
Pai Adotivo
Donna Clayton
Título: Pai
adotivo
Autor: Donna
Clayton
Título
original: Adopted Dad
Dados da
Edição: Editora Nova Cultural 2000
Publicação
original: 1999
Gênero: Romance contemporâneo
Digitalização: Nina
Gênero: Romance contemporâneo
Digitalização: Nina
Revisão:
Bruna
Estado da Obra: Corrigida
Estado da Obra: Corrigida
Éramos
estranhos quando nos conhecemos...
Christopher
Kimball foi buscar sua filha e somente então soube que a adoção não mais lhe
seria concedida. A menos que ele se casasse imediatamente, a pequenina órfã não
teria uma família. Antes que pudesse perder a esperança, uma linda estranha lhe
propôs uma solução surpreendente: casamento! Seria a solução ideal, não fossem
os olhos de Mary Hellen tão doces e tão ternos. Afinal, Christopher queria
apenas uma filha, não uma esposa!
CAPÍTULO
I
— Como
assim "as regras mudaram"?! — Christopher Kimball tentava conter a
irritação ao questionar o funcionário do Departamento da Serviços à Infância.
Afinal, estava em país estrangeiro e devia ser flexível.
A
escrivaninha entre os dois parecia uma parede de concreto. E não era a única
barreira a separá-los.
O
homem não entendia uma única palavra em inglês, Christopher sabia disso. Mas
sua frustração estava, com muita rapidez, se transformando em a raiva. Nada
ocorria do modo correto por ali?
Uma
nuvem negra e ameaçadora pareceu descer sobre ele, em resposta.
O
rapaz atrás da mesa, a pessoa que tinha nas mãos o poder de conceder ou não o
maior desejo de Christopher, apenas deu de ombros.
O idioma gutural eslavo
que ele falava fez Christopher automaticamente virar-se para o terceiro
indivíduo da sala, o jovem tradutor que ele contratara, chamado Viktor.
Christopher sabia que
sua impaciência tornava-se evidente.
— O que ele está dizendo, Viktor?
— Pede-lhe desculpa — afirmou o moço. —
Diz que não tem como ajudá-lo. Seus supervisores decidiram que você não poderá
tirar Ekhatherina do orfanato. Não permitirão que a adotem. Não deixarão que
leve a criança do país.
A cada
negativa, Christopher sentia-se como se estivesse perdendo o chão. A decepção
avassaladora bastava para deixá-lo em agonia.
Como
aquilo podia estar acontecendo? Todas as questões deviam ter sido solucionadas
antes de sua saída dos Estados Unidos. Mas, não, estava ali, do outro lado do
planeta, descobrindo que seus problemas apenas começavam.
— Eu não entendo!
— Mais uma vez, Christopher dirigiu-se ao funcionário do governo.
Entretanto, foi Viktor
quem explicou melhor:
— O senhor não tem esposa, sr. Kimball.
— Mas todos já sabiam disso semanas
atrás! A agência dos Estados Unidos me garantiu...
Christopher
perdia o controle, algo que detestava, mas a situação estressante era
insuportável.
Alterou o tom de voz e
usou as mãos para se expressar:
— O fato de eu
ser solteiro não devia ser impedimento! Disseram-me que o número crescente de
crianças que ficaram sem lar por causa da guerra fez com que houvesse uma
flexibilidade na lei.
Houve mais conversa
entre Viktor e o funcionário, e, naquele instante, os olhos de Christopher
migraram para a fotografia em preto-e-branco que tinha na mão. Sabia bastante
coisa a respeito da menininha que viera adotar em Kyreznóvia.
A
garotinha da foto tinha catorze meses de vida. Os olhos castanho-escuros, com
uma expressão de um bichinho atemorizado, conforme apelidara-os, mostravam uma
vulnerabilidade que o afetava em um grau impressionante.
Os
cabelos castanhos de Ekhatherina haviam sido cortados na altura da nuca. Tinha
informações de que era saudável, ou melhor, estava saudável quando Christopher
fez a solicitação para adoção, quase um mês atrás. O fato de não saber se
Ekhatherina estava bem agora torturava-o. Passou o dedo pelo retrato.
Queria
tanto ser pai... Não, gostaria de ser o papai de Ekhatherina.
Desesperadamente!
A
pobre criança perdera os pais quando o casal caminhava, por engano, em uma
pequena trilha que ladeava a cidade e que fora infestada de minas terrestres.
Aquelas
duas pessoas nem ao menos imaginaram que arriscavam a vida, e aquela travessia
pelo campo deixaria órfã sua única filha.
A bela
menina, que se apossara do coração de Christopher desde o instante em que ele
pousou o olhar em sua fotografia, vinha sendo abrigada em um orfanato.
Ekhatherina... Sua
linda, solitária e carente garotinha.
Mas
naqueles dias em Kyreznóvia, a história de Ekhatherina não era excepcional ou
inusitada. Muitos pequenos foram deixados famintos e sem lar pela guerra civil
que ocorria no pequeno país, a tal ponto que o governo fez um apelo. Pessoas do
mundo todo foram conclamadas pelos meios de comunicação a abrigar esses
garotos, proporcionando-lhes um lar, família... e amor.
Kyreznóvia era uma terra
linda, rica em cultura e com pessoas maravilhosas. E Christopher não era um
estranho no país. Visitara o local anos atrás, quando Kyreznóvia fazia parte da
Rússia e seus pais levaram-no ao exterior.
Ficaram
naquela região por tempo bastante para fazerem amigos. Claro, como era na
ocasião um alegre garoto de doze anos de idade, Christopher permitira-se perder
contato com os meninos que conheceu. Mas jamais se esquecera do local tão
pitoresco.
Em sua
casa, na Pensilvânia, Christopher estivera assistindo ao noticiário
internacional das sete horas quando soube do problema das vítimas da guerra na Kyreznóvia.
Algo
dentro dele fora avivado, e Christopher vira-se discando ;para o
número presente na tela da televisão antes mesmo de dar-se conta do que fazia.
Isso ocorrera semanas
atrás.
Entrara
em contato com uma agência de adoção nos Estados Unidos, e primeiro procurara
informações sobre Ekhatherina. E recebera o retrato e uma pasta com os dados da
menina.
Até
mesmo lhe disseram que seu estado civil de solteiro não seria problema. Aquelas
crianças precisavam de bons lares. Não importava que alguns fossem regidos por
mãe ou pai solteiro. A agência na América do Norte garantira que isso não seria
empecilho para que Christopher adotasse Ekhatherina.
Entretanto,
naquele instante descobria que a garantia que lhe fora dada não valia mais.
— Mas isso foi até... — O som da voz de
Viktor fez Christopher desviar o olhar da fotografia. — ...ontem.
— Ontem? — Christopher repetiu, irado.
— E você, por favor, poderia me dizer o que ocorreu no curto espaço de tempo de
vinte e quatro horas para mudar essas regras miseráveis?!
Viktor sorriu.
— Perdoe-me, sr. Kimball. Isso foi... como
eu diria... uma figura de linguagem. Não quis dizer literalmente
"ontem".
Como
Christopher não retribuiu o sorriso, Viktor desviou o olhar e pigarreou.
— Veja bem —
Viktor continuou, com mais seriedade —, nosso país acabou de proclamar
independência. Nosso governo está apenas nascendo. E emocionante. Mas há muitos
percalços. Nossos líderes não têm experiência. As leis mudam de semana para
semana.
Dessa vez, Viktor não se
furtou a quase gargalhar.
— Algumas vezes de dia para dia, sr.
Kimball.
Christopher
via suas chances de levar a pequena Ekhatherina consigo para casa ficando mais
remotas a cada segundo.
— Nós tentaremos — Viktor prometeu. —
Deve compreender que todos os envolvidos estão procurando fazer o melhor.
— E o que é o melhor? Este homem... —
Indicou o funcionário do governo. — É capaz de afirmar que acredita que seja
melhor para mim ir embora sem Ekhatherina?
Após
um momento de silêncio, Viktor falou com suavidade:
— Ele não está tentando fazer o que é
melhor para o senhor. Nosso governo procura encontrar a melhor saída para
nossas crianças.
— Aqueles bebês estão famintos! —
Christopher vociferou. — Com frio, assustados, sozinhos na face da terra! E
metidos em quartos pequeninos e lotados como... como pequenos animais. Há
vinte crianças sendo cuidadas por um só adulto naqueles orfanatos. Eu li as
reportagens. Sei que...
O
rapaz atrás da escrivaninha falou. E a resposta de Viktor foi tão ríspida que
fez Christopher indagar:
— O que foi? O que ele disse?
— Nada. Está apenas tentando suavizar o
clima. Fez, como dizem os americanos, uma piada.
O súbito nervosismo no
olhar do jovem tradutor deixou os cabelos da região da nuca de Christopher
arrepiados. Algo estava errado. Alguma coisa não estava se encaixando ah.
— Não pareceu uma
piada.
Viktor limitou-se a fitar o teto.
— Eu estou lhe pagando para traduzir,
Viktor — Christopher lembrou-o. — Então, traduza.
— Ele falou... — Viktor gaguejava. —
...que por cem dólares lhe encontraria uma jovem esposa de nossa nacionalidade.
Falou que precisaria apenas de dois dias. E sugere que você volte para os
Estados Unidos com a família completa.
Ao som
da palavra "esposa", Christopher ficou tenso. Nunca tivera um
relacionamento permanente.
— Ele não falou por mal, sr. Kimball. Se
não estiver interessado, o moço compreenderá. Entretanto, caso seus superiores
descubram a oferta que fez, perderá o emprego. Sua discrição será muito
apreciada.
Christopher
demorou um instante para controlar-se antes de encarar Viktor,
— Conforme você
disse — Christopher respondeu com frieza —, ele estava apenas fazendo uma
piada.
Acenou
com rispidez para o homem que o atendera e virou-se para partir.
— Sr. Kimball,
por favor, lembre-se de que as regras podem mudar de novo. No mês que vem, na
próxima semana... Até mesmo amanhã. Por favor, não se desencoraje.
Falta
de coragem era pouco para descrever como Christopher se sentia. Viera de muito
longe, tanto em milhas físicas quanto em comprometimento emocional, dispondo-se
a deixar o país levando aquela menina consigo. Mas sentia-se desolado em
constatar seu pouco poder em relação ao assunto mais importante da existência
de Ekhatherina e da dele também.
Nem se
importou em responder ao incentivo de Viktor. Continuou andando pelo corredor,
o coração tão pesado que mal lhe permitia respirar.
CAPÍTULO
II
|
Mary Hellen Ritter
estava em dificuldades, mas não se preocupava em demasia com a situação. Os
eventos foram inesperados, sem dúvida. Mas já estivera em posição semelhante
antes.
Bem... talvez não
exatamente assim, sem emprego, dinheiro ou perspectivas para o futuro próximo.
Entretanto, algo aconteceria. Uma solução para seus problemas se apresentaria
em breve. Sempre fora assim, e agora não haveria de ser diferente.
Aquele
hotel parecia moderno comparado à dúzia de outros que visitara naquela manhã.
Entrou e deu uma olhada pelo salão do restaurante. Diversos clientes estavam
sentados a mesas muito bem alinhadas.
Um
homem de cabelos escuros chamou de imediato sua atenção. Estava sentado,
contemplando a xícara de café como se tivesse o peso do mundo todo nos ombros.
A
toalha sobre o tampo, branca e impecável, fora, sem dúvida, tratada com muita
goma e ferro quente. O piso não mostrava mancha alguma, assim como as camisas
brancas dos garçons e garçonetes.
Mary
Hellen não se importaria em trabalhar em um lugar daqueles. Pelo menos até
conseguir dinheiro suficiente para viajar ao país de seu novo compromisso como
professora de inglês.
Mary
Hellen fez sinal a um garçom e perguntou-lhe onde poderia encontrar o gerente.
Sem deter sua disparada para a cozinha, o rapaz apontou para a sala dos fundos.
O
olhar de Mary Hellen seguiu a direção indicada. Avistou uma porta do que só
podia ser o escritório da gerência. Aproximou-se com passos determinados.
Enxugou
as palmas úmidas no tecido da saia, repassando seus argumentos mais
persuasivos.
Tinha
de arrumar colocação, e com urgência, porque, se não conseguisse recursos muito
em breve, não teria como se manter.
Meneou
a cabeça como para afugentar a preocupação. Era necessário se concentrar no que
diria. Precisava conseguir um emprego. E naquele dia!
O café na pesada xícara
de cerâmica que Christopher tinha entre as mãos estava amargo e tão forte que
quase o fez deixar de lado as preocupações que o levaram a passar o tempo ali,
no restaurante do hotel.
Os últimos quatro dias,
desde aquele em que esteve na sala do Departamento de Serviços à Infância e
recebeu a notícia de que pessoas solteiras não podiam adotar crianças, estavam
sendo os mais longos de sua vida.
As
horas pareciam se arrastar. E em todo esse tempo a pequena Ekhatherina não saía
de sua mente.
Estaria
com fome? Ferida? Amedrontada? E sendo observada de perto naquele orfanato
lotado?
Ou
estava sendo provocada? Atormentada? Sofrendo abusos?
Cada momento sem saber
notícias dela era uma agonia. Seria assim a preocupação dos pais com seus
filhos? Eram esses os temores de um pai?
Algo
semelhante a um tapinha em seu ombro fez com que levantasse o queixo, embora
ninguém estivesse perto o bastante para tocá-lo. Deparou com uma mulher que
passava rumo aos fundos.
Seus lindos cabelos
ruivos eram longos e ondulados. Viu apenas um lado do rosto, mas era possível
observar o restante... um metro e oitenta de curvas femininas. Logo pôde notar
os quadris balançando de um lado para outro ao ritmo das passadas.
Christopher
engoliu em seco e voltou a olhar para a xícara vazia. Então, deu apenas outro
breve olhar à moça, bem a tempo de vê-la erguendo a mão para bater à porta do
escritório.
A
mulher travou uma conversa clara, sem a menor hesitação, com um homem mais
velho, que Christopher sabia ser o gerente do restaurante.
Embora
ela falasse o idioma da Kyreznóvia e usasse roupas semelhantes às das outras
mulheres que vira nas ruas e lojas, havia algo diferente na jovem.
Alguma
coisa não parecia correta na cena que Christopher observava. Só não conseguia
descobrir o que era.
Quando
o tom de voz dela tornou-se mais urgente e então ganhou um tom de súplica,
Christopher concentrou-se de vez no que ocorria no fundo do salão. Ouviu-a
dizendo "pajálusta" diversas vezes.
Christopher
pouco sabia daquele idioma eslavo, mas durante as visitas diárias ao prédio do
Departamento de Serviços à Infância, acompanhado por Viktor, descobriu como
pronunciar "por favor" com perfeição. E fizera isso. Diversas vezes.
A
garota, pelo visto, enfrentava alguma espécie de complicação. Ou tentava
explicar a questão ao gerente ou implorava por auxílio. Christopher não sabia
bem o que era.
Ficou imaginando que
infortúnio ela...
Arregalou
os olhos, viu em que se metia e conteve o pensamento.
O que
estava fazendo? Não devia estar desperdiçando energia ponderando acerca do
dilema de outra pessoa. Sobretudo em se tratando de uma mulher!
Fizera
um voto solene a si mesmo anos atrás: passaria ao largo de mulheres
persuasivas.
Foi então que o gerente,
com firmeza, fechou a porta do escritório bem diante da moça. A derrota e
frustração na postura dos ombros dela fez Christopher levantar-se antes mesmo
de dar-se conta disso.
"Você não vai
conversar com ela!", uma voz interna ordenou-lhe. "Já tem problemas
suficientes. Passe ao lado e vá embora. A porta do banheiro fica poucos metros
adiante. Vá para lá. Agora!"
Era um
bom conselho. Era mesmo. E Christopher tinha intenção de seguir o comando
silencioso da parte lógica de sua consciência. Mas quando aproximou-se da moça,
ela suspirou e sussurrou:
— Oh, meu Deus!
Christopher
parou de modo tão abrupto que teve de erguer um pouco os braços para manter o
equilíbrio.
— Você fala inglês!
Ao som de sua voz ela se
virou, colocou algumas mechas de cabelos para trás da orelha e o encarou.
Ofereceu-lhe o esboço de um sorriso, o que o hipnotizou.
Aquela mulher não era só
linda, mas deslumbrante. E bem nova. Seus olhos tinham o verde profundo da mais
rara das esmeraldas, as sobrancelhas formando asas perfeitas para protegê-los.
Decerto um artista angélico muito talentoso esculpira com delicadeza o
pequenino nariz e as maçãs salientes do rosto.
Então, viu pelos
lábios... Eram os mais sensuais que com que já parara desde que nascera.
— Você é... — ele disse em um sussurro
rouco. "Estonteante", estivera prestes a verbalizar. Por sorte, conseguiu
conter-se.
Devia
estar louco! Tanta preocupação para com Ekhatherina o abalara, só podia ser
isso.
"Você
não pode lançar elogios a estranhas, Christopher, meu velho. Em um país
estrangeiro, pode ser perigoso. O que está pensando?!"
— ...uma americana? — ela terminou a
sentença, achando que fora isso o que Christopher estivera prestes a indagar.
O
sorriso de Mary Hellen ampliou-se um pouco, como para deixá-lo saber que já
fora abordada muitas vezes por pessoas que, assim como ele, surpreendiam-se em
ver uma americana vestindo, falando e morando como qualquer outro nativo de Kyreznóvia.
Mas
Christopher não era como os prováveis desconhecidos que ficaram desconcertados
diante de sua nacionalidade, ele considerou. De jeito nenhum.
Em vez
disso, quase fez papel de bobo, e estaria mentindo se dissesse que não estava
aliviado por ela ter terminado a oração de modo tão casual.
— Sim, eu sou.
— Ah! — foi a única resposta que
Christopher conseguiu balbuciar.
Diversas
questões lhe ocorriam., como por exemplo: o que ela fazia no caos de um país
recém-nascido? Não sabia do perigo para visitantes estrangeiros? E de onde
herdara aqueles maravilhosos olhos verdes? Ou melhor, "de quem" era o
termo correto.
Algo dentro dele
despertava. Algo profundo, primitivo.
Christopher passou a
língua pelos lábios secos e tentou sorrir, mas por algum motivo indecifrável
seus músculos faciais não quiseram funcionar.
— Você... bem... eu... — O fato de parecer
estar com a língua amarrada confundia-o. Respirou fundo e fez outra tentativa:
— Não pude deixar de ouvir sua conversa. Não falo o idioma local, mas percebi
que talvez esteja com alguma dificuldade.
A
inflexão dada ao comentário dava-lhe um tom inquisidor. Queria que a moça
confiasse nele. E era a última coisa que devia desejar naquele instante.
Entretanto,
Christopher estava intrigado demais pela garota de cabelos avermelhados para
dar ouvidos à lógica.
Mary
Hellen não pôde conter o sorriso. Aquele homem, um estranho, expressava
preocupação com ela. Sentiu-se tocada.
O que,
porém, despertou-lhe o riso, foi a constatação de que era aquele o homem que
vira estudando a xícara de café com tamanha atenção assim que ela entrou no
restaurante.
Recordou
ter pensado que tratava-se de uma pessoa com uma preocupação muito grande.
Entretanto, lá estava ele querendo saber de seu problema. A idéia aquecia-lhe
a alma, para dizer o mínimo, e lhe revelava algo a respeito do rapaz. E era
muito importante.
Mas
Mary Hellen nem sonharia em acrescentar mais peso ao fardo daquele homem.
— Obrigada por sua gentileza, mas não há
nada com que se preocupar. — Esperava que seu tom apreciativo fizesse-o entender
como se sentia acerca de sua preocupação.
Estendeu
a mão, tocou-o com delicadeza no braço e, sem entender por que, viu-se sem
fala, como se um choque elétrico a tivesse atingido.
Tivera a intenção de lhe
garantir que ficaria bem. Quis expressar que não havia nada que não pudesse
solucionar sozinha. Entretanto, sentiu a firmeza da musculatura debaixo da
manga do terno e um calor tão perturbador...
Sua
pele queimava a partir do pescoço e faces. Precisou de toda sua força para
romper o contato.
— Eu... eu... —
Mary Hellen parou de falar por um instante. Engoliu em seco e tentou de novo: —
Ficarei bem.
Mary
Hellen não sabia se tentava acalmar o estranho ou a si mesma.
Sentia-se
mortificada pela reação involuntária. Nunca vira antes aquele moço. Coisas
assim não aconteciam com ela. O homem poderia julgá-la uma moça fútil que...
Naquele
instante seu estômago reclamou de fome em um tom audível, o que a embaraçou.
Mary Hellen, sem se dar conta, pousou a mão na barriga e balbuciou:
— Desculpe-me...
Christopher
achou graça, mas nada havia de provocante em sua expressão ao dizer, com
suavidade:
— Eu gostaria de convidá-la para
almoçar, mas... nem mesmo sei seu nome.
— Mary Hellen. — Sua voz soou longínqua
até mesmo para seus próprios ouvidos. — Mary Hellen Ritter.
Ela viu-se analisando o
rosto atraente e másculo. A boca sensual, que sorria de modo tão charmoso, o
rosto bem barbeado, o nariz reto, os olhos castanho-escuros com cílios densos e
sobrancelhas grossas, e, por fim, a testa, maculada por pequenas rugas de
preocupação.
Seus
cabelos eram cor de café, e brilhavam. Alguns fios errantes curvavam-se sobre a
testa, e Mary Hellen teve vontade de ajeitá-los com os dedos. Aquele jovem era
muito atraente.
De
súbito percebeu que arfava e que, pior ainda, encarava-o. Olhou para o lado.
Mas
ele, maravilhoso como era, retomou a conversa como se nada tivesse acontecido:
— Bem, Mary
Hellen, deixe que eu lhe ofereça um almoço.
— Imagine... Eu não poderia impor minha
presença.
— Bobagem! Seria
uma imposição se você estivesse me impedindo de fazer algo. A verdade, Mary
Hellen, é que estaria me fazendo um grande favor.
Mary
Hellen analisou-o, certa de que ele estava prestes a dar alguma informação
acerca do que o preocupava. Mas isso não ocorreu.
— ...se permitisse que eu lhe pagasse uma
refeição.
Mary Hellen
sabia que nem devia considerar a oferta.
Aquele
era um bom sujeito, simpático e atraente. Alguém que não precisava ouvir suas
queixas.
Além
do mais, tinha de encontrar um emprego, naquele dia, e não teria sucesso algum
tagarelando ali com um homem simpático e atraente.
Mais um resmungar de seu
estômago, e ambos sorriram.
— O que me diz?
Almoçará comigo? Vai me contar o que a está preocupando?
Mary Hellen suspirou.
Estava com fome. E ao deixar que ele a convidasse para o almoço, estaria
tomando uma boa decisão em termos financeiros.
— Apenas se você me disser como se
chama. E... se também me contar o que o que o entristece.
— Sou Christopher Kimball.
A
expressão de surpresa no semblante másculo permaneceu, ao se acomodarem à
mesa, com os cardápios na mão.
— Diga-me, como sabe, Mary Hellen?
— Como sei que você está com problemas?
Poder-se-ia dizer que sou muito observadora.
Christopher
assentiu, parecendo aceitar a explicação. Por isso, Mary Hellen decidiu ser
bastante honesta.
— Logo que passei
pela porta, avistei-o analisando a xícara de café, como se contivesse algum
mistério enigmático que você, a todo custo, tentasse desvendar.
Christopher
riu, um dos sons mais agradáveis que Mary Hellen já ouviu.
— Certo.
O garçom anotou os
pedidos.
— Fale, Mary
Hellen, o que houve entre você e o gerente deste estabelecimento?
O
suspiro que Mary Hellen expeliu soou exausto até mesmo para ela.
— O homem estava
recusando meu pedido de colocação. É muito difícil para uma mulher encontrar
trabalho em Kyreznóvia.
Christopher franziu a
testa.
— Bem, e o que você está fazendo
desempregada neste país? Como sobrevive?
