivesse se
preparando para o pior.
— Cerca
de dez dias atrás fizemos uma bateria de exames de rotina, e os resultados
chegaram ontem. — A doutora olhou para Emily e para o envelope que segurava. —
Incomoda-se se ele vir isto?
Emily
fez que não. A médica entregou o relatório, e Willian começou a analisá-lo.
— Diga
o que há, doutora.
— Sua alfa-fetoproteína é elevada,
Emily. Isso pode significar...
— Eu sei o que pode significar.
O nenê
poderia apresentar defeitos neurológicos, deformidade neurotubal, anencefalia
e outros problemas. Já vira crianças naquelas condições, e seu coração
enchera-se de dor por causa dos pais. Não era possível que estivesse acontecendo
com ela.
— Precisamos fazer um ultra-som anatômico
completo.
— Você não fez nenhum ultra-som antes,
Susan? — Willian a fitou com dureza.
A
médica meneou a cabeça.
— Como
Emily pôde determinar a data exata da concepção, não vi necessidade de fazer
isso antes. Agora não teremos outra escolha.
Willian
tentou falar, mas Susan impediu-o.
— Nosso
técnico de ultra-sonografia vem a meu consultório toda sexta-feira. Vocês podem
esperá-lo por alguns dias ou devo mandá-los até ele hoje mesmo?
Os
olhares de Willian e Emily se encontraram.
— Não sou muito boa quando se trata de
esperar.
— Iremos — ele decidiu.
— Providenciarei os detalhes. Embora a
família de Emily não apresente um histórico a esse respeito, sua profissão a
coloca em alto risco, por isso devemos cobrir todas as possibilidades.
Emily
recordava ter lido estatísticas mostrando como enfermeiras pediátricas e de
quimioterapia corriam maior perigo de apresentar tal distúrbio do que a maioria
das pessoas.
— Depois
dos resultados, terão pouco tempo para decidir se vão querer interromper a gravidez ou não — Susan advertiu.
O instinto maternal de Emily entrava em conflito com seu julgamento
profissional, mas ela preferia evitar pensar naquilo.
— Algo
mais pode causar uma alta taxa de alfa-fetoproteína, doutora?
Foi
Willian quem respondeu:
— Hemorragia fetal, por exemplo... ou gêmeos. Existe algum histórico de múltiplos nascimentos
entre seus familiares?
— Não. — Emily jamais imaginara estar esperando gêmeos. Mas, considerando as opções, até que
era uma possibilidade agradável.
— Vamos
cuidar de uma coisa de cada vez. — Susan estendeu o estetoscópio para Willian.
— Já que perdeu a consulta do último mês, gostaria de ter a honra de ouvir os
batimentos?
Willian não precisou de um segundo convite. Num instante, colocou o aparelho nos ouvidos,
pressionando a outra ponta na região
abdominal do diafragma. Um sorriso surgiu em seus lábios ao ouvir o familiar
som das batidas do coração do bebê.
Um
instante depois, devolveu o estetoscópio para Susan com certa relutância.
— É
diferente quando o filho é seu, não é? — A médica sorriu.
Willian
assentiu.
— Tudo
bem, então. Emily, enquanto telefono, comece a beber água.
Menos
de uma hora depois, a técnica espalhou o gel sobre o ventre de Emily, começando
o exame. Embora soubesse que era infrutífero, seus pensamentos concentravam-se
no desapontamento que Willian sentiria se o teste revelasse uma deformidade.
Ele já desistira do tipo de mulher que desejava por causa da criança.
Willian
permaneceu ao lado dela, cheio de carinho, enquanto a técnica fazia seu
serviço.
Desejando
ver-se livre de qualquer preocupação, Emily se virava a cada instante para o
monitor, tentando identificar as estruturas fetais, a cabeça, os braços, as
mãos. Mas esse esforço não parecia fazer efeito.
A
pressão dos dedos de Willian sobre seu pulso aumentou. O olhar dele estava fixo
na imagem cinzenta e granulada. De repente, ele inclinou-se para a frente,
tenso.
— O que você está procurando, Will?
— Sinais. Como você sabe, a pista para
se identificar defeitos neurotubais pode ser uma espinha aberta. Outras pistas
são uma cabeça com circunferência em forma de limão, ou um cerebelo longo.
A
ultra-sonografia mediu a cabeça do feto com marcas computadorizadas. Por fim,
desligou o equipamento e começou a limpar o gel do abdome de Emily.
— Terminou — ela disse, num tom neutro.
— Você encontrou alguma coisa? — Emily
demonstrava toda sua angústia, rezando para que a atitude despreocupada da
jovem fosse um bom sinal.
— Bem... As
proporções do bebê parecem estar nos padrões.
— Isso
quer dizer que ele está bem, Will?
Ele fez um gesto vago.
— Ainda não podemos dizer com certeza.
Muito embora essa notícia seja muito encorajadora.
— E o que vem a seguir? — Emily
indagou.
— Vamos ter de fazer uma análise do
líquido amniótico.
— Isso
nos dará o diagnóstico final?
Willian suspirou.
— Uma taxa normal de alfa-fetoproteína
no líquido amniótico é um bom sinal. Já níveis elevados podem confirmar má
deformação.
— Quer dizer que, nesse caso,
precisaremos nos preparar para ter uma criança deficiente... — Emily esperou
pela reação de Willian, que permaneceu com uma expressão límpida e impenetrável
como uma estátua.
— Não
necessariamente. Mesmo que o resultado seja positivo, há uma margem de erro de
dez por cento.
Os
ombros de Emily ficaram mais tensos, ao preparar-se para a resposta de Willian
para a próxima questão:
— E o
que vamos fazer?
"Por
favor, Will, não sugira um aborto."
— Isso
depende de quanta sorte acha que tem.
Ela
lembrava-se de um comentário que o marido fizera certa vez: "Uma pessoa
faz sua própria sorte". Sem dúvida nenhuma, Willian não era do tipo que
gostava de deixar as coisas acontecerem ao acaso.
— O
que você gostaria de fazer, Emily?
— Quero
esperar que o bebê nasça, Will.