— Estava trabalhando. Ensinava inglês a
diversos grupos de crianças. Os oficiais do novo governo queriam lhes dar uma
educação melhor. Era algo que o "país-mãe" jamais poderia lhes
oferecer, e fazia parte dos planos primários dos novos líderes. Fui incluída
neles. Eu e cerca de uma dúzia de outros professores de inglês.
Mary Hellen arqueou as
sobrancelhas.
— Mas tudo isso mudou ontem, quando os
recursos para o programa foram cortados sem aviso prévio, — Passou a cochichar
ao acrescentar: — É provável precisem de dinheiro para formar um novo exército
ou algo assim.
— Você tinha um contrato?
— Claro. Mas não vale muita coisa.
— Ora, algo deve poder ser feito!
A
paixão no tom ultrajado a alegrou, Christopher Kimbali exalava simpatia.
— Decerto podem ser obrigados a honrar
o acordo que fizeram.
— Eu poderia lutar, Christopher, Mas
isso demandaria muito dinheiro e mais tempo do que eu possuo. Decidi que o
melhor para mim será aceitar a perda e encontrar outro trabalho para obter o
suficiente para cobrir as despesas com a viagem até meu novo emprego.
— E onde será? Ela sorriu, tímida.
— Primeiro, preciso encontrá-lo. Então,
poderei lhe contar. — Mas...
— Olhe, está tudo bem. Tenho viajado pela
Europa ensinando inglês há cinco anos, desde que me formei na faculdade. Algo
parecido já me aconteceu antes; não tão de repente, talvez. Mas ocorreu.
Sobreviverei. Algo acontecerá, estou certa disso.
O franzir de testa de
Christopher mostrava seu ceticismo.
Mary
Hellen soube que discutiria com ela, mas o garçom chegou com um prato cheio de
comida.
Ela apanhou uma porção
com o garfo e comentou:
— Bem, já sabe o que ocorre comigo. Agora
é sua vez.
Antes até
mesmo de Mary Hellen ter tempo de mastigar a pequena porção de batata, já
segurava uma fotografia da garotinha de Christopher, como ele chamava a criança
pela qual viajara por metade do globo para adotar.
Mary
Hellen ouviu-o resumir a história o mais rápido possível.
Relatou
como nos Estados Unidos disseram-lhe que sua condição de solteiro não era
problema algum, mas as regras haviam mudado. Fazia pouco fora encorajado a
permanecer no país com a esperança de que o governo revertesse a decisão.
Enfim,
Mary Hellen teve de apoiar o garfo no prato. Em sua garganta formou-se um nó
que não a deixava engolir direito.
— Não sei o que
fazer, Mary Hellen. Tenho meu próprio negócio e é por isso que posso ficar por
aqui alguns dias. Mas não poderei deixar minha empresa desacompanhada por muito
tempo. Não sei o quanto mais poderei aguardar até que o governo reverta a
decisão tomada. Vou ao Departamento de Serviços à Infância duas vezes por dia.
Explico a todos que puderem me ouvir que será melhor para Ekhatherina ir para
casa comigo. Mas, até o momento, não consegui convencer ninguém.
A
dor e preocupação em seu olhar eram de partir o coração.
— Você já viu
Ekhatherina? Já passou algum tempo com ela?
Christopher
fez sinal negativo com a cabeça, e sua ansiedade pareceu aumentar.
— Disseram que a
adoção está sendo muito questionada, por isso não deixam que nos encontremos
ou criemos laços. Juram que estão apenas tentando poupar a nós dois da dor da
separação. Compreendo isso, mas, Mary Hellen, eu já estou ligado à criança, e
isso começou
semanas atrás. Sofro por não poder tê-la comigo.
semanas atrás. Sofro por não poder tê-la comigo.
Os maxilares dele
ficaram tensos, e Christopher evitou fitá-la. Mary Hellen teve certeza de que
ele estava prestes a chorar.
Aquele
homem sofria, e muito. E por causa de uma garotinha que nem sabia de sua
existência.
Ainda.
Sua dor despertou algo
em Mary Hellen. Não sabia bem o que era. Um impulso a impeliu a agir antes que
até mesmo tivesse tempo de ponderar sobre as consequências de seu
comportamento.
— Bem,
Christopher — murmurou, trêmula, sentindo um frio na barriga. — Se para
realizar esse sonho você precisa apenas de uma esposa, eu me sentiria feliz em
casar com você.
casar com você.
CAPÍTULO
III
|
Mary
Hellen não podia acreditar nas palavras que saíram de sua boca. Simplesmente
entreabrira os lábios e a estranha oferta fora proferida.
Sabia
o motivo de ter feito a sugestão de casamento. Sua motivação era-lhe muitíssimo
clara.
Deu
outra espiada na garotinha da foto, Ekhatherina. A criança de olhos escuros
estava só no mundo. A simples idéia lhe despertava recordações dolorosas, que
ameaçavam fazê-la chorar, engoli-la por inteiro, caso as acalentasse por
tempo demais. Piscou diversas vezes e afugentou as conjecturas melancólicas.
Mary Hellen não conhecia
Ekhatherina, mas sentia uma afinidade incrível com a menina. Se pudesse ajudar
a resgatar uma única alma solitária...
Dessa vez seu tom de voz
foi mais forte ao repetir:
— Eu ficaria feliz em me casar com você,
Christopher.
Ele nada
disse, os olhos arregalados demonstrando o tamanho de sua descrença. Evidente
que estava tão atônito com a oferta quanto ela. Mais até.
Mary
Hellen, então, sentiu mais confiança, certa de que tomava a decisão correta.
— Ora, não estou me oferecendo para ser
sua parceira por toda a vida. Você precisa apenas de uma esposa durante uns
tempos, certo? Só para que possa adotar Ekhatherina.
— Sorriu. — Desse modo,
conseguiremos um daqueles divórcios rápidos tão famosos em alguns Estados da
América do Norte. Não poderia ser mais simples, não acha? Christopher demorou
um pouco para responder:
— Por quê, Mary Hellen? Você nem mesmo
me conhece! A intensidade do olhar dele deixou-a encabulada.
— Isso não é nada...
Christopher
inclinou-se para a frente e tomou-lhe a mão. O calor da pele dele causava
arrepios a todo o corpo de Mary Hellen.
— Não é nada? —
Christopher repetiu, baixinho. — Pois acho que é um comportamento grandioso.
Maior do que você possa imaginar.
O coração dela disparou.
— Então, diga-me,
Mary Hellen. Conte-me o motivo dessa atitude tão monumental e inesperada.
Com a
mão livre, Mary Hellen ajeitou a cabeleira e depois olhou pelo salão. Era um
gesto de nervosismo, apenas para ter tempo de raciocinar antes de falar.
Christopher
não compreenderia suas razões. No entanto, talvez viesse a compreender. Mas
ela gostaria de se expor tanto a um estranho?
Não sabia. Se
Christopher decidisse aceitar seu oferecimento, eles se casariam, ela o
acompanharia para pegar a filha e até mesmo poderia ir com os dois ao
aeroporto.
Em
breve, entretanto, pai e filha estariam voando rumo ao oeste em um grande
avião... e Mary Hellen nunca mais tornaria a ver aquele homem. Sendo assim, por
que deveria lhe apresentar a parte mais dolorosa de seu passado?
Não
devia, decidiu, cerrando os lábios. Inalou profundamente e procurou fazer uma
expressão alegre ao fitá-lo.
— Olhe,
Christopher, eu posso ajudá-lo. Deixe-me fazer isso.
— Mary Hellen, o
homem do Departamento de Serviços à Infância, aquele que rejeitou meu pedido de
adoção, ofereceu-se para encontrar uma esposa para mim. Por uma taxa, é claro.
Meros cem dólares. E tudo o que uma esposa fictícia vale nos dias atuais?
Mary Hellen abriu a
boca, horrorizada e surpresa.
— Eu recusei —
prosseguiu Christopher, com rapidez. — Anos atrás decidi que casamento não
faria parte da minha vida.
Imóvel,
Mary Hellen limitava-se a imaginar o que teria acontecido para forçá-lo a tal
conclusão. "Anos atrás", Christopher dissera. Mas parecia tão jovem!
Mais velho do que ela, sem dúvida, mas mesmo assim jovem. No início da casa dos
trinta anos, achava. Pelo visto, novo demais para privar-se de relacionamentos
amorosos e compromissos duradouros. O que teria ocorrido para...
Christopher
riu de si mesmo por aquele instante de melancolia.
— Contudo, casar-me com o único propósito
de adotar Ekhatherina... Isso eu faria.
Permaneceram
em silêncio, constrangidos, durante alguns minutos.
— Acho que as
pessoas chamariam de casamento de conveniência. — Mary Hellen obrigou-se a
sorrir.
— E para você, o que é? A pergunta a
espantou.
— Para mim?
— Caso eu
concorde... e ainda não tenho certeza se concordo... como se beneficiará, Mary
Hellen? O que poderei fazer em retribuição?
Mary
Hellen aprumou-se e soltou a mão que ele ainda segurava.
— Não espero nenhum benefício.
— Mas seria justo!
— E desde quando a vida é justa? — O
sorriso dela não continha muito humor. — A situação em que estou agora bem
responde a esta questão.
— Oh, sim, sua situação... Hum... Tive
uma idéia! E se eu lhe pagasse pelos problemas em que se envolverá?
Mary
Hellen fez um movimento involuntário, como se tivesse levado um tapa no rosto.
— Não aceitarei
dinheiro seu. Não foi por isso que fiz a proposta.
Christopher
ergueu as mãos, apressando-se em corrigir o insulto.
— Eu não havia sugerido isso. Está bem.
O que acha de deixar-me pagar por suas despesas de viagem para o próximo local
aonde for dar aulas de inglês? Passagem de avião, hotel, refeições...
— Não. Não poderia deixá-lo fazer isso.
É muito caro.
— Tolice! Se este será um verdadeiro
casamento de conveniência, deve ser conveniente para nós dois, certo?
— Mas... — começou a falar, porém
Christopher silenciou-a com um aceno.
— Nada de "mas". Mary Hellen,
tenho estado neste hotel há dias. Vi-me prestes a desistir. Você me deu esperança,
fez uma oferta para realizar meus sonhos. Se decidir mesmo ir adiante no que
propôs, me tornará pai. O pai de Ekhatherina. Não percebe o que isso significa
para mim e para aquela garotinha? Tem de deixar que eu a recompense de alguma
maneira. As despesas de viagem serão o mínimo que poderei fazer. O mínimo!
Christopher
era persuasivo. Com aquela conversa de realização de sonhos e de tornar-se
pai... Sim, era muito persuasivo, decidiu Mary Hellen. Enfim, a rigidez em seus
ombros suavizou, e ela voltou a sorrir.
— Bem,
Christopher, confesso que não estava com vontade de passar os próximos
meses trabalhando como garçonete.
As pupilas dele
cintilaram de excitação.
— Mal posso acreditar, Mary Hellen! Eu vou
me casar!
A emoção dele
a contagiou. A súbita animação com o casamento após ter declarado sua aversão
ao compromisso deixava-a feliz.
— Serei o pai de Ekhatherina!
Mary
Hellen sentiu a garganta ficar seca. Estava decepcionada. Claro, a animação de
Christopher fora apenas por causa da adoção da menina. Como pudera ser tão
tola em imaginar em algo mais?
— Sim. — Fez o
possível para imprimir certa alegria à entonação. — E eu encontrei um modo de
chegar ao meu novo local de trabalho. Onde quer que seja.
O
sorriso de Christopher era muito sensual ao estender os dedos na direção dela.
— E então? Temos um acordo? Ajudaremos um
ao outro?
Após uma
breve hesitação, Mary Hellen selou o pacto com um cumprimento.
— Sim, temos.
Uma
sensação estranha a assaltou. Encontrara uma solução para seu dilema. A
resposta viera, assim como soube que viria. E com aquela solução, recebia a
oportunidade de ajudar alguém.
Devia
estar esfuziante. Mas não estava. Ao contrário, experimentava uma estranha e
intensa tristeza. E isso a confundia demais.
— Ah, o amor é tão... como eu diria...
grandioso!
Mary Hellen
acabara de conhecer Viktor, o tradutor que Christopher contratara ao chegar ao
país. O jovem concordara em comparecer à cerimônia matrimonial e agir como a
necessária testemunha.
Viktor
era muito espirituoso. Claro, a opinião de Mary Hellen podia estar sendo
colorida pela dúvida que experimentava, junto com um pensamento mais
aprofundado a respeito do que fazia.
Estaria
mesmo agindo de maneira correta ao casar-se com um perfeito estranho?
"Evidente que
sim!"
Mas
então Viktor, muito alegre, proclamou ao mundo, em voz bem alta:
— O amor é maravilhoso!
Toda
aquela conversa sobre sentimentos nobres a deixava com os nervos à flor da
pele. E, pelo que podia observar, Christopher também ficava cada vez agitado.
— Eu já disse,
Viktor — Christopher falou. — Esta união não tem nada a ver com amor.
Viktor pôs-se a
sussurrar:
— Mas, sr.
Kimball, é de mau agouro não falar da mais poderosa das emoções no dia de um
enlace.
Após um momento de
hesitação, prosseguiu:
— Não precisa ser
seu amor o que proclamei. Pode ser em relação a outra pessoa. No entanto, é
hábito exaltar e glorificar o amor, afeto e devoção... todos os assuntos do
coração, enfim, em um dia como este.
A
névoa que parecia ter baixado sobre Mary Hellen no decorrer das quarenta e oito
horas necessárias à espera oficial para a cerimônia estava mais intensa.
"Mau agouro e um casamento sem amor. Nossa, isso resume a situação com
mestria!"
Ora,
mas por que Mary Hellen sentia-se tão... vamos dizer assim... condenada a uma
sentença terrível? Não fazia sentido. Olhou para Christopher e viu que seu
"noivo" também sofria do mesmo mal,
Viktor foi adiante,
sempre com alegria:
— Vejam ali. — Apontou para um homem e uma
mulher sentados em um banco próximo. — Há amor e compromisso no modo como um
segura a mão do outro. E lá... — Indicou outro casal. — O beijo que estão
partilhando é doce e puro.
Viktor pendeu a cabeça
de leve para trás e suspirou.
— Ah, sim, o amor
é grandioso! — arrematou o rapaz, começando a tornar-se repetitivo, na opinião
de Mary Hellen.
Christopher fitou-o com
a testa franzida.
— Maus presságios — Viktor advertiu-o
com voz musical. — E já que vocês não estão tendo uma cerimônia tradicional...
— Aquelas festas prosseguem durante
dias — Mary Hellen comentou.
— Bem, então você deve no mínimo
concordar comigo nisso.
Após um suspiro
impaciente, Christopher assentiu:
— Sim, Viktor. O amor é grandioso. Isto
está de acordo com os costumes?
— Terá de estar.
Então,
o intérprete arqueou as sobrancelhas para Mary Hellen, aguardando uma resposta.
— Agora você está pressionando demais —
Christopher queixou-se ao jovem.
Mary
Hellen pôde apenas sorrir. O que esperavam dela? Estava se casando, sem
músicas, flores, alianças ou um lindo vestido.
E até
mesmo seu sorriso forçado esmoreceu diante desse pensamento.
O que havia com ela?
Ambos
optaram pela simplicidade. Seria melhor assim. Afinal, música, flores, alianças
e um belo vestido de noiva eram para pessoas que queriam mostrar aos familiares
e amigos o que sentiam pelo futuro cônjuge.
Não
amava Christopher. Tampouco ele a amava. Sabia disso. "Sendo assim, qual o
problema?"
"Uma
mulher não tem o direito de esperar um pouco de mimo no dia de seu matrimônio?",
uma voz interna indagou. "Não", veio a negativa firme e silenciosa,
bastante racional. "Não nessas circunstâncias."
Ao dirigirem-se ao prédio que abrigava o local de realização de uniões civis, Mary Hellen simulou
um sorriso artificial.
O
corredor era longo e decorado com mau gosto, mas ela e Christopher sabiam o
caminho a percorrer, pois haviam ido até lá para registrar o pedido no mesmo
dia em que Mary Hellen lhe fizera a proposta.
A sala
encontrara-se lotada, na ocasião, assim como no presente momento.
Parecia
que os cidadãos de Kyreznóvia não se sentiam perturbados pela situação caótica
do país. Ao contrário, as pessoas dali davam a impressão de estarem entusiasmadas
pelo nascimento de sua nação e mostravam a excitação de diferentes maneiras. O
casamento parecia ser uma delas.
Pediram
para Mary Hellen, Christopher e Viktor se sentarem. Acomodaram-se na ala de
espera lotada de casais afetuosos e risonhos. Mary Hellen via muito bem que o
amor era o motivo principal da união daqueles casais.
Decerto,
havia no mínimo uma dúzia de outros motivos para as pessoas se casarem. Mary
Hellen já vivera em diversas culturas para saber disso.
Em
alguns países, os enlaces ainda eram planejados pelos pais dos jovens, às vezes
quando eram apenas bebês ainda. Eram como relacionamentos de negócios por toda
a vida, embora muitos dos rapazes e moças vez ou outra acabassem desenvolvendo
profundo afeto pelos companheiros que lhes foram escolhido.
As
mulheres, nessas situações, não iniciavam a união apaixonadas, mas decerto
sentindo-se necessárias... queridas.
Essa
única palavra bastava para deixar Mary Hellen com as mãos frias. Começou a
entrar em pânico. Foi quando sentiu o olhar intenso de Christopher pousado nela.
Encarou-o.
Embora não houvesse como
Christopher saber o que lhe ia em mente, era lógico que notava que algo a perturbava.
Talvez, com cavalheirismo, ele decidisse recusar sua oferta. Era possível que
não fosse tarde demais para Mary Hellen escapar do tolo arranjo.
Christopher inclinou-se
e sussurrou a seu ouvido:
— Sei que está
repensando a situação, Mary Hellen. Pressenti isso durante toda a manhã. Também
me sinto esquisito a respeito.
Após
um instante evitando seu olhar, Christopher respirou fundo e fitou-a.
— Mas, se não
prosseguirmos com nosso arranjo, não deixarão que eu tenha Ekhatherina.
No
instante em que o nome da garotinha passou por aqueles lábios, Mary Hellen
estendeu a mão e tocou-o no braço.
— Está tudo bem —
garantiu-lhe, não se sentindo mais tão insegura. — Estou apenas um pouco
nervosa. Ficarei bem.
O
sorriso de Christopher foi tênue, mas sua gratidão, límpida qual o mais fino
dos cristais.
Pouco após a breve conversa, foram chamados pelo homem que os casaria. No país, era o
equivalente a um juiz de paz. A hesitação e ansiedade permaneciam em Mary
Hellen, embora estivesse ocupada demais explicando a Christopher tudo o que
era dito para se concentrar na incerteza.
Quando
o celebrante lhes perguntou se ambos estavam ali de livre e espontânea vontade,
Mary Hellen afirmou, com meiguice, na língua local:
— Sim.
Então o juiz repetiu a
pergunta a Christopher.
Até
mesmo Viktor teve de responder a indagações acerca dos dois.
Houve um momento mais
ameno quando Christopher atrapalhou-se com as palavras no idioma da Kyreznóvia,
e todos riram. Após uma segunda tentativa, conseguiu expressar-se e, por fim,
foram declarados marido e mulher.
Viktor cutucou
Christopher com o cotovelo.
— Beije-a!
Toda a sala quedou em
silêncio. Christopher virou-se para Mary Hellen, olhou para o homem que os
havia casado, depois para Viktor, e de novo para Mary Hellen.
Por um
instante, ela achou que Christopher se negaria a cumprir aquele ritual em
particular. Sentiu um frio no estômago, a atenção migrando dos olhos questionadores
à boca dele, e retornando a seus olhos.
Mary
Hellen temia que Christopher a beijasse. Contudo, também sentia o mesmo quanto
à opção oposta. A confusão e o caos de tais conjecturas faziam sua cabeça
girar.
Christopher
virou-se na direção dela e de repente seus lábios pressionavam os de Mary
Hellen. O beijo foi firme, embora gentil, caloroso e...
Terminou
quase antes de realmente começar. Mary Hellen sentiu-se aliviada e
decepcionada. Jamais experimentara uma junção de emoções tão díspares.
— Vamos — disse
Christopher, o sussurro rouco contra sua orelha.
Mary
Hellen sentia-se como se estivesse no corpo de outra pessoa, vendo Christopher
apertar a mão do juiz de paz, sorrindo com frieza enquanto o homem proferia
desejos de felicidade para todo o sempre de um modo que ele não compreendia.
Após aceitar alguns papéis do celebrante, o marido de Mary Hellen tocou-lhe o
cotovelo e conduziu-a para a porta.
Seu marido...
Mary
Hellen arfou. Sentia-se meio dopada, e estava tão trêmula!
O que
era ridículo. Fazia interpretações exageradas das sensações tolas que passavam
por sua mente. Mas eram emoções muitíssimo fortes, o que a surpreendeu.
Pareciam não ter a menor intenção de ir embora, e faziam-na respirar com
dificuldade.
Mary
Hellen e Christopher passaram pela porta frontal e foram recepcionados por
raios brilhantes de sol. Ela inalou o ar da tarde, tentando manter a
compostura.
— As pessoas no
Departamento de Serviços à Infância esperam por nós, Mary Hellen. Você virá
comigo?
— Claro,
Christopher.
Ele virou-se para Viktor.
— Bem, meu amigo,
gostaria de agradecer por toda a ajuda.
— Isso soa como
um "adeus", sr. Kimball.
Christopher deu de ombros.
— Mary Hellen poderá traduzir para mim,
então eu achei...
— Oh, não! — Viktor protestou. — Desejo
ficar com você até o final. Quero conhecer aquela garotinha.
A antecipação cintilando
nas pupilas de Christopher emocionou Mary Hellen e dissolveu seus sentimentos
obscuros. O sonho daquele homem estava prestes a se realizar. Não podia
culpar Viktor por querer estar junto quando tal ocorresse. E ela estava feliz
por fazer parte daquilo também.
— Bem —
Christopher falou a ambos —, desse modo, vamos buscar minha filha.
Christopher
perambulava de um lado para o outro do escritório.
— Por que estão
demorando tanto? A papelada para a adoção estava em ordem desde o começo.
Queriam apenas que eu tivesse uma esposa. Tenho uma. O que acontece agora?
O
jovem rosto de Viktor demonstrava toda sua preocupação e comiseração ao
consultar o relógio pendurado na parede.
Mary Hellen deixou o
olhar seguir o marido em cada movimento. Contemplava-o o máximo possível. Após
aquele dia, nunca mais tornaria a vê-lo. Queria algumas recordações para levar
consigo quando partisse.
Não
era tola o bastante para acreditar que apaixonara-se por Christopher Kimball
desde o momento em que o encontrou no restaurante alguns dias atrás.
Ele
ainda era um desconhecido. Mary Hellen sabia apenas que Christopher amava uma
garotinha que nunca vira cara a cara. E fora o bastante para convencer Mary
Hellen de que era um homem extraordinário.
Quis
ajudá-lo, e o fizera. Devia estar se sentindo realizada. Mas então por que
estava em conflito?
— Acha que estão
questionando o casamento? — Christopher quis saber.
O medo dele atingiu a
alma de Mary Hellen.
— E por que
deveriam? — Ela baixou a entonação e acrescentou: — Não fazem idéia de que nós
dois fizemos um... um... uma barganha.
Entretanto,
Mary Hellen nem ao menos supunha o que acontecia atrás da porta fechada.
— Eles enviaram alguém para buscar sua
menininha — Viktor falou com mais confiança do que sua expressão refletia. —
Tenho certeza.
Christopher
continuava a caminhar de um lado para o outro.
Mary Hellen virou-se
para observar a paisagem da janela.
Nesse
instante, a porta da sala de espera se abriu, e o funcionário do Departamento
de Serviços à Infância entrou com uma criança de cabelos escuros nos braços.
Cruzou o ambiente e, sem dizer uma palavra, estendeu-a a Christopher.
Tudo ficou imóvel, o
silêncio, absoluto.
Mary
Hellen podia ouvir o próprio coração batendo a um volume impressionante.
— Ekhatherina...
A
euforia no murmúrio provocou um arrepio pela espinha de Mary Hellen. A
felicidade e o alívio faziam os belos olhos de Christopher cintilarem e ficarem
rasos d'água.