— Se ele ou ela
tiver algum defeito, não será fácil para você.
— Eu sei.
— Só queria ter certeza de que você
compreende as consequências.
— Claro que sim. Porém, vamos fazer os
exames primeiro, e depois decidimos.
— Está bem.
Na
semana seguinte, os exames mais detalhados foram realizados, e Willian esteve
sempre ao lado de Emily, terno e amoroso.
Emily
voltou ao trabalho, determinada a não atormentar-se mais até a próxima
consulta. Para isso, contou com a ajuda do fluxo ininterrupto do hospital.
Quando
voltou ao consultório da dra. Hathaway, Willian mais uma vez estava presente.
— Esperava que a
taxa de alfa-fetoproteína estivesse normal.
— Eu também. — As mãos de Emily tremiam
muito, e seu desapontamento era óbvio.
— Entretanto, isso não aconteceu.
Contudo, como o ultra-som não revelou nenhuma anormalidade, há uma chance de
tudo estar bem com a criança.
— Mas não podemos ter certeza, Susan.
— Não saberemos até que o bebê nasça,
Will. Enquanto isso, vocês devem se preparar para o pior. Se quiserem, faremos
outra ultra-sonografia.
— Não
— Emily cortou-a. — Não pretendo passar os próximos três meses procurando por
problemas. E, mesmo que aparecesse alguma anormalidade, seria tarde demais para
tomar uma atitude.
Willian
espantou-se com a veemência de sua mulher. Por alguns minutos, um pesado
silêncio os envolveu.
— Se é assim que você se sente...
— É sim, Will.
Willian
encarou Susan Hathaway, sem conseguir esconder sua apreensão.
— Você
a ouviu.
Os
olhos da médica se estreitaram.
— Parece
justo.
Algumas
semanas se passaram. Emily e Willian voltaram à rotina. O único problema era o
comportamento de Willian, cada vez mais arredio. Desde que haviam saído da
consulta da dra. Hathaway, ele se recusava a comentar sobre a possibilidade de
o bebê vir a apresentar anomalia, e mudava de assunto sempre que Emily tentava
conversar.
Como se
comprometera a chefiar o comitê para angariar fundos para o hospital, usava
aquilo como desculpa para trabalhar horas a fio, primeiro em seu consultório,
depois com a organização de um grande jantar beneficente.
Jacqueline
Olivier também fazia parte do comitê, graças a seu grande "traquejo
social", e observá-la ao lado de Willian dia após dia não era nem um pouco
agradável para Emily.
A
mulher fazia questão de provocar Emily, contando como era estimulante o serviço
com Willian, e descrevendo os grandes planos que faziam para o banquete.
Emily,
muito ocupada para fazer parte da organização, limitava-se a ver Jacqueline
ganhar a fama por uma idéia que fora dela.
Porém,
o pior era pensar que o comportamento de Willian na verdade podia ocultar o
fato de ele estar questionando seu casamento.
O marido talvez estivesse ponderando se valia mesmo a pena manter um relacionamento tão
complicado, comparando sua mulher
com aquela jovem loira sofisticada e poderosa.
E Emily
sabia que, se fosse esse o jogo, estava em franca desvantagem. Jamais poderia competir
com uma moça que parecia ser a materialização dos sonhos de Willian.
CAPÍTULO X
O tempo
parecia passar cada vez mais depressa, e
Emily logo atingiu o sétimo mês de gestação. As coisas entre ela e
Willian não haviam mudado, mas Emily esperava que, após a realização do
banquete, na noite seguinte, tudo voltasse ao normal. Enquanto isso, também
usava o trabalho para fugir de suas preocupações.
— Qual
é o quadro?
Emily
encarou Bernie, um dos enfermeiros da emergência, com muita seriedade,
enquanto ele ajudava Willian e Molly a empurrar a maca para fora do elevador,
dirigindo-a para a sala de parto.
— Uma
mulher com deficiência mental, aparentemente sem histórico de cuidados
pré-natais. Ela apareceu na emergência sem entender por que estava com dores
terríveis na barriga. Sua bolsa se rompeu, mas não conseguimos ouvir nenhuma
pulsação.
— Meu Deus! — Emily exclamou.
— Boa sorte. Vocês vão precisar.
— Obrigada, Bernie. Alguém encontrou um
membro da família?
Bernie
meneou a cabeça.
— Chamamos
a assistente social, Emily, e ela está tentando localizar o namorado. Espero
que ele esteja em condições psicológicas melhores do que Ramona, embora tenha minhas
dúvidas.
Depois
de dizer isso, o homem saiu pela porta, para voltar à rotina estressante de seu
setor.
Um grito
vindo da cama, seguido pela voz de Willian em tom confortador, despertou a
atenção de Emily, fazendo-a correr em seu auxílio. Willian, todavia, tinha
outras idéias.
— Você não devia
estar aqui, Emily. A criança já está morta. Emily deu de ombros.
— Não há mais ninguém.
As
feições sérias de Willian revelavam seu aborrecimento. Mesmo assim, ele
assentiu.
— Ramona,
Emily é uma de nossas enfermeiras, e será sua amiga enquanto estiver aqui.
A moça
lançou um olhar assustado a Emily, e então voltou a chorar baixinho.
— Vamos
colocar um monitor — Willian planejou.
Molly lhe entregou os equipamentos, e, enquanto Emily encorajava
Ramona, Willian posicionou o eletrodo no alto da cabeça do bebê.
Todos
os olhares focalizaram a tela do monitor.
— Devemos fazer uma cesariana, doutor?
— Não, Molly. E tarde demais.
Uma
tristeza imensa fez o peito de Emily se apertar. Tomou a mão livre de Ramona
nas suas e apertou-a bastante. Embora fosse desnecessário, deveria ficar ali
prestando apoio moral à moça. O restante da equipe se concentrava na rotina
médica.
— Apenas
relaxe, Ramona, e empurre quando sentir seu estômago se contrair — Emily
instruiu.
Os
olhos da moça pareciam sem vida, demonstrando que estava espantadíssima com as
mudanças em seu corpo. De qualquer forma, obedeceu as instruções de Emily, pelo
menos até que o nenê fosse mencionado mais uma vez.
— Um bebê?
Como uma criança foi parar em mim? Não comi semente de melancia...
Emily
conteve um suspiro, imaginando como poderia responder àquela pergunta sem
nexo. Encarou Willian, que também não sabia o que dizer.
Naquele
instante, outra contração fez com que Ramona esquecesse a dúvida.
— Faça
isso parar! — ela gritou, contorcendo-se. — Quero ir para casa!
As duas
enfermeiras tiveram de fazer certo esforço para segurar a garota.
— Ramona,
fique deitada. Não poderemos fazer nada a respeito da dor se você não cooperar.
Ramona
ignorou Willian. Sua angústia lhe dava uma força sobre-humana.
Willian
deixou escapar um suspiro e se dirigiu a ela com rapidez:
— Não
importa quem seja, Emily, mas traga outra pessoa para ajudar, e vamos levar
Ramona para a sala de parto.
Jacqueline
colocou a cabeça na fresta da porta naquele mesmo instante.
— Está
tudo sob controle? — perguntou, num tom muito doce.
— Que
bom que está aqui! Preciso que ajude Emily agora.
Jacqueline
pareceu surpresa, como se jamais tivesse podido imaginar a possibilidade de
Willian aceitar sua oferta. De qualquer forma, entrou na sala com relutância,
ajudando a transferir Ramona para uma maca.
Mais
uma vez, Emily quis saber se a sofisticada Jacqueline se sujeitava a trabalhar
naqueles casos dramáticos apenas para poder se aproximar de algum médico rico.
Os
trinta minutos seguintes foram tensos. Com o grupo já instalado na sala de parto,
Molly e Willian concentravam-se na tarefa de remover a criança, enquanto Emily
e uma ineficiente Jacqueline tentavam estimular a jovem Ramona a colaborar.
Logo
que o pequeno corpo surgiu nas mãos de Willian, Emily apressou-se a ajudá-lo,
deixando Jacqueline para consolar Ramona.
— Não pudemos fazer nada. — Willian entregou a natimorta.
O cordão umbilical havia se enrolado em
torno do pescoço, e,
pelo estado da pele, a criança devia ter morrido vários dias antes.
Emily
perguntava-se se aquele parto poderia ter sido diferente se a mãe tivesse recebido
cuidados pré-natais. Bloqueando a própria melancolia diante da necessidade de
ser objetiva, envolveu a pequena no cobertor e limpou-lhe as faces antes de
aproximar-se de Ramona.
— Gostaria
de vê-la?
Ramona
lançou à filha um olhar desinteressado, sem fazer nenhuma menção de aceitar
segurá-la. Depois de um breve momento, virou a cabeça e fixou-se na parede
vazia.
Aquilo
era de cortar o coração. Que triste pensar que nem mesmo a própria mãe
pranteava aquele bebê...
Lágrimas
amargas queimavam os olhos de Emily quando virou-se para colocar a menina na
estufa. Tudo aquilo a fez pensar em como seria com seu filho.
— Emily, você está bem?
— Sim, claro, Will.
Ramona
repousava em silêncio na mesa, muito mais cooperativa, já que a dor havia
diminuído.
Antes
que Willian tivesse terminado o pós-operatório, Molly sussurrou para Emily:
— Irei
para o berçário.
Emily
sabia que a amiga se referia à desagradável ocupação de cuidar da natimorta.
Mas, por mais difícil que fosse, queria fazer aquilo sozinha.
— Não,
Molly, eu cuidarei do bebê.
— Pelo
menos deixe que eu o leve até lá embaixo, Emily.
Sabendo que "lá embaixo" era o necrotério, Emily
assentiu.
Quando
Molly e Jacqueline se puseram a levar Ramona para um quarto particular, Emily
apanhou o nenê e lavou-o com carinho maternal.
Terminado
o serviço, saiu para o corredor pronta para entregar a menina a Molly. Foi
então que viu Willian ao lado do balcão da sala das enfermeiras, com o
semblante fechado e os ombros curvados pela fadiga.
Antes,
porém, que Emily pudesse chamar sua atenção, viu que Jacqueline se aproximava
pelo corredor, indo direto até ele e segurando seu braço.
— Aquilo
foi terrível, dr. Patton. Não achei que pudesse suportar...
Emily
observava horrorizada a rival chorar no peito de seu marido, insinuando o corpo
para a frente, de maneira óbvia.
Willian
a fitava com uma expressão estranha, e murmurou algo que Emily não pôde ouvir.
Molly
aproximou-se.
— O
que está acontecendo?
A voz
da amiga tirou Emily do transe. Aquela altura, ir ao necrotério parecia mais fácil
do que ficar observando Willian e Jacqueline juntos.
— Eu...
vou lá para baixo.
O
sorriso desapareceu dos lábios de Molly.
— O
que há de errado?
Emily
indicou a direção de Willian.
— Tenho
de ir. — Ao dizer aquilo, Emily girou nos calcanhares e correu escada abaixo.
Em sua
mente, alternavam-se a raiva e um extremo sofrimento. Por estar grávida,
sentira a dor da perda daquele bebê mais do que qualquer um na sala de parto.
Mesmo assim, Jacqueline conseguira obter a simpatia de Willian criando uma cena
em que fazia o papel de pobre desamparada.
Emily
sempre fora muito boa em se tratando de esconder suas emoções, mostrando-se uma
pessoa forte e capaz. Teria se sentido uma perfeita tola se recorresse às
mesmas táticas de Jacqueline.
De
qualquer forma, não se sentia menos furiosa ao ver que Willian não conseguia
notar as verdadeiras intenções daquela mulher.
O
necrotério estava vazio. Embora conhecesse a rotina de colocar o corpinho no
refrigerador, não podia convencer-se a fazer aquilo.
Evidente
que já desempenhara aquela tarefa várias vezes antes, sempre que fora
necessário. Mas agora, sentindo uma criança crescer dentro de si, não conseguia
fazer o mesmo. A filhinha de Ramona merecia um tratamento melhor e mais digno
na morte do que recebera em vida.