Mary
Hellen teve de morder o lábio para não chorar. Viktor também estava muito
emocionado, pois seu pomo-de-adão se contraía.
Depois
de mais algumas formalidades, o homem do governo cumprimentou Christopher e
despediu-se.
Viktor
aproximou-se, sorriu de um modo todo especial para a menina e tocou-lhe o queixo.
— Você é uma menininha de sorte.
Desejo-lhe muita felicidade, sr. Kimball.
— Obrigado por tudo, Viktor.
Os homens trocaram
apertos de mão.
— Se você vier a
minha cidade de novo, sr. Kimball, por favor, procure por mim.
Christopher assentiu.
— Pode apostar que o farei.
O rapaz fez um aceno
para Mary Hellen e se foi.
Seguiu-se
um momento de estranha quietude. Mary Hellen percebeu que Ekhatherina parecia
insegura, uma reação muito natural para uma criança, naquelas circunstâncias.
As
adoráveis íris escuras da menina mostravam como se sentia perdida, mas Mary
Hellen sabia que muito em breve brilhariam de adoração e amor por Christopher.
Os dois desenvolveriam um forte laço de pai e filha. Não tinha a menor dúvida
disso.
— Você quer que eu os acompanhe até o hotel?
— ofereceu-se, solícita.
— Ficarei aqui durante algum tempo,
Mary Hellen. Quero dar a Ekhatherina algum tempo para acostumar-se comigo.
Mary
Hellen camuflou a decepção atrás de um sorriso largo.
— Compreendo
Christopher
queria ficar sozinho com Ekhatherma. Isso era óbvio.
— Será um pai fabuloso, Christopher
Kimball.
Então ele fez
algo inesperado: estendeu o braço e, com toda a delicadeza, acariciou-lhe a
face. O momento era mágico, especial, e
Mary Hellen saboreou cada delicioso segundo.
— Isso não teria acontecido sem você,
Mary Hellen. O sorriso dela ampliou.
— Fiquei muito feliz em poder ajudar.
— Você tem meu
cartão. Ligue-me assim que encontrar o próximo local onde dará aulas. Farei com
que chegue até lá, e na primeira classe.
Tanta generosidade causou-lhe
riso.
— Ora, mas eu não sou uma garota de
primeira classe...
— Sim, você é, Mary Hellen Ritter.
Ela
ficou triste quando ouviu-o falando seu sobrenome de solteira. Entristecia-a
constatar que Christopher não pensava nela como a sra Mary Hellen Kimball.
Mas que tolice! Por que
deveria?
— Pode estar
certa de que você pertence à primeira classe, sim, senhora.
Mary
Hellen apenas encarou-o por um instante, apreciando o calor daquele toque. E,
por um breve momento, sentiu-se necessária. Querida.
A
emoção que a tomava num crescendo ameaçava fazê-la desabar em prantos a
qualquer momento.
Deu um passo para trás e
piscou para esconder as lágrimas antes que Christopher notasse. Aquilo em nada
se referia a ela. Pertencia a Christopher e a Ekhatherina.
— É uma felicidade,
para mim, ter podido auxiliá-lo, Christopher.
Olhou para os dois e,
naquele segundo, teve certeza absoluta de que agira com acerto casando-se com
aquele homem e, assim, permitindo-lhe adotar aquela criança tão necessitada.
Não resistiu e acariciou
os dedinhos de Ekhatherina.
— Seu papai lhe dará uma
boa vida, meu amorzinho.
Em
seguida, repetiu as palavras no dialeto nativo da criança.
A
sombra de um sorriso brincou nos lábios da menina, antes que o misto de
confusão e temor retornasse a seu semblante.
Ekhatherina
ficaria bem, Mary Hellen estava certa disso. Com um pai amoroso como
Christopher, como poderia ser diferente?
Voltou a fitá-lo. Por
alguma estranha razão, não queria ir embora. Mas era hora.
Incapaz de dizer
"adeus", apenas acenou. E deixou-o sozinho com Ekhatherina.
capÍtulo IV
|
Christopher
concluiu que não havia uma criança mais adorável e preciosa em todo o mundo que
a sua. Podia estar exausto, mas, ao sentar-se em uma cadeira de seu quarto de
hotel, o coração batia como louco e um nó travava-lhe a garganta.
Aquilo
era real. Seu sonho, enfim, se tornara realidade. Era pai. "O papai de
Ekhatherina!"
Cerrou
os dentes para obrigar-se a conter as emoções. Precisava ficar composto e
relaxado, pelo bem da menininha.
Diversas
vezes desde que deixaram o Departamento de Serviços à Infância naquele dia a
pequena esteve prestes a chorar. O queixinho tremera, os olhos lacrimejaram,
mostrando seu temer. Mas em cada vez Christopher fora capaz de distraí-la e
evitar o pranto, com rapidez e eficiência.
Usara o que estivera à
mão: um pedacinho de gelo do refrigerante, uma colher da mesa de jantar, o novo
chocalho que comprara para ela. Mas manter a mente de Ekhatherina ocupada com
novas e interessantes coisas era trabalhoso.
Mesmo com as
dificuldades, contudo, Christopher era incapaz de conter-se diante da
felicidade que lhe enchia o peito. Experimentou a sensação de plenitude no
instante em que Ekhatherina foi colocada em seus braços. A adoção parecia-lhe a
atitude mais correta que já tomara.
Sua filha estava sentada
na cama de abrir que a arrumadeira do hotel trouxera. Não havia um berço disponível.
Ah, bem, pensara Christopher, seria apenas por uma noite. Estariam voando para
os Estados Unidos no dia seguinte.
Ekhatherina
brincava com o novo chocalho, esboçando um sorriso sempre que o objeto emitia
algum som. Era barato, mas encantava-a, e Christopher notou que o bebê tivera
acesso a pouca coisa com que brincar, no orfanato,
Levara-a
para comprar duas mamadeiras, um novo vestido, pijama e, claro, fraldas.
Adquiriram
alguns brinquedos também. Apenas poucos itens pequeninos e coloridos. Não
queria ter de carregar muita bagagem no avião.
Aquele
que Christopher mais gostara fora uma boneca de cabelos ruivos... que fazia-o lembrar-se
de Mary Hellen.
Em várias ocasiões
naquela tarde Mary Hellen passara por seus pensamentos. A gratidão pelo que
havia feito era tão imensa que Christopher julgava-se incapaz de pagá-la.
Bem,
veria o que era possível fazer quando Mary Hellen, por fim, entrasse em
contato para que fizessem os acordos para a viagem.
Observou
ao redor, recordando como o matinal fizera os cabelos de Mary Hellen parecerem
puro fogo. Ficou imaginando o que teria compelido uma mulher a ser tão generosa
com um total estranho. Ela aceitara casar-se e...
O riso
infantil interrompeu suas conjecturas, e a atenção voltou-se para a filha,
Christopher gargalhou, feliz por poder ver Ekhatherina se divertindo com o
chocalho
No
final daquela tarde pai e filha foram jantar no restaurante do hotel. O cardápio
não era adequado a crianças, por isso Christopher acabara pedindo diversos
tipos de vegetais cozidos, e amassara-os com o garfo.
Ekhatherina
comera com incrível apetite, e Christopher dedicara-se tanto a alimentá-la que
a galinha à Kiev e o kasha que pedira para si ficaram frios antes que
tivesse saboreado uma porção sequer.
Mas
aquilo não importava, sobretudo por saber que a fome da filha fora saciada.
Entretanto, quando isso aconteceu, Ekhatherina logo perdeu o interesse pela
comida, utensílios e guardanapo, e começou a resmungar.
Por
isso, Christopher teve de interromper a refeição para encontrar algo mais que a
distraísse. Aprendia mais uma tarefa de pai: conformar-se com comida fria.
A hora
do banho fora uma experiência à parte. Christopher tirara do rosto e dos dedos
de Ekhatherina pedaços de legumes do jantar, tendo a menina o tempo todo gritando
de alegria e espirrando água para todo lado. A camisa dele ficara tão molhada
quanto a garota.
No todo, fora um dia
longo e esquisito. E, embora Christopher ainda experimentasse os efeitos da
dose extra de adrenalina causada pela adoção bem-sucedida, tinha de admitir
que estava grato por ser hora de ir dormir. Estava exausto.
O
colchão onde Ekhatherina estava sentada parecera bem macio, mas, assim que
chegou Christopher constatou que era estreito demais para a menina dormir sem o
risco de cair no carpete no meio da noite. Por isso, fez o melhor possível para
proteger as laterais expostas, usando os travesseiros de seu próprio leito e os
cobertores também. E encontrara um travesseiro extra no armário.
Estudou
o compartimento macio que criara em volta da caminha de Ekhatherina e suspirou.
Aquilo deveria mantê-la segura. Além do mais, para Christopher não fariam falta
cobertas e travesseiros, pois poderia apoiar a cabeça no braço, e a noite de
verão estava muito quente.
E
duvidava que fosse conseguir permanecer muito tempo deitado, de qualquer
maneira, porque se via excitado demais com as novidades.
Um riso de puro deleite
o fez relaxar um pouco, e o som despertou a curiosidade de Ekhatherina, que
fitava-o com seus enormes olhos escuros.
A
menina não parecia estar com metade do medo demonstrado no início daquela
tarde. Lidava bem com estranhos, e Christopher suspeitava de que isso advinha
de sua experiência no orfanato. Decerto a pequena nunca sabia quem iria cuidar
dela no dia seguinte.
Mas
Christopher não seria um estranho por muito tempo. A cada oportunidade faria
com que estivessem mais próximos. Sentia isso em seu coração.
Ekhatherina
deixou o chocalho de lado e voltou a fitá-lo. Então, coçou os olhinhos.
Como era linda... E
estava exaurida.
— É hora de se deitar, querida.
Falando
com suavidade e aproximando-se devagar, Christopher pegou o chocalho e
colocou-o fora do alcance da menina. Aos poucos foi baixando as costas de Ekhatherina
até pô-la deitada no berço improvisado e seguro que havia criado.
Foi quando o lábio
inferior do bebê tremeu e pareceu prestes a chorar.
— Está tudo bem,
anjinho. E hora de descansar. Tivemos um longo dia. Papai também está exausto.
Assim
que disse a palavra "papai", uma sensação de intensa alegria tomou-o.
Era o pai daquela criança. Pegou-a no colo, apoiando a cabecinha contra o
ombro, mas as lágrimas dela rolaram. Christopher respirou fundo e sentiu o
perfume suave da filha.
— Calma, amor. Está tudo bem.
— Pisne — disse Ekhatherina, o choro tornando
difícil a pronúncia.
— O quê? Você quer seu chocalho? —
Pegou o brinquedo e balançou-o de leve, mas Ekhatherina apenas ficou mais
agitada.
A menina procurou
afastar-se dele, soluçando. Assustado com a mudança de humor, Christopher,
atrapalhado, deixou de lado o chocalho. Pressionou a mão contra as costas dela
para que não caísse de seus braços.
— Nossa! — falou
surpreso, o tom de voz um pouco mais alto do que pretendera.
Ekhatherina chorou mais
alto.
— Pisne! — repetiu vezes e vezes,
entre soluços.
Christopher
pousou-a no colchão, e ela acalmou-se
Mas
apenas por alguns segundos. Demonstrava expectativa, aguardando por algo. Logo
o pranto voltou a cair. E Christopher sentiu-se, de súbito, inepto.
O aborrecimento de
Ekhatherina tornava-se maior a cada instante. Ela queria alguma coisa, sem
dúvida alguma.
— Está com sede?
— Christopher foi até o banheiro onde havia colocado uma mamadeira com suco em
um pote cheio de gelo para mantê-ia fria. — Aqui está, querida.
Ofereceu-lhe a
mamadeira, mas ela a empurrou.
Mais
uma vez Ekhatherina repetiu o termo que Christopher não compreendia.
Bem, não queria os
brinquedos. Nem mamar.
Uma idéia
lhe ocorreu... talvez estivesse com calor. De imediato, abaixou-se e removeu os
sapatinhos tricotados que comprara naquela tarde.
Mesmo assim, a garota
chorava.
Ele verificou a fralda.
Seca.
O
choro tornou-se mais alto, a ponto de quase ensurdecê-lo.
Christopher
fez uma pausa, coçou o queixo, passou a mão nos cabelos, a sensação de
incompetência aumentando segundo a segundo.
Não
imaginara que tornar-se pai fosse uma tarefa fácil. Previra que as
responsabilidades de criar um ser humano seriam imensas. Mesmo antes de deixar
a América do Norte, passara horas planejando o que faria por aquela garotinha
quando, enfim, os dois passassem a constituir uma família.
Vestiria
o bebê, cuidaria para que tivesse refeições bem balanceadas, cuidaria de
Ekhatherina quando ela estivesse doente. Riria com a menina em momentos de
alegria. Ensinar-lhe-ia jogos.
Pegaria
vagalumes em noites quentes como aquela. Prepararia biscoitos de manteiga de
amendoim com a filha nas tardes frias de outono.
Assistiriam
a programas infantis juntos. Ensinaria a filha a contar e a recitar o alfabeto.
Seguraria o banco de sua bicicleta, correndo ao lado dela enquanto Ekhatherina
aprendia a pedalar e a se equilibrar.
E,
quando Ekhatherina tivesse idade suficiente, seria matriculada na melhor escola
particular. Christopher faria com que tivesse aulas de piano e balé, e
participasse de todas as atividades que a interessassem. Também guardaria
dinheiro para pagar seus estudos na faculdade.
Esses
eram apenas alguns dos planos que fizera durante os dias precedentes à adoção.
Porém, o fato de estar ali em pé vendo a garotinha soluçando, querendo
"alguma coisa"... e ele não sabendo o que era...
Christopher
achava que seu coração iria se partiria ao meio. E aí, entrou em pânico.
Baixou as pálpebras e
inalou o ar, sem pressa, uma sombra densa descendo sobre ele. Como pôde
acreditar que seria capaz de administrar tudo aquilo?, condenou-se. Como achou
que seria hábil para assumir a imensa tarefa que era zelar pela vida daquela
criança pequenina?
Sua
pulsação disparava, mas dessa vez não era pela euforia ou alegria. Devia-se à
dúvida quanto à habilidade em fazer o melhor por Ekhatherina.
Quando
olhou para cima, avistou a boneca de cabelos ruivos que comprara para ela. A
boneca que fazia-o lembrar-se de... Mary Hellen. O nome foi sussurrado em sua
mente como uma fresca brisa de primavera.
Com certeza ela podia
auxilia-lo. Sim, saberia o que Ekhatherina pedia. Seria capaz de ajudá-lo a
conter as lágrimas da menina.
Fitou o aparelho telefônico
e quase desmaiou. Não fazia idéia de qual o número do telefone dela. Nem mesmo
se possuía uma linha, na verdade. Contudo, sabia qual seu endereço. Pegara a
naquele dia em um táxi para irem se casar.
Consultou o relógio de
pulso e decidiu que não era tarde demais. Ela, na certa, estava acordada. Se
estivesse em casa...
Recusou-se a imaginar que
seu plano pudesse não dar certo, Mary Hellen em instantes viria ali para
ajudá-lo, e ia de muito boa vontade.
—
Vamos querida — disse com suavidade, sabendo muito bem que Ekhatherina não
podia escutá-lo por causa do choro. — Iremos dar um passeio de carro.
Mary
Hellen sentou-se à mesa da diminuta cozinha de seu apartamento minúsculo, O
queijo que mordiscava, junto com o delicioso pão integral, era seu jantar.
Analisou anúncios de
emprego observando com atenção a página ande eram anunciadas vagas para professores.
De modo ausente, estendeu a não e afofou a cabeleira úmida.
— Partilhava o banheiro
com os outros dois apartamentos do térreo, o que não era tão ruim assim. Mas
não gostava de ficar muito tempo no chuveiro, por isso lavava os cabelos dia
sim, dia não.
Após
saborear o último naco, usou o guardanapo de papel e ajeitou com os dedos as
mechas longas e onduladas.
Sempre
gostara de deixar os fios secarem ao natural. O calor intenso do secador
deixava-os revoltos demais.
Suspirou.
Durante toda a noite ocupara-se das mais diversas tarefas: arrumar a casa, que
já estava em ordem, lavar algumas roupas íntimas, tomar um banho rápido,
jantar, analisar a mesma página do jornal vezes e vezes.
Mas o fato de focar-se
na rotina simples mantinha sua mente regrada. Prevenia-a de divagar e pensar em
seu comportamento tão diferente dos últimos dias. Como o casamento com um homem
que jamais vira antes.
Meneou de leve a cabeça,
constatando que essa não era toda a verdade. O rapaz tão atraente com o qual
trocara votos diante de um juiz de paz era quem a perturbava, e não o matrimônio
em si.
Christopher...
Apenas recordar seu nome despertava-lhe uma vívida imagem do belo rosto.
Soube
que, ao casar-se com ela, Christopher Kimball a estaria usando. Mas a oferta
partira de Mary Hellen. Quisera ajudá-lo. Não, constatou, quisera ajudar aquela
garotinha, a criança com a qual Mary Hellen tinha mais em comum do que desejava
admitir.
Entretanto,
ao lutar ao lado de Christopher para efetivar a adoção, Mary Hellen sentira uma
espécie de laço a uni-los. Não era uma total sandice, era? Havia outras razões
além do amor para unir as pessoas. E ela e Christopher haviam encontrado uma:
a pequena Ekhatherina.
Fechou
os olhos e, sem esforço algum, lembrou-se do olhar de Christopher quando agradeceu
por sua ajuda. Até tocara-lhe a face.
Ergueu as pálpebras. Um
temor vago e amedrontador causou-lhe um frio na barriga. A emoção confundia-a e
a fez olhar ao redor, como se buscando algo com que ocupar-se, uma tarefa
qualquer, que a distraísse.
Levantou-se,
levou prato e copo até a pia, lavou e secou-os, guardando-os em uma prateleira.
Mas a sensação estranha permanecia na região do estômago, dando-lhe a impressão
de que comera não um delicioso sanduíche de queijo, mas algo sem sabor.
O que
era ridículo! Ajudara uma órfã a encontrar um lar e um homem a adotar uma
criança.
Mas
Christopher despertara-lhe emoções profundas... as quais não compreendia. A
atração era clara, mas qualquer mulher teria achado aquele moço lindo.
Entretanto,
sentiu um medo e uma apreensão intensos. Não temia Christopher. Não. Não era
isso, de forma alguma. A sensação vinha de algum lugar dentro dela.
Mary Hellen suspirou e
foi para a modesta sala de estar. Ligou o rádio. Já era hora de deixar de
perder tempo com o assunto.
Christopher
Kimball já prosseguia com a vida. Era melhor que ela parasse de recordar o
incidente e também prosseguir vivendo.
Uma batida à porta
causou-lhe um arrepio de apreensão. Não costumava receber visitas. Talvez fosse
Antonetta. Os saquinhos de chá no armário da vizinha nunca duravam até o final
do mês. Mas Mary Hellen não se importaria em oferecer uma xícara à amiga.
Sobretudo naquela noite, quando necessitava tanto de alguma distração.
Os
gritos da criança puderam ser ouvidos mesmo antes de Mary Hellen atender. Ao
escutá-lo, franziu a testa, confusa, e ainda assim a visão de Christopher e
Ekhatherina a seu batente surpreendeu-a.
— Qual o problema? — perguntou, puxando
Christopher pela camisa para que entrasse. — O que aconteceu? Ekhatherina se
machucou?
— Não está machucada, Mary Hellen, mas
aborrecida. Quer algo... Não pára de dizer o que é, vezes e vezes, mas eu não
compreendo. Ekhatherina não pára de chorar de pedir sabe Deus o quê.
— E o que é? — Mary Hellen indagou
quase aos berros, para fazer-se ouvir sobre os soluços de Ekhatherina, —
O que o bebê estava dizendo?
— Peez, acho que era isso,
Mary Hellen alisou a
perninha da criança,
— Está bem, querida, diga o que está
querendo.
Ekhatherina
escondeu o rosto no pescoço de Christopher.
— Que Deus me
ajudei — a prece sussurrada dele foi acompanhada por um breve olhar para o
teto, — Ekhatherina, amorzinho, está tudo bem, Tudo está bem.
Mas a
tensão em sua voz e em cada músculo do corpo descreviam uma situação muito
diferente para Mary Hellen, O olhar de Christopher
implorava em silêncio: “Ajude-me!” Se tocasse Ekhatherina ou tentasse
tirá-la de Christopher, tornaria a situação ainda pior. Mary Hellen sabia
disso. Decidiu, portanto, que até mesmo dirigir-se à menina quando estava tão
incomodada era uma atitude errada. Por isso, decidiu concentrar-se em
Christopher. Se pudesse acalmá-lo, talvez Ekhatherina também ficasse mais
tranquila.
— Sente-se — falou baixinho a
Christopher, apontando para uma cadeira velha e gasta.
— Não posso.
Indicou
para a garota, Ninava-a para tentar acalmá-la. Mary Hellen sentia que a
ansiedade dele impedia-o de perceber o vigor com que sacudia Ekhatherina.
— Você pode e vai
se sentar. — Puxou-o pela manga da camisa, aproximando-o da cadeira,
Christopher
obedeceu e pareceu mais calmo. Mas as lágrimas de Ekhatherina não cessavam.
— O que eu faço, Mary Hellen? Fale-me
como fazer com que ela pare com isso. Já está chorando há mais ou menos trinta
minutos. Acabará ficando doente.
— Parece cansada...
— Ambos estamos exaustos.
Christopher
apresentava olheiras, e o queixo, a barba por fazer. Mary Hellen lembrou-se de
como aquela pele estivera limpa, quando ficaram lado a lado e...
"Pare!",
ordenou-se.
— Eu temo ter
cometido um grande erro. — Christopher era a personificação da insegurança.
O
coração de Mary Hellen se contraiu. Estendeu a mão e tocou-o no braço, de leve,
tomando cuidado para não encostar em Ekhatherina.
— Eu queria apenas dar uma boa vida
para minha filha, Mary Hellen. Torná-la feliz. Mas como poderei fazer isso se
nem mesmo sei o que ela quer?
— Você se sairá bem, Christopher. Não
pode esperar que cada minuto seja um mar de rosas. Ainda mais no princípio.
Ekhatherina precisa habituar-se a você.
— Mas nós nos demos bem esta tarde.
Os três ficaram sentados
por um momento, Christopher buscando apoio em Mary Hellen, e ela, por sua vez,
tentando confortá-lo e a Ekhatherina. A menina ainda soluçava.
Então,
a garotinha fez algo extraordinário. Pressionou a pequenina palma na face de
Christopher e fitou-o direto nos olhos. Por uma fração de segundo, o ambiente
ficou em absoluta quietude.
— Pisne.
Christopher encarou Mary
Hellen.
— É isso! — disse
ele. — Foi o que falou sem parar até agora há pouco. O que Ekhatherina quer?
Mary Hellen achou graça.
— Está pedindo música. Deseja que você
cante para ela. Quem a colocava na cama no orfanato devia cantar para as
crianças adormecerem.
— Cantar? Mas eu não sei cantar.
— Claro
que sabe! — Mary Hellen encorajou-o. — Deve recordar algumas canções simples de
sua infância.
Christopher franziu a
testa.
— O que acha da música
do alfabeto, Christopher? Todos conhecem essa. Decerto foi como você aprendeu as
letras.
Christopher
parecia cético, mas começou a cantarolar, assim mesmo, a voz bem baixa mas
aveludada.
Ekhatherina
acalmou-se, soluçou mais uma ou duas vezes e aconchegou-se no peito forte. Em
seguida, colocou o polegar na boca.
A
visão daquele homem alto e musculoso ninando a garotinha e cantando com
suavidade emocionou muito Mary Hellen.
A cena era linda. Cheia
de amor... tão serena!
Não
esperara ver Christopher de novo. O contato que antecipara teria sido através
do telefone ou por correspondência, assim que ele retornasse aos Estados
Unidos.
Mas ali estava, com seus
ombros largos e a gloriosa formosura, o que bastava para fazer o pulso de Mary
Hellen disparar.
Antes
que ele terminasse de repetir o segundo verso da canção, a filha já adormecera
como um anjo. Christopher terminou a estrofe, incapaz de se desviar do semblante
tranquilo de Ekhatherina. Enfim, exalou um suspiro, parecendo aliviadíssimo.
Ele e
Mary Hellen ficaram quietos por alguns momentos, ouvindo o respirar compassado
de Ekhatherina.
Os
olhos castanhos dele tinham expressão tão intensa ao fixarem-se em Mary Hellen
quanto naquele começo de tarde, pouco antes de se despedirem. Ela tentou suprimir
o arrepio que subiu por sua espinha.
Por fim, Christopher
sussurrou:
— Obrigado. Mais uma vez.
— Quando precisar...
A seriedade na expressão
de Christopher não se suavizava.
Não faça com que a
situação pareça casual, Mary Hellen. Se você não estivesse aqui para me
auxiliar e me dizer do que minha filha precisava, não sei o que eu teria feito.
— Não foi nada...
— Pare com isso!
Ekhatherina
se mexeu e os dois ficaram imóveis. Mas o olhar intenso de Christopher não
deixava o rosto de Mary Hellen, que, afinal, ficou tão desconcertada que teve
de romper o contato visual. Em seguida, Mary Hellen ergueu o rosto,
submetendo-se à expressão solene de Christopher.
— Está bem. Por nada.
Ele nada respondeu,
continuando a analisá-la, Mary Hellen sentia vontade de se mexer, mas nada fez.
— Você teria se saído bem,
Christopher, sabe disso. Acabaria descobrindo o que era, e em pouco tempo — argumentou,
ainda muito encabulada.
—
Em pouco tempo... — ele repetiu. Christopher pareceu ponderar sobre algo. Mary
Hellen adoraria poder ler seus pensamentos.
— Sim, Christopher, você...
— Tenho certeza de que eu me sairia
bem. E a tempo. Mary Hellen sorriu. Gostava de sua autoconfiança.
Achava-a muito sedutora,
como tudo o mais nele.
A observação a conteve
no meio da conjectura. Seu sorriso esmoreceu. Precisava parar com aquilo. O
melhor a fazer era ignorar o que sentia por Christopher Kimball.
— Ótimo. Fico feliz por você estar
vendo a situação a minha maneira.
— Mas, até eu ser capaz de perceber
as necessidades de Ekhatherina, precisarei de você, Mary Hellen.
— Como?
— Sugiro que passe a trabalhar para
mim. Proponho que viaje para casa comigo e Ekhatherina amanhã. Gostaria que
estivesse ali para ajudar-me a compreender minha filha. Desejo que a ensine a
me entender. A compreender a língua inglesa, quero dizer. Mary Hellen franziu
o cenho.
— Christopher,
você não precisa de mim para isso. Ekhatherina é apenas um bebê. Crianças nessa
idade aprendem rápido um novo idioma.
— Você não tem
emprego. Deixe que eu lhe proporcione um. Poderá ser babá de Ekhatherina. Sua
governanta, professora... Minha professora. Chame a si mesma do
modo como preferir, mas venha trabalhar para mim. Nós precisamos de você.
modo como preferir, mas venha trabalhar para mim. Nós precisamos de você.
Mary
Hellen sentiu o coração se apertar e a boca ficar seca.
"Não,
Mary Hellen", uma voz interna advertiu-a. "Nem mesmo considere a
possibilidade."
Nada
havia para ela nos Estados Unidos. Por esse motivo, viajava por outros países
desde que se formara.
— Você nem mesmo me conhece,
Christopher.
— Sei que foi capaz de deixar de lado
os próprios interesses durante dois dias para realizar o sonho de um completo
estranho. Você é uma boa pessoa. Honesta, fiel a sua palavra. Isso me basta, no
momento.
— Mas...
— Mary Hellen...
O apelo e desespero
contidos na entonação de Christopher e em seu semblante silenciaram os
protestos que ela esteve prestes a proferir.
— Mary Hellen... eu preciso de
você!
CAPÍTULO V
Não há
nada para você na América. Mary Hellen. Nada. Foi por isso que...
"Mas
Christopher estará lá, E Ekhatherina, E eles precisam de você."
"Não
pode envolver-se com isso, Mary Hellen. Não tem dinheiro para viajar aos
Estados Unidos. Não tem condições monetárias nem emocionais."
Mary
Hellen franziu a testa, ainda não entendendo direito as implicações da proposta
inesperada.
No
entanto, antes que pudesse fazer um exame mais profundo, outras idéias
empurraram para o lado as perspectivas sombrias,
"Olhe
para Christopher, garota. Ele ama aquela criança Quer que sua garotinha o aceite.
Deseja que os dois se tornem uma família. Como pode negar-lhes ajuda?"
"E
fácil, basta dizer não!, seu lado racional ordenava. "Não se
permita envolver-se..."
"Mas eles precisam
de você!"
Naquele momento,
Ekhatherina se mexeu. E Mary Hellen observou Christopher erguendo sua grande e
forte mão num gesto automático para acariciar com delicadeza e afeto as costas
da menina, confortando-a, ninando-a para que se sentisse segura.
Jamais Mary Hellen vira
um homem mostrando tamanha ternura e amor incondicional. Nunca alguém mereceu
mais a realização de seu grande desejo de ser pai.
Mary
Hellen estava atônita em constatar que a fascinação por Christopher, a qual
imaginou ter reprimido com sucesso, mais uma vez aflorava, faminta, ameaçando
dominá-la por completo.
E
junto com o encanto vinha o vago temor que experimentara antes, também. Algo
obscuro e confuso.
Engoliu em seco,
tentando se controlar.
Não,
de jeito nenhum! O que sentia não era atração. A emoção que deixava seus
joelhos bambos relacionava-se ao que ela sentia por Ekhatherina.
Ora,
isso era a mais deslavada mentira. Mas Mary Hellen não se importava muito com a
verdade absoluta.
Ekhatherina
tinha a melhor chance de sua existência ali, a consciência de Mary Hellen
argumentava, com teimosia. Aquela menininha poderia ter uma família, um pai
que a queria, adorava-a, importava-se com ela.
E Mary
Hellen poderia, mais uma vez, ajudar para que isso se concretizasse.
Pelo
bem de Ekhatherina, repetiu-se, as palavras ecoando em sua mente. Então,
assentindo, Mary Hellen encarou Christopher, determinada, e afirmou:
— Está bem. Voltarei à América do Norte
com vocês.
O
Aeroporto da Filadélfia estava apinhado. Mary Hellen e Christopher, com a
filha nos braços, abriam caminho rumo ao desembarque das bagagens.
Os
três acabaram ficando em Kyreznóvia por mais um dia para que Mary Hellen
pudesse empacotar os pertences, fechar a conta bancária e colocar tudo em
ordem.
— Sou uma viajante nata, Christopher —
dissera. — Quando criança, nunca ficava por muito tempo em um lugar só. E minha
atividade profissional levou-me por toda a Europa.
A
posse de muitos objetos não era condizente com seu estilo. Os poucos itens que
não pôde embrulhar foram doados à vizinha Antonetta, que ficou muito feliz.
— Fico surpresa por você confugir guardar
tudo o que é seu em duas malas, Mary Hellen.
— E uma mochila — acrescentara ela.
Christopher
rira, balançara de leve a cabeça e murmurara algo sobre nunca ter conhecido
alguém assim. Bem, isso era bom, Mary Hellen lembrou-se de ter pensado na
ocasião, porque também nunca conhecera ninguém como Christopher.
Ele se
pusera a entreter Ekhatherina durante o longo vôo. Brincara com a menina o
tempo todo, inventando jogos e passatempos. Quando, enfim, Ekhatherina ficou
cansada, Christopher cantou baixinho para ela em tom monótono, o que fez com
que os passageiros das proximidades lhe lançassem olhares estranhos, mas as
canções apenas fizeram Mary Hellen sorrir, encantada.
Parecia
ter se formado um novo vínculo dela com Christopher desde que concordou em voltar
aos Estados Unidos. Como se, tendo Mary Hellen a seu lado para facilitar seu
período de adaptação à paternidade, Christopher tivesse reunido a confiança
necessária para realizar a contento seu desejo de ser um bom pai para
Ekhatherina.
A
constatação de que ajudava-o a ter mais fé em si mesmo era maravilhosa. Aquecia
Mary Hellen por dentro.
Fazia parte de seu
trabalho como professora transmitir coragem e fazer com que as pessoas se
sentissem capazes de fazer o que almejavam.
Aprendera
que ao incentivar os alunos com retornos estimulantes, aumentava-lhes a
autoconfiança e deixava-os mais animados com o aprendizado.
Encorajar
Christopher fora fácil. Era tão óbvio que ele amava Ekhatherina e queria ser o
melhor papai do mundo!
Entretanto,
Mary Hellen não queria que Christopher dependesse demais dela. Por isso, fora
explícita ao dizer que não poderia permanecer na Filadélfia durante muito
tempo. Um mês ou dois, no máximo.
— De quatro a
oito semanas — Christopher murmurara. — Acho que a srta. Ekhatherina e eu
poderemos desenvolver uma grande amizade nesse curto espaço.
Quando
chegaram à esteira de bagagens, Christopher estendeu para Mary Hellen a filha
adormecida para que pudesse pegar as malas.
Logo
viram-se em uma limusine que Christopher contratou no próprio aeroporto, e
dirigiram-se para a residência dele.
— Você trabalha na Filadélfia? — Mary
Hellen quis saber, percebendo que eonhecia muito pouco acerca do homem com quem
se casou.
— Na verdade, trabalho em casa. Não
fica muito distante do perímetro urbano.
O céu
adquiria diversos tons de vermelho, conforme o sol se punha no horizonte.
— Elaboro sistemas de computação sob
encomenda para variados ramos de negócios, Mary Hellen. A tecnologia muda a cada
dia, o que cria uma demanda muito alta por tarefas como as que desempenho. Crie
atualizei sistemas para empresas por todo o país e planejo entrar no mercado
externo em breve.
— Parece que você viaja muito.
— Não. Com a correspondência eletrônica
da internet, onde se anexam documentos, as máquinas de fax o bom e velho telefone, pouco tenho de
sair do meu escritório. A tecnologia é maravilhosa. E minha mais nova aliada uma
câmera de vídeo acoplada ao monitor de meu computador. Posso participar de
conferências e reuniões com clientes sem deixar minha cadeira. Claro, vez ou
outra, uma emergência força-me a viajar. Mas são ocasiões raras.
— Entendo.
— Cono desempenho minhas funções em meu
próprio lar, tenho o ambiente perfeito para ser um papai muito presente para
Ekhatherina.
Christopher
sorriu, os dentes alvos tornando-o ainda mais belo.
Mary
Hellen perdeu o fôlego. Uma estranha espécie de calor começava a surgir dentro
dela.
Olhou
janela afora, para a paisagem por que passavam. Precisava de alguns momentos
para lidar com as chamas do desejo.
— Um papai que
fica bastante em casa, é? Pois acho que você está criando uma boa frase para o
novo milênio.
Christopher
riu, o som agradável vibrando no confinamento do automóvel luxuoso. Mary Hellen
ficou apreensiva ao experimentar mais uma pontada de volúpia. Para seu alívio,
Ekhatherina escolheu aquele momento para despertar.
A
criança abriu os lindos olhos escuros, piscou algumas vezes fazendo careta e
suspirou. De imediato sentou-se no colo de Christopher.
— Vejam só quem
acordou! — Christopher acariciou o rostinho muito delicado. — Sua soneca foi
tão longa, querida. Estou com medo de que não durma esta noite.
Mary
Hellen sentiu-se grata por a atenção dele estar focada em Ekhatherina.
Precisava desesperadamente apagar a sensação de sensualidade.
Ele prosseguiu, falando
com a menina:
— Está tudo bem, porém, vamos estabelecer
uma rotina, logo, logo.
A
ternura em seu tom de voz ao falar com Ekhatherina despertou outra emoção
inesperada em Mary Hellen. Sentiu que estava prestes a chorar, e por isso, com
rapidez, virou-se para o vidro.
O que
havia de errado com ela? Primeiro, viu-se forçada a lutar contra uma atração
crescente por Christopher, e agora o simples fato de ouvi-lo deixava-a tão
emocionada.
Talvez estivesse apenas
cansada da longa viagem.
O motorista entrou em
uma rua estreita e asfaltada.
— Chegamos — disse
Christopher. — Olhe, Ekhatherina. Estamos em nosso lar.
Mary
Hellen evitou fitá-lo para não deixá-lo ver suas lágrimas, mas conseguiu
sorrir. Suspirou, aliviada. Estava exausta, só podia ser isso. A fadiga a
dominava e a deixava sensível.
A casa
de Christopher era uma bela construção em estilo colonial, erguida a tamanha
distância da rua que de lá não se poderiam ver ou ouvir sinais do tráfego
esparso.
Mesmo
no lusco-fusco, Mary Hellen tentava decifrar os contornos conforme se
aproximavam.
— Vizinhos? — indagou, curiosa.
Christopher desceu,
ajeitou Ekhatherina no quadril e pediu ao motorista que pusesse a bagagem na
varanda, diante da porta. Então, acompanhou a direção do olhar de Mary Hellen.
— Não. Ali é o curral. Tenho dois cavalos.
Minha propriedade faz divisa com um parque estadual, por isso posso cavalgar...
se eu me levantar bem cedo. Não gosto de incomodar as pessoas que caminham.
Tenho uma gata em algum lugar por aqui, também. Chunky só aparece quando está
com fome. Contratei um homem para cuidar dos animais e de tudo o mais. Dessa
maneira, fico livre para trabalhar. Bob vem todos os dias. Não fosse por ele,
eu nem teria ficado na Kyreznóvia durante todo aquele tempo. Tenho certeza de
que Bob cuidou bem de meus animais.
Dois
cavalos, pensou Mary Hellen. Aquilo mais parecia um sítio do que uma mera casa.
E o fato de ser adjacente a um parque aumentava o valor das terras.
A
limusine que Christopher contratara, com os macios bancos de couro e o
motorista circunspecto, era o veículo mais opulento no qual Mary Hellen já
andara.
O
negócio de Christopher devia ter muito sucesso para permitir-lhe morar a cerca
de trinta minutos do limite urbano de uma cidade de tamanho razoável,
considerou, estudando ao redor.
Christopher
observou o gramado enquanto o carro era estacionado.
— A grama parece
em bom estado. Eu sabia que podia contar com Bob para o que desse e viesse.
Estendeu
a mão para pegar uma das sacolas de Mary Hellen.
— Poderia segurar
Ekhatherina? Ou prefere uma das malas?
Ela
sorriu, embora duvidasse de que Christopher pudesse vê-la na penumbra.
— Levarei
Ekhatherina e uma mala. E, por favor, não escolha aquela mais pesada para mim.
Christopher
conduziu-a para dentro, e depois para a escada, rumo aos quartos.
— Você ficará com o dormitório do fim
do corredor, Mary Hellen.
— O importante é: em qual quarto
Ekhatherina ficará?
— Ah... — Christopher colocou no chão a
bagagem que carregava e apontou. — Bem aqui. O local está pronto e esperando
por ela há semanas.
O
aposento era tão bonito quanto Mary Hellen previra, decorado com motivos
infantis. Em uma das paredes havia o desenho de uma aranha com o semblante
muito alegre em meio a sua teia. Outros personagens muito bem desenhados
enfeitavam o ambiente.
O piso tinha um carpete
macio em tom de azul, e a mobília era branca. A janela mostrava contorno
cor-de-rosa. Um pequeno armário para brinquedos estava a um canto.
Christopher
idealizara um lugar perfeito para sua garotinha, e Mary Hellen foi rápida em
dizer-lhe isso.
— Não posso
aceitar os elogios. — Christopher tomou Ekhatherina dos braços de Mary Hellen e
colocou-a no chão. — Um decorador veio e fez a maior parte do serviço. Mas
comprei os brinquedos.
Ekhatherina
foi direto para a cadeira de balanço e, com um único toque, fez com que se
movesse. Viu-a, atônita, se mexendo, e virou o rostinho adorável primeiro para
Christopher, depois para Mary Hellen.
Ambos
acharam graça diante de sua estranheza. E gargalharam quando Ekhatherina
tentou galgar o assento, mas a lei da gravidade a fez cair sentada no carpete.
Um instante de tensão nublou seus olhinhos ao fitar Christopher.
— Você está bem,
querida. Não se preocupe. Não demorará a aprender a subir aí. — Aproximou-se e
tomou-lhe a pequenina mão. — Vamos mostrar a Mary Hellen onde fica o quarto
dela.
Embora
a criança não o compreendesse, curvou os dedinhos ao redor da mão de
Christopher. A caminho da porta, ele pegou a mala mais pesada com a mão livre e
se pôs a caminhar.
— Você e Ekhatherina dividirão um
banheiro, Mary Hellen.
— Não será problema. Eu dividia um com
um andar inteiro de famílias. Sou perita em tomar banho em apenas cinco
minutos.
— Bem, não haverá necessidade disso por
aqui. — Christopher entrou nos aposentos dela, pousou a mala no chão e acendeu
a luz. — Há bastante água quente, suficiente até mesmo para um longo banho na
banheira. Todos os dias, se você quiser.
Só de
imaginar-se num banho quente Mary Hellen gemeu de satisfação.
— Não faz idéia do quão maravilhoso isso
soa.
Quando
ela abriu os olhos, achou ter visto uma expressão diferente em Christopher.
Contudo, bastou um segundo olhar para a impressão desaparecer.
Mary
Hellen observou ao redor do quarto decorado em tons de verde-claro e creme.
— Bonito! Lindo, na verdade!
— Espero que fique confortável.
O tom
rude de Christopher a espantou. Virou-se para ele, que já se ocupara em pegar
Ekhatherina no colo e ajeitar seu vestido.
O que
havia feito ou dito para causar aquela mudança em Christopher? O que gerou a
estranheza que pairava no ar.
— Estou certa de
que ficarei muito bem.
Christopher foi para a saída
— Então, instale-se, Mary Hellen.
Levarei Ekhatherina para a cozinha e verei se posso preparar algo para
comermos. Não deve haver muita coisa na geladeira. Fiquei ausente durante um
bom tempo... Decerto teremos de nos contentar com biscoitos e sopa.
— Eu não me importo em cozinhar,
— Não — Christopher interrompeu-a com
firmeza, nem se importando em virar-se para ela. — Desça depois que tiver
desfeito a bagagem
Mary Hellen sentia uma grande confusão a envolvê-la junto com o frio proporcionado pelo
aparelho de ar-condicionado.
Por que aquela tensão
repentina?, perguntava-se.
Tolice,
pensou. Talvez estivesse imaginando coisas. Christopher devia estar tão cansado
quanto ela. Afinal, a viagem fora longa.
Colocou
a bolsa sobre a colcha. O carpete e as paredes do aposento eram do mesmo tom
suave de verde. As cortinas combinavam com a coberta do leito.
Calmaria.
Serenidade. Era o que pairava naquele ambiente.
Mary
Hellen suspeitava que Christopher fizera com que o cômodo fosse decorado por um
profissional também, assim como o de Ekhatherina. A elegância contida na
simplicidade era inegável.
Tirou
da pequena mochila a escova de cabelos e o pente, colocando-os na cômoda.
Mirou-se no espelho. As longas horas de Kyreznóvia para os Estados Unidos
deixavam suas marcas em sua expressão. A maquiagem borrara, os fios se
encontravam em desalinho.
Em vez de desfazer a
bagagem, Mary Hellen achou melhor ir ao banheiro refrescar-se. Nunca fora
vaidosa, e por esse motivo não entendia direito a súbita urgência em melhorar a
aparência. Entretanto, decerto relacionava-se a Christopher, que a aguardava no
andar térreo.
Mary Hellen desceu os
degraus, usando o olfato para guiá-la até a cozinha. Lavara o rosto, escovara
os dentes e se penteara. E retocara a pintura. Os poucos minutos que passara no
banheiro foram suficientes para que se sentisse renovada.
Entrou na cozinha, e
logo deparou com as costas largas de Christopher. Os músculos dos ombros
flexionavam e relaxavam enquanto ele lidava no fogão. Os movimentos eram
hipnotizantes. A pulsação de Mary Hellen acelerou.
Obrigou-se
a respirar com vagar. Baixou as pestanas, na tentativa extrema de conter-se.
Desesperada por
encontrar algo mais em que se concentrar, observou ao redor. Tudo ali era
impecável, com seus armários brancos e utensílios cromados. Um local espaçoso,
no estilo típico das casas de fazenda, arejada e espaçosa.
Enfim,
quando sua pulsação voltou à normalidade, Mary Hellen deu mais alguns passos.
— Omelete — disse ela, sorrindo ao ver
Christopher colocar os ovos mexidos na panela.
— Sim. Não havia sopa nas prateleiras.
Espero que goste de ovos. É tudo o que temos. Precisarei ir ao mercado amanhã.
— Estou com tanta fome que seria capaz
de comer qualquer coisa.
Mary
Hellen estava feliz por Christopher parecer mais relaxado do que momentos
atrás, e também por ter conseguido dominar as emoções que tomaram-na no
instante em que o avistou ali dentro.
A
torradeira fez seu barulho característico, e Mary Hellen, no mesmo instante,
foi pegar as fatias torradas.
— Encontrei um
pacote de pão no congelador — ele falou. — Há manteiga na geladeira.
Passaram
os momentos seguintes preparando uma refeição simples. Ekhatherina comia as
uvas-passas que Christopher colocara na bandeja de seu cadeirão.
— Hum! — Mary Hellen sentou-se à mesa
ao mesmo tempo que ele. — Está delicioso, Christopher. Leve e saboroso.
— Eu misturo uma colher de chá de água
aos ovos para que fiquem umedecidos.
— E o queijo? —
murmurou, saboreando o gosto agradável.
— Tipo suíço. Tive de cortar as partes
ressecadas. Parece que você nunca tinha experimentado...
— Faz anos que não como. Os queijos
disponíveis na Europa em sua maioria são feitos com leite de ovelha ou de
cabra. Mas não são parecidos com este aqui. É maravilhoso!
Christopher riu.
— Ora, como é fácil satisfazê-la!
Percebendo o quão tola
devia estar parecendo, Mary Hellen enrubesceu. Aí, começou a rir de si mesma.
Deu de ombros e admitiu, com honestidade:
— Eu me esqueci
das coisas de que tinha saudade. — Levou à boca outra porção da omelete — Está
mesmo fantástica.
Depois
de devorar a última porção com o restante das torradas, Mary Hellen quis saber:
— Por que não deixa que eu limpe tudo?
Olharei Ekhatherina, e você poderá tomar um banho.
— Acho que aceitarei sua oferta. Mas
antes darei uma olhada nos cavalos, tentarei achar a gata, e só depois vou me
banhar.
Mais
tarde, depois que Ekhatherina já usava seu pijama, os três se sentaram no chão
do quarto da criança.
Haviam
apanhado blocos de madeira que Christopher comprara semanas antes, e ele e Mary
Hellen montavam torres para que Ekhatherina se deliciasse em derrubá-las. Em
breve, entretanto, a menina passou a fazer as próprias construções.
— Christopher, agora que você tem
Ekhatherina em casa, que tal fazer uma festa para apresentá-la a sua família e
seus amigos? Eu ficaria feliz em colaborar.
— Não é preciso isso. Mary Hellen. Não
tenho parentes. Bem, refiro-me à família próxima. Era filho único, e meus pais
morreram em um acidente de carro, oito anos atrás.
— Oh,
Christopher! Sinto muito...
Ele esboçou um sorriso doce.
— E as amizades que tenho fiz por
intermédio dos negócios. Estão espalhados pele país. e não somos próximos o
bastante para uma celebração tão pessoal. Além disso, me comunico com a maioria
através de correspondência eletrônica.
Como
devia ser solitário!, pensou Mary Hellen. Não tinha familiares, amigos
próximos, nem mesmo uma namorada... uma pessoa com a qual pudesse contar
durante essa nova fase de sua existência. Alguém a quem confidenciar as
dúvidas, os temores, triunfos e as alegrias.