Emily ficou
caminhando de um lado para o outro, esperando que o atendente chegasse. O
tempo ia passando, mas ela se recusava a abandonar seu posto.
Idéias
confusas sucediam-se, e justo quando estava mais fragilizada, olhou para o
corredor e viu a figura alta e máscula de Willian parada na penumbra.
— O que está fazendo aqui, Will?
— Você sumiu, Emily.
A
imagem de Jacqueline abraçando-o ainda estava muito nítida.
— Eu
sei. Estou esperando por Joe.
Willian
limitou-se a apontar para o quadro de pessoal na parede ao lado.
— Terá
de aguardar bastante. O turno dele de hoje já terminou.
Emily olhou para a escala de serviço e depois para a menina, sabendo que seria incapaz de fazer o
que era necessário.
— Você
não deveria estar aqui, Emily.
O tom
gentil do comentário abalou a compostura dela.
— Não
posso deixá-la assim. — Emily, desolada, esperava que seu marido compreendesse
o que lhe passava no íntimo.
— Não conseguirei enfiá-la no refrigerador, como se fosse um
simples pedaço de carne...
Emily
teve que fazer uma pausa para pigarrear e respirar fundo.
Willian
pressionou os lábios, como se estivesse pensando. Um instante depois, ele
falou:
— Volto já.
Daquela
vez, a paciente espera de Emily foi curta, pois, cerca de cinco minutos depois,
Willian retornou, carregando uma bandeja cirúrgica e um cesto. Depois de
colocar tudo sobre uma mesa, estendeu os braços.
Emily
entregou-lhe o bebê e observou-o estendê-lo sobre a bandeja com reverência,
cobrindo-o em seguida com o pequeno cobertor rosado que, decerto, apanhara do
berçário. Em seguida, preencheu com rapidez um cartão de identificação,
colocando ao redor do pulso da menina. Sem dizer nada, Willian abriu um
compartimento de adulto, posicionando a bandeja lá dentro com cuidado, antes
de voltar a fechar a porta.
A
sensibilidade da atitude dele foi tocante, e lágrimas correram pelo rosto de
Emily, dissolvendo toda sua ira.
— Vamos para casa. — Willian enlaçou-a
num abraço. Emily retirou um lenço do bolso e enxugou o pranto.
— Muito obrigada, Will.
— Não há por quê.
Willian
conduziu-a até o hall de elevadores.
— Eu...
não encorajei Jacqueline. — Ele parecia conseguir ler os pensamentos dela.
Emily
não respondeu. Não podia falar que estava tudo certo, porque não estava.
— Mas também não a repeliu.
— Jacqueline me pegou desprevenido.
Estava esperando por você.
Mais
uma vez, o silêncio. Emily estendeu o braço para apertar o botão outra vez.
Willian segurou-a pela mão.
— Prometi ser fiel, Emily, e não vou
voltar atrás em minha palavra.
— Você quer manter fidelidade?
Emily
sabia que Willian era muito íntegro para traí-la, mas a possibilidade de ter um
filho anormal não seria o bastante para afastá-los?
Em
princípio, ele pareceu aturdido com a questão. Então, seus olhos faiscaram.
— Que tipo de pergunta é essa?
— Uma
muito importante, Will.
Naquele
exato momento, o pager de Willian começou a tocar com uma mensagem
urgente vinda do centro cirúrgico. A interrupção, claro, deixou-o bastante
desgostoso.
— Vou
levá-la para casa — ele afirmou, assim que o elevador chegou. — Temos de
conversar.
Emily
apertou o botão do segundo andar assim que entraram, e começaram sua rápida
ascensão.
— Sim,
Will, mas não vou deixar meu carro no estacionamento do hospital a noite toda.
Precisarei dele pela manhã.
As
portas se abriram, e Emily saiu sem se virar, caminhando na direção oposta à
de Willian.
— Vejo
você em casa. — Indo atrás dela, segurou-a pelos ombros.
Emily
conteve um suspiro, evitando encará-lo.
— Espero
que sim.
Entretanto,
a realidade se intrometeu entre os dois, protelando a discussão que Emily
tanto desejava.
A emergência de Willian fez com que ficasse no hospital até a
noite, e, quando ele chegou à residência, mal teve tempo de engolir o jantar que Ellen lhe
preparara antes de apressar-se para ir ao centro de convenções para começar a
organizar a decoração das mesas e do salão para a festa do dia seguinte.
Emily
foi para a cama sozinha, e acordou cedo de manhã, ouvindo o som do chuveiro
ligado. A marca da cabeça de Willian no travesseiro ao lado era evidente, mas
sentia-se desapontada pelo fato de o marido ter se levantado sem acordá-la.
Embora não fosse haver tempo para uma discussão séria, uma simples troca de
palavras de alguns minutos poderia afastar todos os seus temores.
Depois
daquele evento, de qualquer forma, Emily não descansaria até que resolvessem
todos os pontos pendentes do relacionamento.
Confortada
pela decisão tomada, observou Willian, quando ele entrou no quarto, vestindo
seu roupão de banho.
— Não
queria acordá-la — ele disse, enxugando os cabelos escuros com a toalha. — O
trabalho vai começar cedo hoje.
Emily
ergueu a cabeça e aceitou o formal beijo de bom-dia do marido.
— Meu
alarme biológico está funcionando muito bem. Acho que é por causa da gravidez.
Se estiver tudo certo para você, gostaria de acompanhá-lo.
— É
melhor se apressar. Quero partir em uma hora.
Emily tomou uma ducha rápida, vestindo em seguida uma calça
de algodão com lycra e um top para grávidas.
Desceu
a escada e caminhou apressada até a cozinha, a tempo de ouvir a pergunta de
Willian:
— Quer
nos ajudar na decoração? Acho que vamos precisar de auxílio extra.
Quando
Emily se aproximou da mesa, notou que a expressão do irmão era de absoluta
alegria.
— Que
bom! Posso chamar os amigos?