— Sendo assim, não precisa notificar
ninguém a respeito da chegada de Ekhatherina? Não há alguém com quem queira
celebrar?
— Não sinta pena de mim, Mary Hellen.
Minha vida é tão plena quanto quero que seja. Tenho meu trabalho, meus cavalos,
minha gata. — Ele sorriu. — E agora, uma filha. Meu mundo expandiu-se muito
bem, se quer saber minha opinião.
"Mas
você precisa de alguém, Christopher. Deveria ter uma companheira, uma pessoa
adulta. Uma mulher... Uma esposa!"
Constatando
a própria posição, o pensamento logo precisou de uma correção. "Uma de verdade, quero dizer.
Alguém que esteja por perto para ajudá-lo a criar Ekhatherina."
Mas
Mary Hellen era a esposa dele. Por enquanto, pelo menos. Uma esposa temporária.
Seu jeito nômade não permitiria nada além disso.
Porém,
assim que o matrimônio fosse anulado, Christopher devia tentar encontrar uma garota
que pudesse ajudá-lo, de preferência para sempre, a montar um lar feliz para
Ekhatherina.
Seria o melhor. Para
Ekhatherina e para Christopher.
Mary
Hellen queria dizer-lhe tudo isso. Gostaria de discutir seu ponto de vista
quanto ao isolamento em que ele vivia. Christopher poderia achar que seu mundo
era amplo o bastante; pleno. Mas Mary Hellen não via assim.
No entanto, não poderia
revelar o que lhe ia em mente. Afinal, não o conhecia bem o bastante. Não sabia
como Christopher reagiria diante de um conselho não solicitado.
Teria de esperar um
pouco até conhecê-lo melhor.
Horas
mais tarde, Mary Hellen estava deitada na cama, fitando o teto, com o quarto às
escuras.
A exaustão
fizera com que bocejasse no dormitório de Ekhatherina, e Christopher sugerira
que fosse dormir.
Ele
achava que Ekhatherina ficaria acordada até tarde por causa da longa soneca que
tirara durante o vôo.
Quando
Mary Hellen ponderou que ele devia estar tão cansado quanto ela, e então se
oferecera para ficar com o bebê, Christopher, com gentileza, rejeitara a idéia.
Era o
pai da menina, agora, lembrou-a com orgulho. Precisava habituar-se a longas
vigílias, conforme todos os outros pais eram forçados a suportar.
Na
verdade, parecia até ansioso pela experiência, Mary Hellen notou. Por isso,
aceitara a sugestão. Entretanto, uma vez ali, não conseguia conciliar o sono,
embora estivesse cansadíssima.
Tentou ler e ouvir
música no rádio, mas nada adiantou.
Após o
que pareceu serem horas, virando-se de um lado para o outro, acabou se
levantando e foi para a porta. O que precisava, decidiu ao girar a maçaneta,
era de um copo de água gelada. Iria para a cozinha.
O luar
invadiu o corredor através da clarabóia, lançando sombras fantasmagóricas.
Mary Hellen avistou uma forma à soleira dos aposentos de Ekhatherina e percebeu
que era Christopher.
— Ela adormeceu? — Mary Hellen
sussurrou, a escuridão fazendo-a mover-se para mais perto do que seria seguro
para poder ver-lhe o rosto.
— Parece um anjinho naquele berço...
— Ela é um anjo, Christopher.
— Meu anjo. — Ele falou como que para si, e
pousou o olhar intenso em Mary Hellen.
Em
silêncio, pôs-se a fitá-la na penumbra durante segundos. Estendeu o braço e
tocou-lhe o queixo.
— E ela está comigo por sua causa.
Os dedos eram quentes
contra a pele dela. O coração de Mary Hellen disparou, mais uma vez. Analisou
Christopher. Quis afastar-se dele, mas não pôde. Estava perdida.
— Eu
estava lá, ninando Ekhatherina... — Christopher falava com suavidade, os dedos
escorregando pela face de Mary Hellen — ...e tudo o que ocorreu foi repassado
em minha memória. Devo-lhe tanto! Nunca serei capaz de pagar. Gostaria de
poder demonstrar toda minha gratidão.
A
quietude que se seguiu era tão extrema e penetrante como Mary Hellen jamais
sonhara ser possível. Algo estava prestes a acontecer, não tinha dúvida.
Algo maravilhoso.
Ou terrível. Não sabia
ao certo.
O
momento pareceu congelado no tempo. Ela sabia apenas que estava presa em uma
armadilha, incapaz de falar ou mover-se, enquanto esperava por alguma coisa que
não compreendia direito.
Christopher
se moveu. Não para longe dela, mas na direção de Mary Hellen. E tudo o que ela
pôde fazer foi baixar as pálpebras e prender a respiração.
CAPÍTULO VI
Calor.
Era a única sensação que Mary Hellen conseguiu identificar quando a boca de
Christopher pousou na sua de modo tão possessivo.
Então,
pouco a pouco, outras percepções invadiram seu cérebro. O sabor daqueles
lábios, da língua traçando o contorno dos dela...
Como
se possuíssem vontade própria, os braços de Mary Hellen enlaçaram o pescoço de
Christopher. Seus dedos mergulharam nos cabelos escuros da nuca, puxando a
cabeça para bem perto.
O
beijo tornou-se mais ardente, exigente, e Mary Hellen permitiu a ele
aprofundar-se ainda mais.
O desejo que a invadia
era tão puro que parecia vir de sua própria alma. Agarrou-se a Christopher, os
joelhos bambos. E a breve distância que percorreu apoiando-se no corpo forte
mudou tudo, intensificando as sensações que ela experimentava, barrando todo
seu raciocínio.
Podia apenas sentir as
coxas fortes contra as suas, a massa sólida do tórax pressionando seus seios,
as mãos em seu rosto e depois nas costas, o calor de Christopher penetrando
pelo tecido de sua roupa.
Mary Hellen gemeu,
envolvida em tanta volúpia.
Christopher
falou. Algo sussurrado, meio sem fôlego, que excitou-a, embora não o tivesse
escutado com clareza.
O que disse? Teria
murmurado seu nome?
Piscou
algumas vezes, e percebeu que ele afastara-se um pouco. Encarava-a, a expressão
impenetrável.
Mary
Hellen engoliu em seco e sentiu um arrepio. Experimentou um medo tão intenso
que mal foi capaz de suprimir um grito. Afastou-se, confusa e amedrontada.
— Desculpe-me... — disse Christopher.
Mary
Hellen fitava-o, quase em pânico. Sentia-se como um animal selvagem encurralado
por um caçador experiente. Devia escapar.
— Mary Hellen...
Por
algum motivo desconhecido, o pesar que decifrou na voz de Christopher pareceu
apenas aumentar o horror que sentia. Nem lhe deu oportunidade de dizer outra
palavra. Girou nos calcanhares, correu para o quarto e fechou a porta.
O pêlo
do cavalo parecia veludo. Mary Hellen afagou de leve o focinho preto do animal,
sussurrando-lhe um cumprimento.
Fora
ao estábulo com a intenção de dar uma olhada nos cavalos antes de entrar para
preparar o desjejum. Entretanto, quando viu-se em pé ali, sua imaginação criou
asas.
Já
estava ali fazia tanto tempo que um dos animais aproximara-se, pressionando o
focinho contra o portão, querendo mais carinho.
— Mas que lindo menino!
O
cavalo era negro. Seu pêlo magnífico brilhava ao sol matinal que entrava pelas
amplas portas da cocheira. A musculatura era bem desenvolvida, e a cauda, tão
longa que podia chegar ao chão.
Quando
a enorme montaria aproximou-se pela primeira vez, Mary Hellen ficou hesitante.
Mas fora um cumprimento. E o cavalo demonstrou satisfação quando ela começou a
acarinhá-lo. Agora, bem confortável em sua companhia, estava tranquilo, e Mary
Hellen, sossegada para deixar a mente vagando.
Como Christopher
e ela acabaram se beijando, na véspera? Era a última coisa que pudera esperar.
Não,
isso era mentira. Bem no instante final, soube que algo estava prestes a
ocorrer. Mas um beijo? Fora uma surpresa.
Mas
como ocorreu? Por que ficara tão apavorada? Por que tanto temor?
Já
fora beijada antes. Tinha vinte e seis anos, afinal de contas. Namorara alguns
rapazes... Não muitos, era verdade, mas o suficiente para não assustar-se mais.
Já tivera sua boa parcela de beijos de boa-noite.
Então por que tanta ansiedade?
O
assunto causava-lhe dor de cabeça. Ora, o medo que a engolfara, na ocasião, não
importava, concluiu em silêncio, afugentando as conjecturas inquietantes.
Precisava manter seu
relacionamento com Christopher em um nível platônico. A Europa era seu futuro.
Tinha crianças a instruir. Portanto, não podia envolver-se.
Teria
de dizer isso a Christopher, decidiu. Era necessário passar por cima das
regras que criaram quando ela concordou em viajar para os Estados Unidos para
tornar-se babá de Ekhatherina. Teria de deixar muito claras suas intenções.
— Bom dia!
Mary
Hellen ficou petrificada por um segundo. Em seguida, num esforço, conseguiu
virar-se, para ver Christopher em pé ao batente, a luz matinal muito forte
emoldurando-o. Majestoso, adiantou-se, e o cavalo balançou a cabeça em óbvio
reconhecimento.
Mary Hellen afastou-se
da baia.
— Olá —
respondeu, sentindo um pouco de falta de ar. Christopher estendeu-lhe uma das
xícaras de café fumegante que trazia e observou-a inalando o aroma tentador.
Mary Hellen
estava linda, com a luminosidade intensa acentuando o tom avermelhado dos
cabelos. Christopher sentiu um calafrio. Sabia o que o atormentava: desejo.
Sentira-o na noite anterior, quando Mary Hellen gemera de modo tão delicioso em
resposta a sua sugestão de tomar um longo banho de imersão.
Aquele
gemido evocara uma luxúria que ameaçara consumi-lo. Christopher procurara
lutar contra aquela necessidade. Porém, ao fazer isso, acabou sendo rude com
Mary Hellen. Tinha certeza de que ela percebera.
Aquele
beijo nunca devia ter acontecido, afirmou, pela milionésima vez. Nada de bom
decorreria disso, a nenhum dos dois.
Por
esse motivo estava ali. Viera pedir desculpa e prometer que seu comportamento
tempestuoso não se repetiria. E, a contar pelo modo como Mary Hellen correra
para o quarto, na véspera, estava certo de que ficaria feliz e aliviada em
ouvir o que tinha a lhe dizer.
— Obrigada.
Christopher observou-a
tomando um gole.
— Vejo que você encontrou Pepper.
— Então esse é seu nome.
— Sim. Já se chamava assim quando o
comprei. É um morgan.
Mary Hellen franziu a
testa.
— Morgan é uma
raça originária de Massachusetts — explicou, Christopher, passando a palma pelo
pescoço de Pepper. — Seus exemplares são reconhecidos com facilidade por causa
da cabeça curta e larga e o pescoço fino. Acho que, embora ele seja bastante
independente,
é dócil o suficiente para passeios.
é dócil o suficiente para passeios.
— Quer dizer que Pepper tem boas maneiras,
não é?
Christopher
sorriu.
— Com um nome como Pepper, que
significa pimenta, você pode pensar que não. Mas é meigo e obediente.
— E bonito.
"Não
tão tanto quanto você, Mary Hellen." Christopher se aborreceu por não
conseguir conter essas observações fora de hora.
Entretanto,
afirmara dezenas de vezes, ao se virar de um lado para o outro na cama, que era
natural que se sentisse fisicamente atraído por Mary Hellen.
Ela era uma belíssima
ruiva. Um homem teria de ser frio como uma pedra para não julgá-la maravilhosa.
Contudo, Christopher recusava-se a arruinar o arranjo que fizeram.
Mary
Hellen deixara claro que não ficaria por ali, o que se adequava à perfeição aos
propósitos de Christopher.
Mesmo
que Mary Hellen não tivesse afirmado que pretendia ir para a Europa, ainda
assim Christopher não gostaria de aproximar-se muito dela. Aquela jovem era
muito simpática e boa de coração para ter a vida posta de cabeça para baixo
pela bagagem emocional dele.
— E quanto a este
camarada aqui? — A pergunta de Mary Hellen chamou-lhe a atenção.
Viu-a
na baia oposta do estábulo. Procurava fazer com que Blaze se aproximasse, mas o
cavalo permanecia perto da parede mais distante da entrada.
— Blaze é um tanto tímido. Mas se
comportará melhor depois que se habituar a sua presença.
— E de que raça ele é?
— É um quarto de milha. O nome vem de
um teste de qualidade estabelecido pelos criadores originais da Virgínia e
relaciona-se à habilidade dos animais em correr por um quarto de milha.
Durante
alguns segundos, Mary Hellen pareceu não saber o que dizer. Por fim, comentou:
— Você conhece bastante acerca de seus
bichinhos.
— Nem tanto assim. Sei apenas que são
criaturas graciosas e belas. E isso me basta.
Sobreveio
um silêncio desconfortável. Os dois beberam café, mas era evidente que
sentiam-se perturbados.
— Ekhatherina está dormindo,
Christopher?
— Sim.
Mary Hellen forçou-se a
sorrir.
— Mary Hellen, ouça...
Quanto a ontem...
Ela desviou o olhar, parecendo inquieta.
— Não sei o que
deu em mim — prosseguiu Christopher. — Foi tudo culpa minha, e peço que me
perdoe. Quero que você saiba que... que não vai se repetir. Preciso de sua
ajuda. Ekhatherina também. Foi loucura eu ter feito o que fiz. Não quero
estragar nosso acordo. Por isso, espero que aceite meu pedido de desculpas e a
promessa de que aquilo não tornará a acontecer.
Não houve resposta
imediata.
— Tudo o que
posso falar em minha defesa é que era tarde, e passamos o dia todo viajando...
E então eu estava acordado com Ekhatherina... E muito cansado...
Mary Hellen fitou-o.
— Ambos estávamos exaustos, Christopher.
Ele
estranhou a melancolia que captou na voz de Mary Hellen.
— Você não tem nada de que se
desculpar, Mary Hellen. Sou o único culpado. Assumo plena responsabilidade. E
sinto muito. Do fundo do coração.
— Mas... conforme disse, Christopher,
não vai acontecer de novo.
Christopher assentiu,
aliviado por notar que Mary Hellen também estava ansiosa por deixar o assunto
no passado.
— Tem
minha palavra de honra.
Ela
esboçou um largo sorriso, então, e foi como se o astro-rei tivesse acabado de
nascer no horizonte.
O ruído de Ekhatherina
chorando veio da casa próxima.
— Parece que minha garotinha acordou. É
melhor eu tirá-la da cama.
— Vou preparar torradas, Christopher.
Contudo, devo admitir que preferiria cuidar de Ekhatherina. Eu sou a babá, você
sabe... E devo fazer algo para justificar minha permanência.
Christopher
ficou contente quando constatou que seu pedido de desculpas abrandara o clima
pesado. Parecia que o relacionamento estava de volta ao eixo correto.
— Já tem feito
demais, Mary Hellen. Pressinto que Ekhatherina vá desejar conhecer muitas
coisas em seu novo lar. Estou feliz por você estar aqui para me auxiliar a
ensinar-lhe tudo.
Foram
juntos para a residência, lado a lado, bem mais relaxados e leves.
Os
dias daquela primeira semana passaram em uma rotina de paz. Christopher
trabalhava até altas horas para aproveitar a maior parte do tempo com a filha.
Ligava o computador
antes do nascer do sol e trabalhava algumas horas até Ekhatherina acordar.
Quando a criança tirava uma soneca, mais adiante, ele ia de novo para o
escritório. Ou, caso o serviço exigisse sua atenção imediata, colocava a menina
no chão do escritório para brincar com blocos coloridos ou outros brinquedos.
Durante
o período em que Christopher necessitava se dedicar por completo aos afazeres,
Mary Hellen oferecia-se para levar Ekhatherina a um passeio, para que não fosse
perturbado. Mas Christopher não aceitava.
Seu argumento fora que a
filha tinha de habituar-se à idéia de que o novo papai trabalhava em casa. Se
deixasse Mary Hellen cuidar de Ekhatherina naquele momento, o que faria
quando ela tivesse de partir?
Não,
dissera, era melhor para a menina ajustar-se ao padrão de brincar a seu lado
quando ele precisava ficar ao computador. E Mary Hellen teve de concordar.
Claro,
dissera-lhe Christopher, ela era mais do que bem-vinda a juntar-se às
brincadeiras de Ekhatherina, e Mary Hellen com frequência fazia isso.
Ela
havia conhecido Bob, o ajudante de Christopher na manutenção da propriedade.
Era um homem de idade, muito gentil, que chegava todas as manhãs para alimentar
e escovar os cavalos, cortar a grama ou ajeitar as floreiras. Sempre ia embora
antes do meio-dia.
Mary
Hellen descobriu ao longo da semana que seu horário mais solitário era durante
a hora e meia em que Ekhatherina dormia.
Christopher
sempre estava ocupado com seus afazeres, e Mary Hellen, portanto, era deixada
sozinha. Então, lavava algumas roupas ou fazia longas caminhadas, lia livros e
assistia à televisão.
A
atmosfera amigável que desenvolveram era excelente, como devia ser. Riam,
faziam as refeições e se dedicavam a Ekhatherina, nenhum dos dois tendo de
preocupar-se com aquela complicação desconcertante chamada "atração".
Não
que Mary Hellen julgasse Christopher menos atraente agora do que antes do
beijo. Se afirmasse isso, estaria mentindo.
Christopher
era muito bem-apessoado e inteligente... e amava com loucura a pequenina
Ekhatherina. Esse era, a propósito, seu traço mais sedutor.
Quando Christopher ria
por causa de alguma atitude da menina, Mary Hellen julgava-se diante do sorriso
mais charmoso e irresistível do planeta.
Sim,
precisava admitir que Christopher era o homem mais belo e másculo que conhecia.
E ela sentia-se livre para assumir isso para si, por causa da promessa de
Christopher.
Quando
ele explicou que o beijo se devera ao fato de estar exausto, Mary Hellen
lembrou-se de ter admitido que ambos estavam muito cansados.
Sim,
tivera uma necessidade desesperada de explicar a própria participação ansiosa
no evento passional. Entretanto, o importante era que Christopher lhe
garantira que aquilo não se repetiria.
Christopher não a beijou
porque sentiu-se atraído por ela. Por algum motivo, ao saber disso, Mary Hellen
viu-se livre para admirá-lo a distância, sem sofrer com a ansiedade e
confusão.
Deliciava-se
em observá-lo com Ekhatherina. Ou quando estava tão concentrado defronte ao
computador nas horas em que ela e a menina se divertiam em silêncio no carpete.
Outra
qualidade sua era cavalgar com maestria. Christopher era um cavaleiro
magnífico, as coxas musculosas flexionando-se ao instigar Blaze a seguir
adiante.
Mary
Hellen sabia que o ajudava bastante. Aos catorze meses de vida, Ekhatherina não
falava muitas palavras. Entretanto, adorava usar as poucas que conhecia, mostrando-se
muito curiosa, inteligente e comunicativa.
Por
essa razão, Mary Hellen estava feliz em ser capaz de interpretar o que a menina
dizia. Em breve, esperava, Ekhatherina começaria a falar um pouco de inglês.
— Ei...
A voz
de Christopher a fez desviar os olhos da revista que esteve folheando.
— Ekhatherina
acordou, Mary Hellen. O que acha de irmos a um shopping center? Estamos
enfurnados nesta casa por tempo demais!
Mary Hellen achou graça
e deixou a revista de lado.
— Eu adoraria! — Levantou-se, ajeitando as
pregas da saia longa. — Não vou a um grande e glorioso shopping center desde
que deixei os Estados Unidos!
Ekhatherina
saboreava uma mamadeira com suco de maçã gelado.
Quando
Christopher estacionou e desligou o motor, Mary Hellen ficou olhando para o
belo prédio, e sentiu um arrepio de excitação.
Como a
maioria das mulheres, adorava fazer compras. E não existia nada parecido com
aquela construção nos pequenos países do leste europeu nos quais permaneceu nos
últimos cinco anos. E, mesmo que houvesse, sua remuneração módica não lhe
permitiria extravagâncias.
O
dinheiro era gasto com itens de primeira necessidade, como comida, aluguel e
roupas. E as únicas peças que adquirira eram baratas, para substituir as que
tornaram-se muito gastas.
Christopher
ajeitou Ekhatherina em um carrinho de bebê. A criança olhava ao redor,
parecendo maravilhada.
— Cada experiência parece encantá-la —
Christopher observou.
Mary Hellen assentiu.
— Uma boa parte desse comportamento
relaciona-se à idade dela. Bebês costumam ser curiosos. Mas uma boa parcela,
tenho certeza, advém do fato de, decerto, ter nascido em uma família pobre.
Caso contrário, teria encontrado um lar com parentes quando os pais morreram.
Ekhatherina nunca deve ter andado em um carro ou outro veículo motorizado. Tudo
é novo para ela.
— É quase como se minha filha estivesse
em um grande parque de diversões.
— Algo assim.
Adentraram
o edifício refrescado pelos aparelhos de ar-condicionado, e Mary Hellen não
pôde conter a alegria.
— Você nem pode
imaginar como isto tudo é fabuloso. — Seu olhar passeava pelas vitrines
coloridas.
Havia
uma loja de artigos eletrônicos vendendo computadores, telefones e minúsculos
rádios portáteis. Outra, roupas femininas. E aquela mais adiante, livros de
todo tipo.
Havia
também CDs e fitas cassete de todas as músicas imagináveis. E tratava-se apenas
do que estava no campo de visão de quem acabava de entrar.
Mary
Hellen mordeu o lábio ao contemplar algumas roupas coloridas.
O riso de Christopher
chamou sua atenção.
— Você parece uma
criança pressionando o nariz no vidro de uma doceria.
Mary Hellen gargalhou.
— Isso é o que eu chamo de uma
comparação perfeita. Não faz idéia de como fazer compras por onde estive é
diferente, Christopher.
— Tem razão. Não
posso imaginar. Sendo assim, conte-me.
— Bem, a economia da maior parte dos
países do bloco leste, onde eu estive dando aulas, está empobrecida. Faltam
muitas mercadorias. Até pouco tempo atrás, as mulheres costuravam ou
tricotavam as vestimentas. Algumas ainda fazem isso. E, com uma renda familiar
que varia em torno de duzentos a trezentos dólares por mês, não há muito
dinheiro para itens de luxo, como camisolas de cetim ou blusas de seda. Isso
tudo nem mesmo é encontrado por lá. Apenas tecidos fortes, duráveis. É isso o
que as pessoas são forçadas a adquirir, o que elimina a diversão de fazer
compras.
— Compreendo...
— E alguns itens muito necessários também
podem ser dificílimos de serem encontrados, Christopher. Quando me mudei para Kyreznóvia,
levei duas semanas inteiras para encontrar uma pequena geladeira. E era de
segunda mão.
— Nossa! Que coisa estranha para a
realidade por aqui. Acho que sinto-me um tanto culpado por possuir tanto.
— Não se sinta. Você trabalha duro para
ganhar o que ganha. Apenas demonstre gratidão por tudo o que pode ter.
— Tentarei manter isso em mente.
Christopher,
um tanto ausente, empurrava o carrinho de bebê para frente e para trás, para
manter Ekhatherina tranquila.
Uma
blusa de seda belíssima chamou a atenção de Mary Hellen, que suspirou.
— Que linda!
— Vamos entrar — sugeriu Christopher. —
Você poderá experimentá-la.
— Oh, não! Não posso arcar com essa
despesa.
— E daí? Desde quando isso impede uma
mulher de experimentar coisas bonitas?
Mary
Hellen teve de rir. Por fim, deu de ombros e sentiu um arrepio de antecipação
diante da perspectiva de ter o tecido macio entre os dedos.
— Está bem. Você está certo.
O
tecido parecia mágico. Mary Hellen passou os braços pelas as mangas curtas e
fechou os botões. Mirou-se no espelho. A cor era tão bela... Roupas como aquela
não estavam disponíveis em Kyreznóvia.
Vestiu
o short que complementava o traje, subiu o zíper e ajeitou o cinto de couro.
Então, saiu do provador.
— Céus! — Christopher exclamou. — Está
encantadora! Mary Hellen enrubesceu.
— Obrigada...
A
vendedora ofereceu-lhe outra roupa coordenada para experimentar.
— Não, muito agradecida. Estamos apenas
nos divertindo.
Christopher
arqueou as sobrancelhas.
— Há algum motivo
para não nos divertirmos um pouco mais? — indagou, maroto.
Aquele homem era
impossível, Mary Hellen decidiu.
— Está bem — acabou capitulando.
Mary
Hellen entrou quatro vezes no provador. Colocou dois shorts, um vestido
azul-turquesa e uma saia preta com blusa azul combinando.
Christopher
opinou sobre cada detalhe, e Mary Hellen mal conseguia conter a satisfação. A
apreciação dele fazia-a sentir-se feminina. Bonita.
Logo após, deixou o
provador usando os próprios trajes.
— Chega, Christopher! Ele limitou-se a
rir.
— Embrulhe tudo — disse, categórico, à
vendedora.
— Não, Christopher! — Mary Hellen
meneou a cabeça. — Eu as vesti apenas por brincadeira. Foi o quem você disse!
— E será ainda mais divertido se
ganhá-las, não concorda?
— Mas...
— Deixe-me fazer isso por você, Mary
Hellen. Eu quero. — E estendeu o cartão de crédito à moça do caixa para pagar
pelas compras.
Antes
de deixarem o shopping, Christopher comprara alguns programas de computador;
uma despesa de negócios, conforme chamara.
Ekhatherina
ganhara uma roupa nova e um cachorrinho dálmata de pelúcia, que a menina
recusou-se a deixar que embrulhassem. Queria carregar o lindo presente debaixo
do braço.
Além dos trajes, Mary
Hellen também ganhou um par de sandálias.
— Mas são tão
frágeis! — falara para Christopher quando ele insistira que ficasse com ela. —
Não durarão muito.
Christopher dera de
ombros.
— Porém, estão na
moda.
E os dois desataram a rir.
Entraram
no automóvel de Christopher e afivelaram os cintos de segurança.
— O que acha de jantarmos, Mary Hellen?
Ekhatherina deve estar faminta.
— Ótimo!
— Então, o que será? Comida indiana?
Italiana? Francesa? Esta cidade oferece tudo o que pudermos desejar.
Christopher
conduziu o carro pelo tráfego, e Mary Hellen ficou a observá-lo.
Devia
perguntar? Será que Christopher ficaria aborrecido se lhe dissesse o que
gostaria mesmo de comer?
— Bem, se você quer mesmo saber...
Christopher olhou-a de soslaio.
— Quero, sim.
Mesmo assim, Mary Hellen
hesitou. Afinal, criou coragem.
— Eu gostaria de um hambúrguer.
— Hambúrguer?!
— Pois é... Mas não qualquer um. Quero
que seja de um fast-food.
— Você está brincando, não é?
— Não, Christopher. Não há nada como
uma boa e velha comida engordurada de fast-food... Nem me lembro quanto
tempo faz que não como.
Mary
Hellen fez uma expressão sofredora, e Christopher gargalhou.
— Está bem... Se é isso o que você deseja,
é o que terá.
Depois
que a última batata frita foi devorada e foram consumidos os últimos goles de milk-shake,
Christopher falou:
— Bem, acho que agora todos poderemos
ir para casa bastante satisfeitos.
— Sou uma mulher com roupas novas,
sapato novo, e devidamente abastecida de tudo o que há de melhor e mais cheio
de calorias em um fast-food. Mas não acho que esteja na Filadélfia.
Christopher
amassou os guardanapos de papel e colocou-os na bandeja.
— E onde acha que está? — indagou,
bem-humorado.
— No paraíso.
Ele meneou a cabeça, um
tanto triste.
— Como é fácil satisfazê-la...
Mary Hellen sentia-se
bem. Feliz até. Ela, Christopher e Ekhatherina passaram uma tarde maravilhosa,
fazendo compras, comendo e rindo.
No
trajeto para a residência, não pôde conter a sensação de que chegava o momento
apropriado para conversar com Christopher acerca de suas observações e
dizer-lhe o que lhe ia no íntimo.
Christopher precisava de
uma esposa, uma boa mulher que pudesse ajudá-lo a construir um lar para Ekhatherina.
Alguém com quem dividisse a vida cotidiana.
Quando a idéia lhe
ocorreu pela primeira vez, não achou que conhecia-o o suficiente para lhe dar
conselhos. Mas uma semana inteira se passara, durante a qual partilharam todas
as horas livres. E, após aqueles momentos adoráveis, talvez Christopher
estivesse aberto ao comentário amigável.
Mary
Hellen virou a cabeça e viu Ekhatherina mastigando a orelha de seu novo
bichinho de pelúcia. Em seguida, olhou para o belo perfil de Christopher e
prendeu a respiração por uma fração de segundo, enquanto decidia como abordar o
assunto.
Não
liavia um jeito adequado. Assim, era melhor ir direto ao assunto:
— Saae
do que você precisa? — Sem dar a Christopher ím momento sequer para ponderar
sobre a resposta, ela bem taxativa: — De uma esposa.
CAPÍTULO VII
— O quê? — Christopher
arregalou os olhos. Mary Hellen tinha de admitir que ele parecia mesmo
perplexo. Era óbvio que ouvira o que ela disse, mas parecia não saber de onde
aquela sugestão fora tirada.
— Bem, eu... —
Sentiu-se insegura quanto à pertinência de dar o conselho. Mas acabou
repetindo: — Uma esposa. Mas de verdade. Uma mulher que...
A
confusão na expressão de Christopher pareceu dissolver-se no mesmo instante.
— Pois eu já
tenho uma esposa, muito obrigado. — O tom de voz era muito agradável.
Brincalhão
até, e Mary Hellen notou que quase sorria. Um pensamento lhe ocorreu. Talvez
Christopher achasse que estava brincando.
— Falo sério, Christopher.
Ele a
fitou, de novo parecendo confuso. Então, voltou a atenção para a pista.
— Tem uma vida muito solitária,
Christopher. Seria bom para você e para Ekhatherina se tivesse alguém com quem
contar e partilhar o dia-a-dia. Quer dizer... estou aqui agora. Rimos juntos
das trapalhadas de Ekhatherina...
Mary
Hellen observou o horizonte, rememorando a semana que passou.
— Houve alguns
momentos em que ela nos deixou apavorados porque não conseguíamos encontrá-la.
E durante o tempo todo Ekhatherina esteve sentada dentro do armário,
divertindo-se com seus sapatos.
Christopher gargalhou.
— Ekhatherina havia alinhado todos os
pares. Estava fazendo um trem.
— E quando Ekhatherina viu Chunky pele
primeira vez, gritou, muito alegre, e foi engatinhandc atrás da gata com a rapidez
que suas perninhas permitiam.
— E Chunky saiu correndo também. A
pobrezinha não saiu de debaixo da poltrona durante horas.
Mary
Hellen permitiu que o silêncio caísse entre os dois, durante alguns minutos.
— Você terá milhares de acontecimentos
desse tipo no decorrer do desenvolvimento de Ekhatherina. Deve ter alguém com
quem dividi-los. Tem sido muito agradável para mim ser essa pessoa, contudo,
está chegando a hora de eu partir. Precisará de alguém, Christopher.
— Dividirei os momentos com
Ekhatherina.
"Não
é a mesma coisa", queria lhe dizer. Mary Hellen ficou imaginando se
Christopher relutava em seguir seu raciocínio de propósito.
— Você passará
por algumas dificuldades, Christopher. Quando Ekhatherina entrar em contato com
outras crianças, decerto se machucará um pouco. E poderá pegar resfriados e
infecções de ouvido assim que o clima esfriar. Necessitará do apoio de uma
esposa de verdade. Essa
seria a solução perfeita.
seria a solução perfeita.
O riso leve que ele
emitiu era forçado.
— Acredite em mim, Mary Hellen, minha
filha é a única mulher de que preciso junto de mim.
"Muito bem, seja
fui tão longe assim, não retrocederei."
— Você me falou que é um solteiro
convicto, mas, para ser honesta, não achava que quisesse permanecer assim para
sempre. Hoje em dia, tenho a impressão de que não pretende se envolver nunca.
Christopher adentrou a
rua principal da vizinhança.
— Eu lhe disse
isso quando nos conhecemos.
Mary Hellen deu de ombros.
— Sei disso. Mas
imaginei que fosse porque você ainda não tivesse encontrado a mulher certa. Ou
algo do gênero. No entanto, no decorrer das últimas semanas, ouvi certos comentários
seus... os quais levaram-me a acreditar que pretende permanecer solteiro.
Mary
Hellen sentia-se afundando em areia movediça, mas não conseguia deter-se.
— Foi magoado no passado, Christopher?
Ou melhor, você não tem de me contar se não quiser. Mas é terrível que não seja
capaz de confiar em ninguém. Nem todas as mulheres...
— Espere aí! — Ele virou o volante e
direcionou o automóvel para o estacionamento de sua casa.
Mas Mary Hellen não se
deixaria interromper:
— ...são diabólicas. Encontre alguém,
Christopher. É preciso ter consigo uma moça que deseje ficar...
— Está se oferecendo para a posição?
A pergunta inesperada
causou-lhe imensa surpresa.
— Claro que não! Não estou falando de mim,
Christopher. Como pôde pensar isso? Não posso ficar aqui, você sabe muito bem.
Refiro-me a Ekhatherina e ao novo papai dela. Vocês dois terão de...
— Pare!
A única palavra foi dita
em tom baixo, mas com firmeza.
— Você interpretou tudo errado, Mary Hellen.
Ninguém me magoou. Ninguém feriu meus sentimentos ou arruinou meu ego.
Tampouco arranhou meu orgulho.
Christopher estacionou,
desligou o motor e desceu do veículo. Abriu a porta traseira e desafivelou o
cinto de segurança de Ekhatherina.
Para
Mary Hellen, estava claro que tentava controlar a raiva. Como uma situação tão
simples saíra do controle?
Com
Ekhatherina apoiada no quadril e um dos braços da menina enlaçando-lhe o
pescoço, Christopher fitou Mary Hellen, que permanecia, atônita e imóvel, no assento
do passageiro.
— A despeito
daquilo em que você possa acreditar, não houve uma mulher malvada que destruiu
minha capacidade de confiar nos seres humanos, Mary Hellen.
Christopher
ajeitou a filha em uma posição mais segura em seus braços. Durante o tempo
todo, a menina segurava com a mãozinha livre o cachorro de pelúcia.
— Há muita gente
que me desperta confiança. Creia em mim, Mary Hellen. Se não fosse assim, eu
não teria confiado em você, que ajudou-me a conseguir o maior
tesouro do mundo.
tesouro do mundo.
Então, voltou-se para
Ekhatherina.
— Vamos, querida.
É hora de você tomar um bom banho e aprontar-se para dormir.
Christopher
fechou a porta do carro e foi na direção da residência, deixando Mary Hellen
sentada sozinha no mais absoluto silêncio.
Observou-o
desaparecendo casa adentro. Sentia-se ferida e colocada em seu devido lugar. E
quisera apenas oferecer um conselho amigável... Por que suas boas intenções
transformaram-se em algo ruim?
"Deixe
para lá", sua voz interna aconselhou-a. "Não é de sua conta."
Era ótimo que
Christopher não tivesse problemas em crer nas pessoas. Mary Hellen quase
assentiu ao lembrar-se da firmeza dele ao fazer a afirmação. Falava a verdade,
decidiu. E dera-lhe uma ampla prova disso. Se não confiasse nela, não teria
permitido que ficasse perto de Ekhatherina.
Mas por que...
"Já
disse para deixar para lá", a consciência repetiu o comando, dessa vez com
mais autoridade.
Mas Mary Hellen via-se
cada vez mais curiosa.
Christopher
confirmara sua aversão a casamento e relacionamentos. Contudo, se a antipatia
não fora causada por uma ex-namorada... o que houvera para que desenvolvesse
aquele seu jeito peculiar de pensar? Por que era tão categórico ao excluir de
vez a possibilidade do matrimônio e do amor?
Mary
Hellen permaneceu onde estava por bastante tempo, deixando que as questões
repletas de curiosidade tivessem livre curso em seu interior.
O
perfume feminino e floral que sempre emanava de Mary Hellen invadiu o
escritório de Christopher. Permeava o ar, abraçando-o, enchendo seus pulmões a
cada aspirar.
Os
dois trocaram poucas formalidades desde a noite em que Mary Hellen fizera
aquele estranho comentário.
Uma esposa... Achava que
ele precisava de uma esposa.
Christopher constatou,
então, que Mary Hellen apenas resolvera fazer a sugestão porque importava-se
com seu bem-estar e com o de Ekhatherina. Mary Hellen queria que a pequena
família ficasse bem quando a deixasse em busca do novo local para dar aulas. E
aí, após repassar a conversa e ponderar bem a respeito, Christopher compreendeu
que a motivação dela não fora nada egoísta.
Mas
sua reação irada erigira uma parede entre os dois, que ambos achavam impossível
destruir.
Christopher
devia pedir desculpas por ter sido tão grosseiro. Contudo, não conseguia tomar
tão nobre atitude, porque isso o forçaria a explicar seu comportamento. E era
algo que não se imaginava fazendo, de jeito nenhum.
Não
gostaria de ter de contar a Mary Hellen a verdade acerca de suas razões para
nunca pretender se casar.
Fitou
o lugar onde ela e Ekhatherina estavam, sentadas sobre o carpete. Mary Hellen
era uma linda mulher, com os cabelos ruivos caindo pelas costas e os olhos
verdes adoráveis.
Estar
no mesmo ambiente que ela era uma tortura. Ora, não era bem isso, emendou.
Aliás, apenas pensar nela já o torturava. O corpo de curvas generosas, o
aroma tão delicioso...
"Pare!",
ordenou-se. Aquela idéia era insana. Se continuasse naquele caminho, não teria
condições de conter a vontade de beijá-la de novo. Prendeu o fôlego, suprimindo
um protesto. A volúpia não podia tomar as
rédeas da situação!
— Olhe,
Ekhatherina — Mary Hellen falou com suavidade. — Papai está nos observando
desenhar.
Na
verdade, era Mary Hellen quem fazia o esboço, elaborando formas coloridas e
grandes, dando-lhes nomes em inglês, e assim tentando ensinar Ekhatherina.
O fato
de tê-lo flagrado deixou Christopher envergonhado.
— Isto é um
círculo, querida — ela disse à menina. — Um grande círculo verde.
Então,
Mary Hellen se virou para Christopher.
— A palavra
"círculo" é difícil de ser pronunciada. Porém, Ekhatherina estará
falando inglês em breve.
Então
era aquilo, Christopher constatou. A alegre mas forçada simpatia era como
concreto e blocos. Um obstáculo que Mary Hellen construíra para se proteger.
O
olhar migrou dele para o papel, confirmando a Christopher a existência dessa
barreira.
"Droga!"
Detestava o clima tenso. Olhou sem ver para a tela do computador. Como poderia
relaxar se era forçado a revelar...
— Christopher?
Virou-se
para deparar com o rosto de Mary Hellen. Algo em sua entonação deixou-o
apreensivo. As íris verdes continham um toque de melancolia.
— Sei que eu lhe
falei que ficaria para ajudá-lo durante alguns meses, mas talvez fosse melhor
que eu... — Sua voz faltou, e ela respirou fundo. Com maior determinação, prosseguiu:
— Acho que já é hora de eu partir. Você e Ekhatherina estão se dando muito
bem...
"...e
a situação entre nós dois está tão estranha!", Christopher deduziu a
mensagem silenciosa dela. Ficou nervoso.
— Você ainda não pode ir, Mary Hellen.
— Mas...
— A única razão de tudo estar correndo
de forma tão tranquila por aqui é sua presença como intérprete.
Mary Hellen pareceu em
dúvida.
— Já sabe a maior parte do que
Ekhatherina diz, Christopher. Ela pede leite, biscoitos, ou avisa que a fralda
está úmida. Coisas elementares. Você descobriria mesmo sem mim.
— Ainda não pode ir — repetiu.
Por
que Christopher sentia-se tão ameaçado com a sugestão de sua partida? A mente
dele girava tão depressa, mas não encontrava a resposta.
— A situação com
Ekhatherina pode estar sossegada — prosseguiu Mary Hellen —, contudo, as coisas
entre mim e você...
Ela
hesitou, cerrou os lábios e deu prosseguimento a seu raciocínio:
— Sempre fico
imaginando quando um de nós terá coragem de admitir que há nuvens densas
pairando sobre nossas cabeças. De novo.
Christopher não queria
discutir o assunto que surgiu no dia em que foram fazer compras. Não gostaria
de ter de explicar o próprio comportamento, sua ira. Por isso, optou pelo
silêncio.
— Olhe,
Christopher, nunca tive intenção de trazer discórdia a seu lar. Não pense que
deixei de notar como tem trabalhado pouco desde que sugeri que encontrasse uma
esposa verdadeira.
Mary
Hellen aguardava que ele dissesse algo. Mas Christopher não falou nada. Não
poderia.
— Eu devia ter guardado a opinião para
mim mesma. Sei disso agora. E lamento por tê-lo deixado bravo. Viver nesta
quietude tão cheia de estranheza é tolice. É hora de eu ir embora. Você poderá
me enviar os papéis para a anulação do casamento, e os assinarei.
— A anulação?
— Qual é o problema? Você tem cuidado
disso, não é mesmo?
— Mary Hellen, eu esqueci
completamente.
— Esqueceu?!
— Desculpe-me. Ligarei para meu
advogado hoje mesmo. Farei com que dê entrada na papelada. Não deve demorar
muito para que os trânsmites legais sejam realizados. — Pegou um pequeno
caderno preto de endereços e foi para a saída do escritório. — Fiquem à vontade
aqui. Usarei o telefone da cozinha.
Christopher
não compreendia a reação frenética que teve diante da possibilidade concreta de
perder Mary Hellen. Embora soubesse que tratava-se de uma oferta de paz,
sentira-se ameaçado.
Por
isso, quis sair rápido de perto dela. Não entendia o motivo de sentir-se assim.
A
soleira, virou-se para encará-la, tentando com estoicismo acalmar os nervos e
se controlar.
— E quanto ao
problema entre nós, Mary Hellen, teremos uma conversa, está bem? Ajeitaremos
tudo. Tornaremos a situação melhor. Não quero que você se sinta desconfortável
quando estiver perto de mim. No entanto, insisto que não pode ir ainda. Não até
Ekhatherina poder comunicar-se comigo. Eu... preciso de você.
Era o
máximo que Christopher era capaz de admitir. Logo em seguida, girou nos
calcanhares e escapou dali.
Naquela
noite, Christopher não conseguiu conciliar o sono. Por isso, foi para a sala e
ligou o aparelho de televisão.
O
noticiário, na voz do âncora, não o resgatou das conjecturas atribuladas.
Ficara arredio e
preocupado durante toda a noite. Ekhatherina percebera sua agitação e acabara
ficando irrequieta também e recusando-se a ir para a cama. Por fim, a menina
chorara até adormecer, enquanto ele cantava todo seu repertório de canções de
ninar.
Era a
primeira vez que isso acontecia desde que deixaram a Kyreznóvia. Mary Hellen
ficara ao batente do quarto da criança e perguntara apenas uma vez se poderia
fazer algo para ajudar.
Christopher
declinara da oferta, sentindo necessidade de lidar com o problema sozinho. Por
fim, Mary Hellen fora para seus aposentos e se trancara lá dentro, deixando-o
ao mesmo tempo aliviado... e muito solitário.
Sabia
que estava errado. Precisava agir direito com Mary Hellen.
O
relacionamento dos dois era muito volátil. Como uma pipa ao vento, ia para
frente, depois mudava para a esquerda ou direita, sem aviso algum.
Haviam
começado muito bem. Então ele cometera o erro de beijá-la. Em breve, aclararam
e explicaram tudo. Em seguida, entretanto, Christopher ficara bravo diante da
simples sugestão de que devia se casar.
Sim,
decidiu, a amizade deles parecia-se com um brinquedo, uma gangorra de parque
de diversões.
Precisava restaurar a
atmosfera de paz com Mary Hellen. Todavia, a questão seria se desculpar sem
revelar demais. Não gostaria que ela soubesse muitos detalhes acerca de seu
passado. Se isso ocorresse, decerto Mary Hellen viria a ter uma imagem ruim a
seu respeito.
Naquele
instante, Mary Hellen entrou na saleta. Christopher prendeu a respiração. Ela
parecia uma visão usando a camisola simples e branca, as alças finas revelando
o colo e os ombros alvos.
— Sinto muito, Christopher. Não sabia
que você estava aqui.
— Não tem problema.
Algo no olhar de Mary
Hellen fê-lo indagar:
— Você está bem?
— Eu... apenas tive um sonho ruim. E
achei ter ouvido algo lá fora.
Christopher postou-se na
beirada do sofá.
— Estou aqui há algum tempo, e não ouvi
nada. Mary Hellen ainda parecia inquieta. Ele se levantou.
— Vou dar uma olhada na varanda.
O
alívio e a gratidão refletidos no lindo semblante eram uma recompensa
antecipada para Christopher.
A noite não tinha vento.
Estava quente e sossegada.
Christopher
verificou o perímetro da residência e a garagem, e então foi para o estábulo.
Ambos os cavalos mostravam a respiração pausada e lenta, o que demonstrava
estarem adormecidos.
O
único movimento se deu quando Chunky surgiu de um canto da cocheira e
enrolou-se nas pernas de Christopher em busca de um pouco de atenção.
Ele inclinou-se e acarinhou
as orelhas da bichana.
— Está caçando, menina?
Chunky
miou e depois correu para as sombras deixadas pelo luar.
Quando Christopher
retornou a casa, Mary Hellen já tinha ido para o andar superior colocar o robe.
As curvas delgadas e os ombros não mais estavam visíveis, mas Christopher sabia
que, para vê-las, bastaria fechar os olhos e recordar.
— Está tudo em ordem, Mary Hellen. Tudo
quieto lá fora. Nem sinal de problemas.
— Melhor assim. Fiz um pouco de chá
para nós. Espero que não se importe em ter um pouco de companhia. As vezes
tenho dificuldade para adormecer. É raro, mas esta noite parece ser uma destas
ocasiões.
O
sorriso delicado, como que pedindo desculpa, enterneceu-o. Mas imaginar que
Mary Hellen poderia estar com insônia por causa do que lhe dissera encheu-o de
uma terrível sensação de culpa.
— Ouça, Mary
Hellen, lamento muito se... se a tensão entre nós a está aborrecendo a ponto de
tirar seu sono.
Sentou-se no sofá ao
lado dela.
— Estive pensando
sobre mim e você. Cheguei à conclusão de que nossa amizade parece uma
gangorra. É assim desde que nos conhecemos. Em um minuto, estamos nos
divertindo juntos. No seguinte, estou sendo grosseiro.
divertindo juntos. No seguinte, estou sendo grosseiro.
A lembrança de tudo o
que disse para Mary Hellen após as compras no shopping o vexou.
— Sinto tanto... Queria que nos
déssemos bem. Ekhatherina e eu precisaremos de você por mais algumas semanas.
Quero que fique confortável aqui. Gostaria que se sentisse em seu próprio lar.
— Não vou mentir, Christopher.
Incomoda-me muito saber que está bravo comigo. Eu nunca devia ter levantado o
assunto de você vir a se casar.
— Não estou zangado.
O sorriso de Mary Hellen
foi tênue, mas capaz de despertar sensações estranhas em Christopher. Seu
sangue pareceu se aquecer, e a musculatura da cintura para baixo enrijeceu.
Estendeu
a mão e pegou a xícara que ela lhe preparara, procurando deixar de lado as
reações corporais.
Entretanto,
eram autônomas. Christopher não conseguia conter o aumento da pressão
sanguínea ou a ação da testosterona.
Quando, enfim, voltou a
fitá-la, repetiu:
— Não estou
zangado, Mary Hellen. Juro. Lamento ter sido malcriado com você. Não devia ter
me comportado de maneira tão ríspida.