Kevin,
que a cada dia parecia mais seguro de si, vinha desenvolvendo sua capacidade de fazer amizades. Embora ainda
estivesse longe de ser o rapaz mais popular da escola, não usava mais as brigas
como forma de resolver seus conflitos.
— Só se prometerem não fazer bagunça.
— Nós não faremos, Will, eu prometo. —
Kevin dirigiu-se à irmã: — Vai ajudar também?
— Emily ficará supervisionando. —
Willian passava manteiga na torrada. — Apenas mantenha-se longe da escada,
entendeu, Emily?
Ela
encarou-o com desdém.
— Por
acaso está insinuando que não sou tão graciosa ou coordenada quanto antes?
— Que
nada, Emi! — Kevin interveio. — Willian tem medo de que nenhuma escada seja
forte o bastante para aguentar seu peso... — Os lábios do rapaz curvaram-se em um
sorriso malicioso.
Emily
levantou-se, fingindo estar afrontada.
— Só por causa disso, rapaz, é você quem
vai ajudar vovó a lavar os pratos!
— Ora, Emi... Acho
que sou o único garoto nesta cidade que lava pratos. Veja só minhas mãos! Se continuar assim, terei
de usar aquelas loções que aparecem, nos comerciais de tevê.
— Não discuta — Willian falou com um
sorriso que contradizia sua ordem. — Quanto antes você terminar, mais rápido
poderemos ir.
Chegaram
ao centro de convenções pouco antes das nove, mas já havia um pequeno grupo de
empregados do hospital trabalhando. Num piscar de olhos, várias pessoas se aproximaram
de Willian.
— Temos de arrumar mais espaço para
mesas — uma fisioterapeuta avisou. — Não há assentos o bastante para acomodar
todo o mundo.
— Willian — um rapaz da contabilidade
interrompeu-a —, onde quer que coloquemos as faixas e cartazes?
Emily
observou com interesse como Willian lidava com cada questão que lhe faziam.
Nesse meio tempo, uma moça do setor de nutrição perguntou se ela e Molly
poderiam ajudar a encher os balões azuis e brancos.
Enquanto
Emily operava o tanque de gás e Molly enchia e amarrava cada balão, ambas
estudavam a atividade incessante ao redor.
— Não
estou vendo Jacqueline — Emily murmurou.
A nutricionista ouviu o comentário.
— Ela foi a um salão de beleza em
Dallas. Pelo jeito, os cabeleireiros locais não são bons o suficiente para a
nobreza.
— Isso me parece prenúncio de
confusão... — Molly olhou de soslaio para Emily.
— Se quer mesmo saber, Jacqueline não
está fazendo a menor falta. Na verdade, estou feliz que não esteja aqui, pois
sei que terminaremos muito mais rápido sem ela para nos atrapalhar. A garota é
um problema, não me importo em dizer, mesmo sabendo que é a filha do
administrador. Escutem o que digo: no final disso tudo, ainda é capaz de
Jacqueline levar os créditos pelo que fizemos.
A
mulher parou de falar para acompanhar a colocação da faixa de boas-vindas que
ficaria atrás do palco.
— Aí
está, você ouviu... Todos falam o mesmo — Molly comentou. — Sinto-me melhor por
saber que Jacqueline é tão inútil em outras coisas como é com a enfermagem.
Emily
pensou que pelo menos em uma coisa a moça era boa: flertar com seu marido.
Horas
mais tarde, quando o banquete começou, Willian caminhava pelo meio da multidão,
alegre, conversando com várias pessoas com a maior facilidade. Aquele era seu
momento, e Emily estava orgulhosa por poder acompanhá-lo.
Usava o
vestido mais bonito que conseguira encontrar, um modelo creme com delicados
detalhes em renda no decote.
Comparada
com o exuberante figurino de Jacqueline, entretanto, Emily considerava-se um
patinho feio. A jovem usava um ousado vestido vermelho, e seus cabelos estavam
muitíssimo bem penteados. Parecia pronta para dar o bote a qualquer momento.
E ele
não tardou a acontecer, assim que Willian e Emily sentaram-se à mesma mesa que
Jacqueline e seus pais. Jacqueline distribuíra os lugares de forma a poder monopolizar
a atenção de Willian. A Emily só restava conversar com o major Janssen e sua
esposa.
Emily
suportou todas as provocações durante a noite, contando inúmeras vezes até dez
para não explodir. Forçava-se a sorrir, quando sua vontade real era gritar,
ainda mais ao perceber que o marido parecia bastante à vontade conversando com
Jacqueline.
Enfim,
o jantar terminou, e Willian e Jacqueline subiram ao palanque para agradecer a
todas as pessoas que haviam tornado aquele evento possível. Emily concentrou o
olhar em Willian, tão bonito num smoking quanto em seu avental
cirúrgico.
Enquanto
ele contava uma série de piadas ensaiadas, Jacqueline segurava em seu braço de
uma maneira bastante íntima e familiar, o que fez uma ponta de ciúme quase incontrolável
acelerar a pulsação de Emily.
Observar
os dois juntos fez com que percebesse o quanto se enganara. Não era o tipo de
esposa para Willian. Por mais que se esforçasse, Emily Patton pertencia aos
bastidores, e não à ribalta.
Lembrou-se
de todas as vezes em que fora tratada com gentileza e honradez por Willian
Patton, e decidiu que era hora de retribuir. E a melhor forma de fazer aquilo
era deixá-lo livre para encontrar alguém mais conveniente para seu projeto de
vida. Alguém como... Jacqueline.
Por mais
que o amasse, aquela era a coisa certa a fazer.
Quando
outra salva de palmas interrompeu o discurso, Emily afastou a cadeira e
levantou-se.
— Por favor, me desculpem. — E
encaminhou-se à saída.
— O que há de errado? — Molly
interceptou-a.
— Estou indo embora — informou rápido,
para conter as lágrimas.
— Está enjoada? E alguma coisa com o bebê?
Deixe-me chamar Willian...
— Não, Molly, não é a criança, e não
quero Will. Pode me chamar um táxi?
— Mas, Emi, você precisará estar
presente para compartilhar com Willian o grande momento dele.