Christopher
desejou que o assunto terminasse por ali. Tornou a sentar-se no sofá e se virou
para a tela da tevê. Não podia dar mais explicações. Não suportaria revelar seu
passado.
Mary Hellen jamais
compreenderia. Afinal, nem mesmo ele entendia como pudera fazer aquilo. Como
então esperar que Mary Hellen aceitasse? Não, não revelaria mais nada.
O
silêncio ficava mais pesado a cada segundo. Christopher olhou de soslaio na
direção de Mary Hellen e viu que ela também assistia à televisão, mas sua
expressão e a postura rígida revelavam que não estava nem um pouco interessada
no comercial de automóvel.
Christopher
até compreendia a expectativa que emanava dela, o nervosismo que ela
demonstrou ao aparecer na sala de estar. Decidiu que seria bom para Mary Hellen
uma conversa que a fizesse esquecer-se do sonho ruim que a perturbara.
— Fui criado nesta casa.
— Oh, que agradável! Menino de sorte!
Sei que já disse isso antes, mas vale repetir. Sua propriedade é muito bonita.
Christopher achou graça.
— Nasci aqui, na
Filadélfia. Fui para a escola e para universidade local. E você, onde nasceu? A
que lugar pertence? — O sorriso de Christopher esmoreceu ao vê-la nervosa.
Mary
Hellen foi ágil em tentar esconder a reação, porém, não o bastante.
— Nasci em
Elkhart, Indiana. Mas lar é qualquer local onde eu esteja.
Seria
imaginação de Christopher ou Mary Hellen colocara uma ênfase exagerada nas
últimas palavras?
— Então, é uma garota do meio-oeste,
certo?
Mary
Hellen limitou-se a sorrir e a tomar um gole de chá.
— O que seu pai...
— Não tenho pai. — Mary Hellen pareceu
tão surpresa com sua entonação quanto Christopher. Enrubesceu, embaraçada. —
Quero dizer... claro que eu tive um. Ocorre que nunca o conheci.
— Ah, então foi criada por sua mãe?
Mary Hellen fitou o vazio.
— Não. Cresci em lares adotivos.
Christopher não conteve um suspiro.
Naquele
instante, um fato muito peculiar ocorreu. Mary Hellen sentou-se, bem aprumada,
esboçou um largo sorriso e permitiu que seu bom-humor habitual retornasse.
— Não foi uma
vida ruim, Christopher. De fato, eu diria que, no final das contas, até que
tive uma boa infância. Aprendi a lidar com tipos diferentes de pessoas, morando
em todas aquelas casas. Com todas aquelas...
Houve
uma breve hesitação, mas logo Mary Hellen prosseguiu:
— ...famílias. Aprendi a ser independente,
a contar comigo mesma. Compreendi que sou minha melhor amiga. E posso
sobreviver a quase tudo.
O discurso retórico não
parecia franco. Algo estava fora de lugar. Tratava-se de uma encenação.
Christopher teve a distinta impressão de que Mary Hellen tentava
desesperadamente esconder algo.
Devia
conter a curiosidade, estava certo disso. Se ela queria se poupar de revelações
ingratas, devia permitir-lhe que assim procedesse.
No
entanto, havia algo em seu olhar... Um brilho triste em suas pupilas.
Christopher
sentiu-se tocado. Tinha de obter uma resposta.
— Não foi tão
maravilhoso assim, não é mesmo?
Por um
instante as feições dela ficaram rígidas, como a esconder-se sob uma máscara
protetora. Christopher achou que Mary Hellen pretendia manter de pé aquela
parede de energia otimista.
Foi
então que ele notou um breve movimento na garganta delicada. Ela engolia em seco.
Em
seguida, seus ombros penderam um pouco para a frente, e Mary Hellen emitiu um
suspiro de incrível melancolia.
CAPÍTULO VIII
A
vulnerabilidade de Mary Hellen era insuportável para Christopher. Queria
tocá-la, acalmá-la, fazê-la saber que não importava o que pudesse ter
enfrentado, tudo ficaria bem.
Porém,
Christopher lutava contra a vontade de ter novo contato físico com ela. Sabia
que não seria apropriado.
Entretanto,
podia demonstrar sua consideração de outra maneira. Com gentileza, carinho. O máximo
que pudesse, porque sentia que ela precisava.
— Você — Mary
Hellen gaguejava — está certo, sem sombra... de dúvida.
Sua
voz soava tão pueril... O impulso de Christopher em protegê-la se intensificou
ainda mais.
— Minha infância não foi maravilhosa, de
jeito nenhum.
A estranheza
na postura dos ombros de Mary Hellen e o desconforto em sua expressão mostravam
que a admissão ia contra seu comportamento habitual.
Christopher reconheceu
naquele instante que ela escondia muito atrás daquele belo sorriso. Ficou
curioso de saber o que Mary Hellen precisou enfrentar quando criança.
— Fui para um
orfanato quando muito nova. Não tenho recordações de meus pais.
Mary
Hellen era órfã, assim como a pequena Ekhatherina. A revelação tocava-lhe cada
fibra do coração.
Como se lendo seus
pensamentos, ela esclareceu:
— Eu não era órfã, Christopher. Fui
abandonada. Passei de um lar adotivo para outro. É tudo de que me lembro.
Fazia novos amigos e depois perdia contato quando essas pessoas saíam de minha
vida após alguns meses, ou um ano.
O
olhar de Mary Hellen migrou de um canto distante da sala para a xícara que
tinha na mão.
— Cheguei a ter boas experiências. A maior
parte dos adultos que cuidaram de mim eram pessoas generosas e de boa índole,
que desejavam abrir seus lares para crianças desabrigadas. Contudo, alguns
pertenciam a gente que apenas queria o dinheiro do governo. Abrigar garotos solitários
era um modo de conseguir isso. E tinham um bom lucro dando-nos a comida mais
barata possível e nos proporcionando roupas e sapatos de péssima qualidade.
Christopher
observou-a mergulhar no passado triste. Duvidava que Mary Hellen tivesse
consciência do quanto estavam próximos fisicamente, tão absorvida se encontrava
na própria história.
— Devo dizer que
tive sorte. Fiquei apenas em uma casa onde não fui bem tratada. Os pais
adotivos eram muito rígidos. Gostavam de disciplina, era o que diziam. E eu
achava que merecia a punição que recebia.
Sua voz não era mais que
um sussurro.
— Recordo-me bem de uma vez em que fui
espancada, porque não tinha arrumado a cama. Sabia que era uma regra
importante. A lei, na realidade. Não podia descer para tomar café da manhã a
menos que o leito estivesse arrumado. Mas dormi até tarde, e teria enfrentado
um
problema maior se chegasse atrasada à escola.
problema maior se chegasse atrasada à escola.
Seu belo rosto
contorceu-se de leve com a indecisão que devia ter sentido, ainda pequena. Que
regra devia ter quebrado? Deixar de arrumar a cama ou atrasar-se para a escola?
— Minha professora da terceira série
notou a marca que a cinta deixara em minha perna e chamou o Serviço Social. Fui
tirada da guarda deles no mesmo instante.
— Que bom! Espero que o governo tenha
tomado a sábia decisão de não enviar mais nenhuma criança aos cuidados daquelas
pessoas.
Mary
Hellen piscou duas vezes, como se o comentário dele a trouxesse de volta ao
presente.
— Tenho certeza de que não fizeram
isso, Christopher. A necessidade de pais adotivos era grande demais. Havia
muitos menores e poucas casas. Sei que eles foram advertidos, mas isso,
decerto, não mudou nada.
— O que é um completo absurdo!
Christopher
sentia uma enorme raiva. "Ultrajado" era o termo correto, com
o casal que machucara Mary Hellen. com o governo, por ter permitido que o
tratamento prosseguisse com outros pequenos inocentes.
Mas
tudo aquilo ocorrera tanto tempo atrás... A ira começou a se esvair, dando
lugar à tristeza.
— Algo fantástico aconteceu quando eu
estava na sétima série. Um professor costumava colocar algumas fitas cassete
espanholas na aula. No dia seguinte, fui para a escola falando um pouco de
espanhol. Até mesmo juntava palavras para formar sentenças. E, por algum
motivo, as frases não saíram mais de minha cabeça. O sr. Callahan ficou
impressionado. Acabou trabalhando comigo durante o ano todo. Ouvíamos fitas
francesas, italianas, russas... de todos os idiomas. Parecia-me muito fácil absorver
a informação. Era como um jogo para mim.
A alegria de Mary Hellen
tornava-a mais bela do que nunca. Christopher prendeu o fôlego, aguardando que
o relato prosseguisse.
— Mudei de escola
e perdi contato com o sr. Callahan, mas continuei adorando estudar idiomas.
Tive aulas de francês e italiano, no colegial. A conselheira não queria que eu
tivesse. Tentou me dizer que seria estudo demais que bastaria um idioma
estrangeiro. Mas eu provei que conseguia, e continuei a aprender outras
línguas sozinha. Logo, ganhei uma bolsa de estudos em uma universidade
estadual. Mary Hellen pousou a xícara de chá na mesinha lateral.
— Quem quer que tenha
me dado esse dom divido... Deus, o destino ou a natureza... me salvou.
Presenteou-me com algo em que focar a energia, a direção. Encontrei meu
caminho.
Havia
um traço muito grande de solidão na última frase, considerou Christopher. Algo
que necessitava de ponderação. Mas não deu-se tempo para pensar no assunto.
Mary Hellen precisava de incentivo para continuar desabafando.
— E agora você usa sua capacidade para
ensinar crianças. Mary Hellen assentiu e quedou em silêncio. Entretanto, rua
mente ainda perambulava no passado.
— Eu procurei por meus pais.
Christopher
pôde vislumbrar o pesar e a rejeição que ela decerto experimentara.
— Quando fiz
dezoito anos, fui ao Departamento de Serviços à Infância. O que descobri foi
que não havia mformação alguma a respeito de meu pais. Nem tinha nome ou
endereço. Nada. Mamãe colocou o nome de meu pai em minha certidão de nascimento
como John Doe. Ela desistiu de mim no
dia em que nasci, assinou um papel recusando-se a dar informações a respeito
dela a mim. E a qualquer outra pessoa. As mãos do governo estavam atadas Não
podiam me revelar nada.
Mary Hellen escondia bem
a angustia. Mas Christopher era capaz de notá-la e sentir-se muitíssimo afetado
por isso.
Aquela
moça precisava ser abraçada. Necessitava de algum consolo físico.
Deixando de lado a
xícara, aproximou-se e tomou Mary Hellen nos braços. E não houve a menor nuance
de hesitação nela ao abandonar-se ao carinho.
— Está
tudo bem — Christopher murmurou contra os cabelos cheirosos. — Você não pode
fazer nada sobre as escolhas que duas pessoas fizeram anos e anos atrás. Quem
sabe quais as circunstâncias em que se encontravam? Talvez fossem muito jovens
e incapazes de...
Deixou a sentença
inacabada, percebendo que nada do que dissesse abrandaria a dor de Mary Hellen.
Não havia consolo que pudesse banir o mal por ter sido rejeitada.
Não
importava o que pudesse explicar ou que situação mais agradável Christopher
tentasse desenhar para justificar o comportamento dos pais dela. Por isso,
aquietou-se e a manteve junto a si.
Talvez o contato próximo
de alguma maneira suprisse um pouco do amor e da compaixão que faltaram na infância
de Mary Hellen.
Longos minutos se
passaram, e ela parecia feliz, aconchegada ao peito largo. Não chorou, mas
via-se que estava pesarosa.
Christopher deslizava as
palmas para cima e para baixo nas costas dela, em ritmo lento.
Logo tornou-se
consciente da suavidade da pele debaixo de seus dedos, do calor do corpo
sinuoso, do aroma de flores da cabeleira ruiva, da sensação dos seios firmes
contra seu tórax.
Não
era hora de se sentir excitado. Mas, que os céus o ajudassem, era justo isso o
que experimentava.
E não
era uma paixão germinando e crescendo aos poucos. O desejo inflamado
multiplicava de intensidade vindo do nada, dominando-o em um turbilhão, quase
esmagando-o, como uma imensa onda do mar.
Em um instante, vira-se
preocupado; no seguinte, estremecendo por causa de uma volúpia tão intensa que
quase roubava-lhe o fôlego.
A
pulsação estava mais rápida a cada segundo. Christopher queria afastar a
cabeça, apreciar a visão do rosto pálido como porcelana, contemplar os belos
olhos verdes, beijar os lábios rosados até não haver um traço sequer de
melancolia em Mary Hellen.
Contudo,
não poderia fazer isso. Não era o momento apropriado. Tampouco o local.
Então
lembrou-se de que nunca haveria momento nem lugar corretos. Não com Mary
Hellen. Ela era bondosa demais, muito frágil.
As
poucas mulheres que escolhera namorar souberam desde o princípio que
Christopher não tinha intenção de comprometer-se. Dava preferência àquelas que
podiam cuidar de si mesmas. Apreciava as que eram tão egoístas quanto ele.
Dessa
maneira, quando se via pronto para finalizar um relacionamento, o que sempre
acabava fazendo, sentia-se confortável por a garota ter condições de ficar bem.
Não a deixaria com o coração despedaçado.
Porém,
Mary Hellen não pertencia a essa classe. Era vulnerável, amorosa e carinhosa.
Acabaria se machucando. Por isso ele precisava frear as sensações físicas. E
ponto final.
Sentiu
a mão de Mary Hellen no peito quando ela, com delicadeza, se afastou. Ergueu o
queixo e encarou-o. Christopher achou que ia derreter com o calor daquele
olhar. Mary Hellen analisou-lhe os lábios, e então voltou a atenção de novo
para os olhos.
Ela também sentia
atração. A constatação era óbvia.
Para aumentar o martírio
de Christopher, a vontade de beijá-la tornava-se insuportável. Mas recusava-se
a capitular.
Mary
Hellen significava muito para ele, e para sua garotinha também.
No
entanto, a ânsia avassaladora refletida no semblante de Mary Hellen devia ser
semelhante à dele. Ambos queriam que aquele momento se transformasse em algo
mais. Entretanto, nenhum dos dois ousava ultrapassar a linha divisória
estabelecida, dando o primeiro passo.
Os
motivos de Mary Hellen para hesitar não estavam claros para ele. Christopher já
possuía muitas peças do quebra-cabeça sobre aquela bela jovem e o que pensava,
mas ainda não conseguia formar uma figura completa.
Sabia
muito bem, porém quais as suas razões. Eram fortes e corretas.
Enfim,
Mary Hellen engoliu em seco e afastou-se mais. Os braços de Christopher escorregaram,
desfazendo o enlace.
— Vòcé é um bom homem Muito bom,
mesmo, Obrigada por deixar que eu desabafasse.
— Estarei aqui sempre que precisar,
Mary Hellen. Sabe disso
Mas
ela fitou o nada, como se não soubesse... ou quisesse saber.
Christopher
desejava protestar. Detestava a idéia de que o clima de estranheza pudesse
retornar entre os dois
— Já basta dessa
conversa sombria. Conte-me o que você descobriu hoje, quanto à anulação.
Christopher
ficou grato por ter um assunto com que podia lidar bem.
— Descobri que
será bem fácil e rápido. Meu advogado começará a preencher a papelada amanhã. E
como nós dois podemos garantir que não houve... bem... Como não houve...
contato físico, consumação... dará tudo certo
Mary Hellen tentou
esconder o embaraço, e Christopher não pôde deixar de pensar em como ficava
mais bonita ainda com a face purpúra.
— Nós sabíamos disso não é? — Mary Hellen
evitava olhá-lo, — Não houve nenhum problema.
Christopher ficou
imaginando como Mary Hellen podia dizer aquilo se ambos haviam acabado de
experimentar sensações tão poderosas. Mas talvez fosse melhor aterem-se aos
fatos em vez de se envolver com sentimentos. Passaram mais alguns momentos
conversando a respeito dos procedimentos legais e quando o assunto se
esgotou, Mary Hellen disse:
— Acho que vou para a cama,
Christopher. Está ficando tarde. E melhor você ir também. O sol está prestes a
nascer.
— Pois é. Subirei em poucos minutos.
Mary
Hellen levou as xícaras consigo para colocá-las na pia.
O televisor continuava a
transmitir uma notícia qualquer.
Christopher
viu-se sozinho. E exausto, como se tivesse participado de uma batalha imensa...
e vencido.
A luta
fora contra ele mesmo e a vontade imensa de possuir Mary Hellen.
Ao
menos tinha confiança de que poderia vencer a atração outras vezes, se o desejo
aflorasse. E tinha quase certeza de que isso tornaria a acontecer.
Bem,
se a força de vontade sozinha não bastasse, sempre havia a possibilidade de um
banho frio.
Entretanto,
estava mais preocupado com outra coisa, algo que começava a germinar. Mary
Hellen despertava-lhe emoções que não queria sentir, de jeito nenhum.
Sim,
um bom banho frio poderia cuidar da atração física que o atormentava. Mas e
quanto à emotividade? E aquilo tudo que lhe ia no coração, algo que prosseguia
muito tempo depois de a luxúria ter sido controlada?
Um banho de imersão à
tarde. A idéia era maravilhosa.
Mary Hellen acomodou-se
na banheira, a água passeando pelos dedos dos pés, pela barriga e pelos seios.
Bolhas de espuma brincavam em cada ponto da pele exposta. Baixou as pálpebras,
permitindo-se o luxo de se entregar à preguiça.
Suspirou,
feliz, afundando-se mais. Duvidava que qualquer pessoa em Kyreznóvia, até
mesmo os cidadãos mais ricos, possuíssem uma banheira, e ainda por cima com
sais de banho tão deliciosos. Não apreciava uma extravagância assim desde
que... Ora, nem mesmo se lembrava de quando.
Ekhatherina
tirava uma soneca, Christopher se ocupava ao computador. E Mary Hellen
relaxava com um bom livro em um paraíso úmido e borbulhante. Não podia estar
mais satisfeita.
Sem
que percebesse, Christopher invadiu seus pensamentos. E sua cabeça ficou
repleta de recordações do abraço que recebera na noite anterior. Recordou o perfume
e o calor dele quando enlaçou-a bem forte.
Com
facilidade, lembrava-se do desejo dançando nas íris castanhas. Tornou a fechar
os olhos e sentiu o corpo respondendo à lascívia que Christopher lhe
despertava. Sua epiderme arrepiou, e a região do ventre e das coxas pareceu
ferver.
Num
movimento lento, Mary Hellen alisou a barriga e então subiu para os seios,
imaginando que era o toque de Christopher. A respiração acelerou.
"Ah,
como o quero!" E ele a desejava também. Sabia disso. Vira em seu rosto,
sentira a tensão dele.
Abriu
os olhos quando um som chegou até ela, como que envolto por uma neblina,
fazendo-a sentir-se temerosa. Por que sempre experimentava aquele turbilhão
terrível?
O barulho que ouvira em
seguida a obrigou a arregalar os olhos. O que fora aquilo? Uma porta batendo?
Uma...
O som
de passos pesados a fez sentar-se na banheira com tamanha força que a água
espirrou no chão.
— Christopher? O que é?
Então, Mary Hellen ouviu
Ekhatherina chorando.
Como
já morava naquela casa havia mais de duas semanas, conhecia os diferentes
choros da menina.
Ekhatherina chorava de
modo mais agudo quando queria atenção, mais brava quando frustrada. A modulação
se modificava quando estava cansada ou com fome. Mas o que ouvia naquele
instante era uma clara expressão de dor.
Mary
Hellen se levantou da banheira, ensopando com o chão ao apanhar uma toalha.
Enrolou-a ao redor de si e correu para a saída.
Entrou no quarto de
Ekhatherina e viu Christopher em pé, com a filha nos braços.
— Christopher! O que aconteceu?
— Ekhatherina tentou sair do berço e
caiu. Graças a Deus não está machucada.
A culpa dele era tamanha que Mary
Hellen quis estender a mão para confortá-lo. E foi o que fez. Pousou os dedos
em seu braço, e afagou as costas de Ekhatherina.
— Não havia como prever esse acidente,
Christopher.
— Ekhatherina podia ter quebrado o
pescoço, Mary Hellen. Tenho de baixar o colchão do berço. Deve haver uma
maneira de fazer isso...
— Tenho certeza de que há. — Ela sentia
o remorso dele dilacerando-lhe a alma. — Mas, neste momento, é melhor
colocarmos um pouco de gelo no lugar onde Ekhaterina bateu a testa.
— Claro! — Christopher apressou-se a
seguir a instrução. — Como pude ser tão tolo? Devo colocar uma compressa fria
na testinha dela.
Foram para a cozinha a
passos rápidos. Mary Hellen sentia-se péssima por ter feito piorar a crise de
consciência de Christopher ao mencionar o que fazer.
— O piso é acarpetado, Christopher. A
queda não deve ter sido tão dolorida.
Christopher abriu a
porta do congelador.
— Deixe-me pegar isso — Mary Hellen
adiantou-se. Ela colocou diversos cubos de gelo em um saco plástico e rodeou-o
com um pano de prato limpo. Levou alguns instantes para fazer com que
Ekhatherina deixasse que colocassem a compressa improvisada na marca
avermelhada
Christopher
sentou-se em uma cadeira, com a filha no joelho. Mary Hellen ajoelhou-se ao
lado deles, tentando chamar a atenção da criança, e assim deixar que Christopher
ajustasse melhor o gelo. Ekhatherina parara de soluçar, mas continuava
resmungando.
— Parece que ela não está sofrendo,
Christopher.
— Sim, mas ainda há meio em seu
rostinho. Aposto que a queda a apavorou.
Mary Hellen pôde apenas
assentir.
— Papai consertará seu berço, querida —
ela disse à menina, que se virara para encará-la.
— Eu devia ter instalado o colchão na
posição mais baixa quando montei aquele móvel. Se tivesse feito isso, ela não
teria caído.
— Sim, mas você teria quebrado as
costas tentando colocar e tirar Ekhatherina de lá.
— Melhor do que ela cair e quebrar o braço
ou algo assim.
Christopher
sentia-se responsável pela queda da menina, e Mary Hellen, desconfortável
quanto a isso.
— Christopher,
você não conseguirá manter Ekhatherina segura em todos os instantes do dia.
Fará o possível, mas é inevitável que aconteçam alguns imprevistos.
Christopher
apenas fitava-a, o cenho franzido de preocupação.
— Eu me lembro de que, em um dos lares
adotivos em que cresci, havia um portão de segurança colocado no topo de um
lance de escada. Um garotinho, mais ou menos da idade de Ekhatherina, talvez um
pouco mais velho, conseguiu subir no portão e caiu de lá. Quebrou o nariz e seu
olho ficou preto e inchado por vários dias.
Ela suspirou e se voltou
para Christopher.
— A casa estava
cheia de gente, mas ninguém viu o garoto subindo ali. Crianças têm seu jeito de
meter-se em confusão.
Mesmo
assim, ele permanecia em silêncio. Assim como Ekhatherina.
A
imobilidade de Christopher, sua inabilidade em se expor, diziam-lhe como estava
aborrecido consigo mesmo e se sentia culpado por a filha ter se machucado.
Mary
Hellen executava pequenos círculos coro o dedo na perna dele. Então, deu-lhe
dois tapinhas e falou com suavidade;
— Não pode
culpar-se por isso. Arrumaremos o berço para que a danadinha não consiga mais
subir. Tudo ficará bem. Posso garantir.
De
imediato, Ekhatherina estendeu a mãozinha e tornou entre os dedos algumas
bolhas de sabão que pairavam no ombro nu de Mary Hellen. A garotinha riu
quando as bolhas delicadas desapareceram de repente.
Mary Hellen
arregalou os olhos, lembrando-se então que estivera tomando banho quando ouviu
o barulho do quarto de Ekhatherina. Olhou-se de cima abaixo dando-se conta de
que usava apenas a toalha.
O tecido fino se
entreabrira na região das coxas, expondo muito de sua nudez. Quando tornou a
encarar Christopher constatou que ele não esteve olhando para o chão por se
julgar culpado mas sim observando com
intensidade suas pernas!