— Jacqueline está fazendo as honras —
Emily declarou com amargura. — E então, vai me chamar um táxi?
— Está cometendo um erro, querida.
— Não, estou consertando um.
— Do que está falando?
— Esqueça isso. Só me arrume um carro,
sim?
— Para onde irá?
— Para minha antiga casa.
— Acontece que está vazia, Emi!
— Não completamente. E preciso passar
algum tempo sozinha, sem ser incomodada.
Molly
fez um gesto para um dos manobristas, que logo falou no rádio, pedindo um táxi.
— Não faça isso, amiga. Volte para seu
lar.
— Tenho certeza de que estou tomando a
melhor decisão, Molly. Apenas lhe peço um favor: não conte a ninguém para onde
vou.
— Entretanto, e se
algo acontecer com você, ou com o bebê?
— Chamarei
os paramédicos. — Emily sorriu. — Vejo você na segunda-feira.
Caminhando
ao encontro do automóvel, ela não olhou para trás uma vez sequer. Afagando seu
ventre, murmurou:
— Oh,
filhinho! O que vamos fazer agora?
CAPÍTULO XI
A distância, Willian observou Emily
deixar a festa. Embora estivesse sorrindo, parecia estranha, tensa.
A
pergunta que ela lhe fizera na véspera ainda ecoava em sua mente: "Você quer
manter fidelidade?". Ignorara sua vida pessoal por tanto tempo que não
percebera como aquilo podia ter afetado seu casamento.
Quando
a audiência riu de mais uma das piadas de Jacqueline, Willian voltou a perceber
a presença da moça a seu lado, pendurada em seu braço.
A
comparação com Emily foi inevitável, e, no íntimo, ele sentiu-se feliz por ter
se casado com a mulher certa. Precisou se controlar para chegar ao fim da
apresentação sem empurrar para bem longe aquela jovem inconveniente.
Mas,
assim que a cerimônia terminou, Willian deu-lhe as costas e quase pulou do
palanque, caminhando até a mesa.
— Aonde Emily foi? — perguntou à mãe de
Jacqueline.
— Ela não disse. Acho que estava
irritada. — A mulher lançou um olhar de desgosto para a filha.
Jacqueline
insinuou-se mais uma vez, tocando Willian.
— Will,
ela deve estar descansando em algum lugar, e voltará logo. Vamos nos divertir.
Com
toda a calma, Willian se esquivou dela.
— Se
você fizer isso mais uma vez, Jacqueline, não serei responsável pelos meus atos
— avísou-a, frio, sem se importar com a presença dos pais dela.
Jacqueline
encarou-o, espantada.
— Bem...
Willian
ignorou-a e afastou-se, para procurar por Emilv Depois de uma busca
infrutífera, viu Molly, e correu em sua direção.
— Onde
está minha mulher?
— Como assim?
— Vi vocês duas conversando. Aonde ela
foi? Molly afastou-se um pouco.
— Emily
queria ficar sozinha, para poder pensar melhor. Mas você é um tratante, fingindo
estar preocupado com sua mulher depois de deixar aquela... imbecil se insinuar
tanto, sabendo que Emily está tão insegura!
A culpa
forçou-o a se calar.
— Emily nunca disse...
— Claro que não, seu tonto! Se você
tivesse medo de não estar à altura da pessoa que ama não faria o mesmo?
Willian
passou os dedos entre os cabelos. A simples possibilidade de ser abandonado
por Emily o deixava aterrorizado. Como pudera ser tão idiota?
— Para onde Emily foi?
— Não vou lhe dizer. — Molly o fitou,
impassível.
— Ellen sabe? Se eu chegar em casa sem
Emily, Ellen ficará apavorada. Quer ter isso em sua consciência?
Molly
mordiscou o lábio inferior.
— Pelo
menos há um telefone no lugar onde minha mulher está?
— Acho
que sim.
— Pelo
amor de Deus, Molly, ela está no sétimo mês de gestação! E se acontecer algo?
Molly
hesitou.
— Eu
perguntei a mesma coisa, mas Emily não quer vê-lo. Receia se machucar ainda
mais.
— Não
vou magoá-la, Molly... Eu a amo! Por favor, onde Emily está?
Molly
arqueou as sobrancelhas.
— Se
você feri-la, vou tornar sua vida um inferno!
— Nada
do que possa fazer será pior para mim do que viver sem Emily.
— Tudo
bem, eu desisto. Ela foi para sua antiga residência.
Willian esboçou um leve sorriso e beijou Molly no rosto.
— Muito
obrigado! — E correu para o estacionamento logo em seguida.
Quando chegou, Willian viu que todas as luzes estavam apagadas. Bateu na
porta da frente, mas, como esperava, não obteve resposta. Num gesto dominado pela frustração, girou a
maçaneta. Para sua surpresa, Emily não se trancara lá dentro.
Entrou
e acendeu as lâmpadas do hall, caminhando direto para o quarto de dormir.
Estava no corredor quando a porta do quarto foi aberta e Emily, com uma
expressão assustada, apareceu.
— Willian!
— Pareceu incrêdula a princípio, mas logo tornou-se firme. — O que está fazendo
aqui?
Ele
entrou no aposento e apertou o interruptor.
— Ia lhe fazer a mesma pergunta.
— Vim à procura de paz e tranquilidade,
Will.
— E eu porque estava preocupado. Que
maluquice é essa de não trancar a porta? Qualquer um poderia entrar!
Emily
cruzou os braços, encarando-o com uma expressão teimosa. Quisera passar a noite
só para colocar as idéias em ordem, ensaiando o que deveria dizer. Porém, já
que Willian se apressara, falaria tudo o que tinha na cabeça.
— Quero o divórcio. — Emily sentou-se
na cama. Willian acomodou-se a seu lado.
— Nosso primeiro ano ainda não se
acabou.
— Não sou a mulher que você quer, Will.
— Quem disse?
Emily
ergueu as mãos, exasperada.
— Nós não combinamos.
— Discordo.
Tomada
por emoções conflitantes, Emily levantou-se e começou a caminhar de um lado
para o outro.
— Não seja ridículo! Você quer alguém
como Jacqueline, e eu não sou assim. Sou apenas uma moça comum.
— Graças a Deus.
— Nunca serei tão sofisticada, Will.
Gostaria de ser, e até mesmo tentei, mas isso é para gente como o comentário de
Willian, por fim, foi processado por seu cérebro e ela encarou-o, piscando. — O
que disse?
— Estou feliz por você não ser como
Jacqueline. Os olhos de Emily se estreitaram.
— É mesmo? Por quê?
— Porque
ela é egoísta, incapaz de se doar, a não ser que receba algo e troca. Mulheres
sofisticadas como Jacqueline e Celine requerem constante atenção e, para ser honesto,
não me excitam nem um pouco.
Emily
mal acreditava no que ouvia.
— Você,
por outro lado, Emily, é gentil e generosa. Faz tudo ao redor ficar
interessante. E, o que é mais importante: é responsável por minha existência
valer a pena.
Emily
permaneceu calada. Willian olhou no fundo de seus olhos castanhos, apertando as
próprias mãos, bastante nervoso.
— Não
tinha percebido até pouco tempo atrás o quanto eu admirava essas
características, querida.
Emily
assumiu uma expressão desconfiada.
— A mim pareceu que estava gostando
muito da companhia daquela loira oferecida, Will.
— Fiz o que achava certo, mas, depois
que você foi embora, vi que nada mais importava. Sabe por quê? Porque a única
pessoa que eu queria impressionar tinha partido. Foi quase impossível trabalhar
com Jacqueline nesse período todo, mas estava obcecado com a idéia de provar
que era capaz. Por isso tolerei tudo. Entretanto, acabei ferindo você no meio
do processo. Sinto muito.
Emily
sabia o quanto era difícil para Willian se desculpar, e tinha certeza de que
ele estava sendo sincero. Contudo, ainda não estava pronta para jogar toda a
cautela pelos ares.
— É
fácil dizer essas coisas agora que o trabalho do comitê acabou. No entanto, o
que vai acontecer da próxima vez?
Willian
sorriu, melancólico.
— Duvido que existirá uma próxima vez.
Acredito até que vou perder todos os meus privilégios no hospital.
— Por quê?
— Porque mandei Jacqueline me deixar em
paz. Na frente de todos.
Sentindo
os joelhos falsearem por causa da surpresa, Emily cobriu a boca com os dedos.
— Não pode ter feito isso!
— Mas fiz, e, se não acredita, pergunte
aos presentes.
— Por que fez algo tão tolo? Willian
tomou-a nos braços.
— Porque
você significa mais para mim do que fama e fortuna. Tente compreender que quis
tudo isso no passado. Porém, depois que você surgiu, tudo mudou. Sempre foi muito
franca e emocional, Emily, e demorei um pouco para me acostumar a essas
virtudes.
Willian
fez uma pausa.
— Quando
você deixou o banquete, me dei conta, de uma vez por todas, o quanto a quero
comigo. Não Jacqueline, ou Celine. Apenas você.
O
pranto a impedia de falar. Não duvidava dele.
— Will...
— Eu te amo, Emily.
— Você nunca disse... — Ela soluçou. —
Eu pensei... achei que...
— Sempre fui um homem muito fechado. É
difícil, para mim, revelar coisas que significam muito.
— Mas essa é a base de qualquer
relacionamento, Will.
— Sei disso.
Entretanto, também foi por isso que não pude falar mais abertamente sobre o bebê... apesar de não
esquecer o assunto um instante sequer. Acho que foi o que me levou a me dedicar tanto ao serviço do comitê. Era uma
espécie de fuga.
Emily
ficou quieta por um momento. —Acreditei que estava arrependido de termos nos casado,
Will. E com a possibilidade de ter um filho com problemas...
— De jeito nenhum. Nunca me arrependi
de nada. Na verdade, fiquei até mesmo irritado quando Bert obrigou-a a se
casar. Queria que me aceitasse por vontade própria, querida.
— Não fui obrigada, Will. Tomei minha
decisão antes do ultimato de titio, pois já o amava.
— Então por que mencionou a
possibilidade de divórcio após um ano?
— Não queria que você se sentisse
chantageado. Se quisesse partir, estava pronta para deixá-lo livre.
— Sinto muito, garota. — Willian
apertou-a de encontro ao peito. — Serei todo
seu pelos próximos cinquenta anos, ou mais.
— Nem tudo vai correr de acordo com o
planejado, você sabe.
— Certo. Nada em nosso relacionamento
foi assim. Por isso, sei que continuarei a fazer planos, mas conviverei com o
imprevisível, como você faz tão bem. Na verdade, nunca me senti tão vivo antes.
— E quanto a seus sonhos de fama e
poder?
— Pode não acreditar, Emily Patton, mas
você preenche todos os requisitos que eu pretendia encontrar em uma mulher. E,
além disso, tem teimosia e determinação suficientes para temperar todo o resto.
Naquele
momento, o bebê chutou bem no lado do corpo que ela encostava em Willian,
fazendo-o sorrir.
— Viu?
Nosso filho concorda!
Para
total satisfação de Emily, Willian estava certo.
Susan
Hathaway falava com Emily, em um dia ensolarado no final de agosto:
— Não
podemos esperar mais.
As duas
estavam na sala de parto. Emily sentia dores horríveis por causa das
contrações.
— Temos
de esperar, doutora. — Emily cerrou os dentes.
— Willian ainda não chegou.
Então,
Willian apareceu, vestindo seu avental.
— Precisava escolher justo a hora em
que estava fazendo outro parto, meu amor? — Willian piscou, bem-humorado.
— Reclame com o nenê, papai. Como está
a outra mamãe?
— Muito bem, assim como seu garoto.
— Certo, Will, é hora de ser útil —
Susan interrompeu-os.
— Comece a empurrar, Emily.
Ela
respirou fundo quando sentiu a próxima contração. Enquanto isso, Willian
segurava sua mão, estimulando-a.
— A cabeça já saiu! — Mais um empurrão, e já Susan segurava o
pequeno corpo. — Bem, vejam só! Parece que um obstetra também pode se enganar.
Segure sua filha, Will.
Willian
apanhou o bebê.
— Olá, boneca!
Emily
não podia mais suportar o suspense.
— Como é ela?
— Linda, Emi! — A emoção quase o impedia de falar. —
Perfeita, da cabeça aos pés.
— Tem certeza, Will?
Quando
Willian retornou para o lado da cama carregando a menina, ostentava um sorriso
de orelha a orelha.
— Não acredita em mim?
Emily
precisava ver para ter certeza. Esperara muito, e merecia a verdade.
— Quero vê-la.
— Mandona, hein? — Willian brincou,
retirando a coberta que cobria o bebê.
Lágrimas
de alívio e felicidade obscureceram por um instante a visão de Emily.
— Will! Ela é perfeita, mesmo!
Logo,
Willian voltou a cobrir a pequena.
— E pensar que você duvidou de mim! — Ele meneou a cabeça,
zombeteiro. — Ouviu isso, Susan? Não mereço nem um pouco de respeito.
A dra.
Hathaway achou graça.
— Comece a se acostumar com isso, papai. — Susan aproximou-se
e acariciou o rosto da criança. — Que doçura... Já escolheram o nome?
— Ângela Marie — Emily respondeu.
Era uma
mistura dos nomes das mães de ambos. E a expressão de Willian revelava quanto
ele apreciara a escolha.
— Guarde minhas palavras, Emily. Posso apostar que esse
anjinho vai ter o papai na palma da mão.
Por
fim, Willian colocou a filha nos braços de uma impaciente Emily.
— Sim, como a mamãe.
Emily
olhou para Ângela. Tinha um marido fiel e amoroso e uma filha saudável. Sem
mencionar o irmão e a avó maravilhosos, que esperavam lá fora para serem
apresentados.
Ao
contrário do que Willian sempre imaginara um dia, a sorte tinha sorrido para
todos eles.
Fim
Dicas
Por
que meu médico não receita antibióticos quando tenho dor de garganta, resfriado
ou tosse?
Porque
os antibióticos não têm nenhum efeito sobre essas afecções. Apenas enfermidades
causadas por bactérias podem ser curadas com antibióticos. Gripes e resfriados,
assim como muitos problemas de garganta, são provocados por vírus.
O
ano passado precisei tomar antibióticos, e ainda possuo várias cápsulas
guardadas. Posso tomá-las caso volte o mesmo tipo de infecção?
Os
antibióticos devem ser usados exclusivamente sob indicação médica, e sempre
respeitando-se o prazo de
validade.
Tomo
pílulas anticoncepcionais. Se eu precisar de antibióticos, haverá alguma
reação?
A
maioria dos antibióticos não afeta a ação das pílulas anticoncepcionais. Mas a
rifampicina destrói completamente seu efeito, e um outro tipo, a ampicilina, o
diminui. É importante, por isso, avisar o médico quando se toma pílulas. Ele
indicará o medicamento mais adequado.
É
verdade que o álcool destrói o efeito dos antibióticos?
Os
antibióticos podem ser administrados, em sua maioria, sem nenhuma restrição à
ingestão de bebidas alcoólicas. Quando o álcool compromete a ação do medicamento,
isso consta na bula. Convém lembrar, contudo, que os medicamentos
sobrecarregam o funcionamento do fígado, que, por sua vez, é comprometido pela
bebida alcoólica.
Faz
mal tomar antibióticos durante a gravidez?
A
tetraciclina, por exemplo, pode causar descoloração nos dentes da criança.
A menos
que seja essencial à saúde da mãe, nenhuma droga deve ser tomada durante a
gravidez. Consulte seu médico sobre os perigos de cada medicamento.
Antibióticos
e suas indicações:
Penicilinas
O
grupo mais conhecido e usado.
Tipos
mais comuns: penicilina G (geralmente injetável), penicilina V, ampicilina e
outros derivados chamados de penicilinas sintéticas.
Indicações:
pneumonia,
meningite, sífilis, gonorréia, cistite, infecções urinárias, bronquite,
abscessos, inflamações agudas e purulentas e algumas formas de amigdalite.
Tetraciclinas
Grupo
de antibióticos desenvolvidos depois da penicilina, com espectro
consideravelmente amplo e efetivo. Os tipos mais comuns são geralmente
administrados por via oral.
Indicações: infecções respiratórias e urinárias, acne, rosácea, infecções
das partes moles dos ossos e dos seios da face (sinusite).
Eritromicinas
Os
tipos mais comuns são geralmente administrados por via oral: eritromicina,
eritropedilosone.
Indicações:
infecções
respiratórias e dos tecidos moles, infecções urinárias e bronquite, infecções
graves dos ossos e dos seios da face.
Cefalosporinas
Grupo
desenvolvido mais recentemente, originalmente.
Indicações: infecções respiratórias, genitais,
dos tecido, moles e do ouvido.
Diversos
Há
muitos antibióticos, de vários tipos, usados com menos frequência. Nesse grupo
incluem-se a cloromicetina, estroptomicina, doxiciclina, gentamicina e
lincomicina.
Indicações: vários tipos de infecções, febre
tifóide, meningite e tuberculose.
As sulfonamidas, anteriores à penicilina, não são propriamente
antibióticos, mas sua ação assemelha-se à deles no combate às bactérias.
Podem ser usadas contra infecções tratadas também com antibióticos. Algumas
drogas usadas contra os protozoários, como a metronidazol (Flagil), também são apresentadas com os
antibióticos, mas não são exatamente iguais a eles.
JESSICA
MATTHEWS se
interessou por medicina quando era muito jovem, e alimentou seu interesse com
histórias médicas e séries de TV baseadas na rotina dos hospitais. Depois de
uma pequena experiência como doceira na adolescência, acabou desenvolvendo a
carreira de técnica clínica de laboratório. Quando não está escrevendo ou
trabalhando, preenche seu dia com a família e aulas para a comunidade. Jessica
vive na região central dos Estados Unidos, com seu marido e um casal de filhos.