Mary Hellen quis
desaparecer da face da terra. Num gesto rápido, se aprumou e tentou, em vão,
fazer com que a toalha cobrisse mais de que era possível.
Christopher parecia tão
encabulado quanto ela, os olhos arregalados ao fitá-la. Entretanto logo pode vê-lo
lutando para suprimir o riso que começava a fazer suas pupilas brilharem.
Devia
sentir-se humilhada por Christopher estar zombando dela. E brava. Chocada.
Furiosa até. Mas nunca lisonjeada.
Mary
Hellen não sorriria em resposta ao sorriso provocante e sensual. De modo
algum!
Christopher
flertava com ela. Podia ver isso em seu olhar faminto, no jeito sensual. Aquele
homem a queria.
Mary
Hellen sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha, e um medo devastador a
gelou.
— Eu... estava na
banheira... — A verdade óbvia saiu em tom de desculpa. — Quando ouvi o choro de
Ekhatherina, fiquei apavorada. Não sabia o que tinha acontecido...
"Por
que estou gaguejando de novo? Será que dei para isso agora?"
— Nem parei para...
Mais
um pouco e Christopher soltaria uma sonora gargalhada.
— Posso ver, Mary Hellen.
O tom
grave deixou-a ainda mais arrepiada. Sentiu os bicos dos seios intumescerem. E,
para piorar, Christopher se pôs a observá-la por inteiro, sem o menor constrangimento.
E isso após os pensamentos eróticos que Mary Hellen teve com ele momentos atrás
na banheira...
Mary
Hellen cruzou os braços para proteger os seios. Não havia um jeito gracioso de
fazer aquilo sem que Christopher percebesse a exata reação que tentava
esconder.
— É melhor eu ir lá para cima...
porque... Eu... acho que devo...
— Sim. Pode estar certa de que deve.
Diante do trejeito sexy,
Mary Hellen só pôde se virar e sair correndo da cozinha, ouvindo atrás de si o
riso deliciado de Christopher ecoando por todo o ambiente.
CAPÍTULO IX
Christopher
apreciava a mudança em seu relacionamento com Mary Helen. E sabia que o
incidente das bolhas de sabão, pois era assim que se referia à situação
ocorrida dias atrás, fora a causadora dessa modificação.
Estavam
brincalhões um com o outro. Amigáveis, em clima de flerte. Era tudo muito
divertido e alegre, e Christopher recusava-se até mesmo a considerar, quanto
mais contemplar, todas as implicações disso. Preferia, por enquanto,
concentrar-se em apenas em apreciá-la.
Verificou
a sela de Blaze e depois de Pepper. Mary Hellen vestia Ekhatherina. Os três
planejavam cavalgar até o parque e fazer um piquenique no café da manhã.
A
possibilidade de viver acontecimentos especiais como aquele eram o motivo de
sentir-se tão abençoado por ser dono do próprio negócio e trabalhar em casa
A maioria dos homens e
mulheres tinham de enfrentar trânsito na rota Blue, mas Christopher tomava o
desjejum e apreciava o clima matinal exercitando um dos cavalos no parque que
rodeava sua residência. Sim, era um privilegiado.
Então,
percebeu que Mary Hellen também era uma bênção em sua vida. Se não tivesse
aparecido naquele restaurante de hotel em Kyreznóvia procurando emprego, talvez
Christopher não tivesse conseguido a custódia de Ekhatherina.
Devia
muito a ela. Após conhecer seu passado e infância, sentia ainda mais vontade de
protegê-la. E mais admiração. Ele ia lhe proporcionar um pouco de felicidade em
sua estada na América do Norte; parecia capaz de banir todas as dúvidas e
hesitações que Christopher sentira quanto a isso.
Sem dúvida
a decisão de nenhum dos dois buscar um envolvimento de longo termo ou até mesmo
um caso romântico ainda era firme. Mas isso não significava que ele e Mary
Hellen não pudessem aproveitar bons momentos com Ekhatherina ou que não
devessem ter recordações agradáveis de eventos que vivenciassem, vindo a ter
algumas reflexões saudáveis que poderiam acalentar depois que se separassem.
Depois que ela fosse
embora.
As palavras ecoavam na
mente de Christopher, os braços relaxaram nas laterais do corpo e o olhar baixou
para estudar o chão. A idéia daquela casa sem Mary Hellen deixava o com uma
sensação...
— Estamos prontas!
À voz alegre
de Mary Hellen interrompeu sua conjectura. Ekhatherina gritava deliciada para
saudá-lo; esticou o bracinho para locar nele.
— Você adora esses cavalos não é mesmo,
querida? — Christopher acariciou os
cabelos macios da menina
— Tem
certeza que essa boa invenção para levar Ekhatherina consigo funciona?
— Tudo dará certo, Mary Hellen. Iremos
devagar, farei com que ela se habitue a cavalgar. E eu também terei de me
acostumar a ser um papai apache.
Christopher
achava a preocupação de Mary Hellen encantadora. Na verdade, pouco havia nela
que não julgasse cativante.
— Está duvidando de mim?
— Oh, não! — Mary Hellen riu. — Se
alguém pode lidar com a montaria e ao mesmo tempo carregar um bebê, essa pessoa
é você.
Mary Hellen olhou para a
garota.
— Não concorda,
Ekhatherina? Confiamos muito em seu papai. Christopher pode lidar com tudo.
O
elogio enterneceu-o. Entretanto, não podia deixar de notar que a entonação
animada demais denotava um quê de preocupação nublando a confiança que Mary Hellen
tentava demonstrar.
Christopher
colocou o indicador sob o queixo de Mary Hellen e ergueu-lhe o rosto para que o
fitasse.
— Tudo dará certo — prometeu, com
suavidade. O frio ar matinal pareceu repleto de eletricidade.
— Estou certa de que sim.
Aquele
sorriso leve e cativante provocava emoções estranhas para Christopher. Era
pura luxúria. Christopher achou que o coração saltaria do peito.
Ajeitou
as tiras nos ombros, e Mary Hellen colocou Ekhatherina na cadeirinha de lona
atada a ele.
Durante
todo o tempo, a criança batia palmas e ria, sabendo que algo excitante estava
prestes a acontecer.
Blaze e Pepper foram
conduzidos para fora do estábulo.
— Tudo pronto, Christopher?
— Sim, Mary Hellen.
Com Ekhatherina segura
em suas costas, Christopher não pôde ajudar Mary Hellen a montar Pepper, mas colocou
a mão em sua coxa para ampará-la ao montar.
— Suco, frutas... tudo ajeitado nas
sacolas de sua sela.
— Eu sou principiante
nisso — Mary Hellen lembrou-o, dando um tapinha na mão ainda pousada em sua
perna.
Com o
calor da carne firme em sua palma, a suavidade dos dedos dela a cobrirem os
dedos, Christopher acreditou que pegaria fogo a qualquer momento, por combustão
espontânea. Soltou-a e deu um passo para trás.
Ele
sorria ao pegar as rédeas de Blaze, na tentativa de disfarçar a reação física.
— Eu me lembrarei
de que tenho duas amadoras comigo esta manhã.
Ekhatherina
gritou de susto quando Christopher montou Blaze. Mas, assim que se viu bem
instalada e o pai murmurou frases de conforto, ela ficou quieta, embora ainda
se agarrasse a ele com firmeza.
A
trilha estava banhada pelo sol, e flores coloridas eram avistadas entre
arbustos de um verde exuberante. Carvalhos frondosos ofereciam-lhes sombra
fresca, uma boa proteção para o sol de verão.
Após
um passeio de vinte minutos durante o qual encontraram um corredor solitário
nas trilhas do parque, Christopher sugeriu:
— Que tal se parássemos aqui para a
refeição?
— Parece ótimo! — Mary Hellen ajeitou os
cabelos.
Ela apeou com
facilidade e enrolou as rédeas de Pepper em uma cerca.
Christopher
procurou avisar Ekhatherina de que estavam prestes a apear.
— Vamos descer, querida.
Sem esperar que Mary
Hellen traduzisse para a menina, Christopher levantou a perna por sobre a
sela.
Então,
sentiu uma dor intensa na cabeça, fechou os olhos e fez uma careta.
— Ai! — Estendeu a mão e, com delicadeza,
segurou os pulsos da filha.
Mary Hellen levou a mão
à boca, num esforço hercúleo para não soltar uma estrondosa gargalhada.
Christopher, apesar do sofrimento, não conseguiu ficar zangado.
— Acho que Ekhatherina encontrou
corrimãos perfeitos — disse Mary Hellen, zombeteira.
— Não são corrimãos. São minhas
orelhas!
Mary
Hellen, por fim, cedeu ao riso. Ekhatherina também, parecendo felicíssima por
ter causado tamanha confusão entre os adultos.
— Você, por
favor, poderia me ajudar a tirar este pequeno fardo das costas?
Mary
Hellen continuava a gargalhar, ao mesmo tempo soltando o nené. Tudo o que Christopher
pôde fazer foi massagear as orelhas vermelhas.
Ekhatherina andou
cambaleante na direção da mesa de piquenique, parando ao longo do caminho para
investigar plantas rasteiras e outros itens que lhe interessaram.
Christopher
tentava livrar-se da cadeirinha de lona atada aos ombros, mas uma tira ficou
presa em um deles. Sem perguntar nada, Mary Hellen veio em seu auxílio.
Livrou-o da cadeira e ajeitou-a sobre a sela.
Christopher
pôs as mãos na cintura e arqueou as costas, alongando os músculos. Inclinou o
pescoço de um lado para outro. Sentiu a presença de Mary Hellen atrás de si e
ficou imóvel quando o calor das palmas delicadas começou a passear pela
musculatura de suas omoplatas.
Ela o
massageava, apertando os polegares nos lugares corretos. Christopher conseguiu
disfarçar um gemido de satisfação e fechou os olhos. Mary Hellen tinha dedos
mágicos. Entretanto, seu toque gentil deixava-o zonzo de prazer. Como era
sensual!
Então, sentiu os dedos
leves com delicadeza se aproximando de sua orelha esquerda. A garganta ficou
seca, e Christopher parou de respirar, aguardando.
— A vermelhidão vai passar, Christopher.
Creio que você conseguirá sobreviver.
O
hálito doce estava bem próximo, e lançou um arrepio gostoso pela coluna de
Christopher, de baixo para cima. Sentia a região da virilha queimando.
Queria
abraçá-la, inalar o cheiro de seus cabelos e pele, tocar toda a extensão do
pescoço elegante com as mãos e os lábios. E, em um momento de insanidade,
Christopher submeteu-se ao que o atormentava.
Sem
aviso, virou-se, sorrindo diante da surpresa que pôde notar no semblante
adorável. Segurou Mary Hellen pelos braços para que ela não pudesse retroceder.
Seus belos olhos se arregalaram.
— O sol da manhã
deixa sua cabeleira como uma chama — ele murmurou, certo de que a metáfora era
provocada pelo fogo que o consumia por dentro.
Christopher
amparou-a contra o peito, mal tocando o nariz em sua têmpora.
— Seu cheiro é tão bom...
Mary
Hellen sentia-se pequenina naqueles braços. Delicada e frágil como uma flor.
Christopher
passou a ponta do nariz pelo rosto dela, da testa ao queixo e então para cima,
ousando tocar a pele macia da face com o queixo. Em seguida, pressionou de leve
sua boca. Como Mary Hellen era suave!
Christopher
se deu conta que se sentia feliz pelo simples fato de estar perto dela. No
entanto, tal felicidade foi mostrando-se insuficiente e cedeu lugar a uma necessidade
incrível de saboreá-la, tocá-la mais.
Christopher esgueirou os
dedos por trás das orelhas de Mary Hellen e analisou seu olhar, desejando
decifrar como reagia ao que ocorria entre os dois.
Seu recém-formado
instinto de pai, contudo, o fez olhar de relance para a filha, que ocupava-se
em reunir algumas folhas. Sentiu segurança em contemplar Mary Hellen mais uma
vez, buscando saber o que ela sentia.
Sua
expressão era impossível de definir. Um mistério que Christopher queria
desesperadamente desvendar, reificou um misto de emoções. Incerteza, confusão,
espanto, dúvida. Medo?
Foi então que vislumbrou
o desejo. Puro e intenso.
A
paixão que leu nas íris verdes parecia indesejada, como se Mary Hellen não
quisesse, não devesse senti-la. Mas estava ali, na respiração entrecortada e no
corpo trêmulo.
Gomo a
confirmar seus pensamentos, ela murmurou, com suavidade:
— Não devemos, Christopher,
— Pois eu não me importo. E você?
A
volúpia também a dominava, isso era óbvio. Sem hesitar, Mary Hellen relaxou
junto dele.
O
sabor de Mary Hellen era doce. A boca, delicada, quente.
Afastando-se um pouco,
ela falou, contra os lábios dele:
— Ekhatherina...
A preocupação para com a
menina bem no meio de um beijo apaixonado fez Christopher desejar apenas pegá-la
com toda a força e beijá-la mais Mary Hellen; um ser humano fabuloso.
— Ela está bem — garantiu, lançando
outro olhar de soslaio par a menina para certificar-se. Seu bebê adorável
separava folhas e gravetos em pilhas para Mary Hellen, que baixou as pálpebras
parecendo também gostar daquele carinho proibido.
Talvez Christopher devesse
soltá-la e se esforçar para esquecer a existência daqueie beijo. Entretanto, a
necessidade de abraça-la, beijá-la atormentava-o fazia tanto tempo; pela primeira
vez em semanas, notou que a agonia não poderia mais ser sustentada. Por isso,
não desistiria daqueles momentos preciosos.
Beijou
uma pálpebra. E então outra. Um canto da boca, depois o outro lado.
Mary
Hellen encarou-o e, por um único instante, Christopher percebeu como suas
almas se conectaram. Foi então que ele soube.
Estava se apaixonando.
A dra.
Smyth auscultou o coração de Ekhatherina e depois pressionou o estetoscópio nas
costas da menina. A pediatra sorriu para Christopher quando Ekhatherina bateu
os bracinhos e riu.
— Ela é uma criança feliz.
Christopher
limitou-se a aquiescer. Não deixaria que a boa médica o distraísse. Ouvira
falar em imunização de crianças, e não estava disposto a permitir que a filha
sofresse.
— Muitos bebês
desta idade costumam gritar durante a primeira visita a meu consultório. — A
médica colocou Ekhatherina na balança e inclinou-se para fazer a leitura.
Christopher sentia as
mãos úmidas, e passou-as pela calça comprida. Não gostava da idéia de a dra.
Smyth estar prestes a machucar sua garotinha com agulhas, embora soubesse que
um pouco de dor seria necessário e que poderia salvar a vida de Ekhatherina nos
anos vindouros. Mesmo assim, não conseguia conter a relutância.
— Hum... — a
médica murmurou. — O peso dela está no limite inferior da tabela.
Christopher arregalou os
olhos.
— Isso é muito ruim?
— Bem, Ekhatherina parece saudável.
— É, sim, muito — apressou-se em
garantir. — Pelo que sei.
A dra.
Smyth assentiu, não desviando a atenção do exame que fazia na menina. Estendeu
uma bola e pareceu satisfeita quando Ekhatherina inclinou-se para pegá-la.
— Sua visão e
coordenação motoras parecem normais. Meu palpite é que ela não teve muito o que
comer durante sua estada no orfanato. Como Ekhatherina tem se ali mentado
desde que a trouxe para casa?
— Come muitíssimo bem. Tem um apetite
voraz.
A médica
achou graça.
— Ótimo. Farei
apenas uma anotação na ficha dela para ficarmos bem atentos a seu peso.
O
exame prosseguiu, e a mente de Christopher mais uma vez foi capturada pela idéia
daquelas agulhas, que, sabia, nos próximos cinco a dez minutos estariam espetando
sua garotinha.
Colocando Ekhatherina no
chão, a doutora encorajou a criança a caminhar pela pequena sala.
— Seu equilíbrio
é excelente. Ekhatherina anda bem. Como qualquer outra menina de seu tamanho.
Por fim, Christopher não
pôde mais conter a ansiedade: — Vamos falar sobre as vacinas para Ekhatherina.
A dra. Smyth pareceu surpresa, e ele sentiu um calor no rosto.
— Está bem, sr.
Kimball. Poderemos conversar sobre a vacinação dela, se é o que quer.
Embora
tentasse relaxar, Christopher sentia a musculatura tensa.
A médica analisou a
planilha de Ekhatherina. Em seguida, disse:
— Como você sabe, sua filha recebeu
algumas das vacinas necessárias e fez teste de tuberculose antes de permitirem
sua entrada no país. Contudo, ainda há algumas providências a serem tomadas.
— Como assim?
— A imunização é feita em doses.
Algumas levam três. Outras, quatro. E são ministradas no período de doze a
dezoito meses.
Christopher
franziu o cenho diante da perspectiva de ter de sofrer daquela ansiedade no
decorrer do próximo ano e meio.
Claro, a médica notou
sua apreensão.
— Prometo, sr.
Kimball, que não vou espetá-lo com uma agulha.
Ele
sorriu diante da tentativa de acalmá-lo, mas a idéia de ver sua Ekhatherina
chorando enervava-o,
— Talvez sua esposa devesse estar aqui
com você e a filha...
— Oh, não, Mary Hellen... a moça na
sala de espera... não é minha esposa. Ela é... bem... nossa babá.
O termo
"nossa" soava tolo, Christopher concluiu assim que o deixou escapar. Mas era como via Mary Hellen desde o dia em
que a conheceu. Algo quase pessoal. Especial. Por isso, não se importava com o
modo como soava,
— Ah, está certo.
Talvez queira que ela esteja aqui, de qualquer maneira sr. Kimball para dar uma
espécie de apoio moral a você e à sua filha.
A
sugestão fez todo o corpo dele reagir. De imediato, ficou mais calmo, e, após
umedecer os lábios, suspirou,
— Acho que é uma grande idéia
Após alguns minutos e
embora a doutora tivesse lidado com a seringa com bastante destreza,
Ekhatherina não parava de chorar. Mary Hellen e Christopher faziam o possível
para confortá-la, e a médica fazia anotações finais na ficha.
— Saiu-se muito
bem Ekhatherina — a dra. Smyth afirmou, passando a mão no braço da criança.
Mas Ekhatherina escondeu
o rosto nc pescoço do pai
— Sr. Kimball,
minha secretária marcará a próxima consulta para daqui a dois meses.
Assim
que a médica deixou os três a sós Mary Hellen se pôs a vestir Ekhatherina.
— Meu Deus! —
Christopher parecia desconsolado. — Detesto imaginar ter de voltar aqui. Pudera
as crianças chorarem! O que acho impressionante é que os pais não gritem e
chutem também. E saiam correndo.
Mary Hellen riu.
— Quando a dra.
Smyth aproximou-se de Ekhatherina com aquela agulha, tive certeza de que você
faria isso: sairia correndo. Mas é necessário, você sabe.
Christopher assentiu,
aborrecido.
— Sei, sim. E que... achei que minha
tarefa não teria tropeços. Eu iria proteger esta criança preciosa de qualquer
dor, e ponto final.
— E está fazendo isso trazendo-a aqui.
— Mas me sinto tão estranho. Culpado.
Mary
Hellen puxou Ekhatherina do abraço protetor de Christopher apenas o suficiente
para passar o vestido pela cabecinha. Então, abotoou nas costas.
— Tenho de
admitir, Christopher, que achei que meu coração se partiria em dois quando vi
Ekhatherina começando a chorar. Mas a dra. Smyth foi bem ágil.
Christopher
fitou Mary Hellen se sentiu uma onda de alívio por ela estar ali para dividir
aquele momento de agonia com ele.
Os
três foram para a recepção, e Mary Hellen tomou Ekhatherina do colo de
Christopher para que ele pudesse preencher o cheque para pagar a consulta.
Ao
aguardar o recibo, ele tornou-se muito consciente de Mary Hellen em pé logo
atrás, ninando Ekhatherina com muita gentileza.
Desde
que descobriu a natureza de seus sentimentos por Mary Hellen, sentia-se
dividido. Por um lado, queria dizer a ela. Adoraria saber se havia a
possibilidade de terem um relacionamento amoroso. Mas... sabia que devia
manter a boca fechada a esse respeito.
Gostaria de vê-la
magoada? Porque, caso se envolvesse romanticamente com Mary Hellen, isso na
certa ocorreria.
Ora, mas a quem tentava
enganar?, indagou-se. Só havia uma escolha para ele. Devia guardar seu segredo
para si.
A recepcionista lhe
estendeu o recibo e o pedaço de papel onde estava anotada a data e o horário da
próxima consulta de Ekhatherina.
Christopher murmurou um
agradecimento e virou-se para Mary Hellen. Prendeu a respiração ao encarar os
olhos límpidos e tão verdes.
E ficou imaginando como
conseguiria não revelar nada acerca do que se passava em seu peito.
CAPÍTULO X
— Olá,
Bob — Mary Hellen cumprimentou ao entrar no estábulo.
O
homem reservado fez um meneio em silencioso cumprimento e continuou a tarefa
de espalhar feno fresco na baia de Blaze.
Bob
realizava muito bem seu trabalho, sem dar-se a conversas. Na verdade, sem dizer
uma única palavra quase nunca. Bob Davis era alguém que não gostava de falar,
isso estava claro. Era esse o motivo de Mary Hellen sentir-se segura em ir até
a cocheira para divagar.
— Importa-se se
eu ajudá-lo a escovar os cavalos hoje, Bob?
— Sem problemas — murmurou, fitando-a de
soslaio. A baia de Pepper estava com cheiro doce de feno fresco.
Mary Hellen cumprimentou
o animal e passou a palma da mão pela extensão de seu pescoço. A escova era um
tanto pesada, mas ela logo habituou-se, e começou a passá-la pelo lombo de
Pepper.
As duas semanas desde
que ela e Christopher se beijaram no parque foram as mais esplendorosas de sua
vida. Mas sabia em seu coração que o clima de flerte entre os dois nada
significava.
Christopher dissera-lhe,
quando Mary Hellen sugeriu que encontrasse uma companheira, que não tinha interesse
em manter um relacionamento. E, mesmo que tivesse, Mary Hellen não ficaria ali
por muito tempo.
De
fato, recebera a notícia de que havia uma posição disponível na Eslováquia.
Necessitavam de sua presença já, mas segurariam a vaga para ela durante quinze
dias.
Mary
Hellen fora para o estábulo a fim de planejar a melhor maneira de contar a
Christopher.
Mais
uma semana ali com ele e Ekhatherina deveria bastar. Em seguida, voaria para a
Eslováquia com tempo livre para encontrar um lugar para morar antes de começar
no novo emprego.
A cada
dia que passava, Christopher parecia mais e mais confortável em seu novo papel
de pai de Ekhatherina. E a criança, muito feliz em seu novo lar na América do
Norte.
Em
pouquíssimo tempo, nenhum dos dois precisaria de sua presença, e essa fora toda
idéia desde o princípio.
Então o flerte entre ela
e Christopher precisava ser aproveitado antes que acabasse. Podia ser apenas
temporário, mas decerto era divertido!
Mary Hellen não sentira
jamais uma alegria tão pura como nos
momentos em que esteve nos braços de Christopher.
Pepper
relinchou suavemente, parecendo sentir que Mary Hellen sorria.
Entretanto, uma nuvem
pequenina e negra pareceu formar-se sobre ela quando pensou na perspectiva de
dizer a Christopher que um trabalho a aguardava. Com certeza ficaria contente
e aceitaria a novidade com...
Bob tossiu.
— Eu, bem...
Surpresa pela óbvia
intenção de Bob em conversar com ela, Mary Hellen olhou em sua direção, a mão
pousada no lombo de Pepper.
— Estive pensando em lhe dizer... acho que
nunca vi Christopher tão alegre. Ele costumava ficar metido naquele escritório
de doze a catorze horas por dia. Agora, vai fazer compras, piqueniques no
parque... Estou achando ótimo. Mary Hellen arregalou os olhos. Nunca ouvira
tantas frases assim de Bob.
— Ele está feliz —
Mary Hellen concordou. — Ekhatherína mudou sua vida.
Bob pigarreou.
— Caso não se
incomode com meu comentário, Mary Hellen, acho que a pequena, Ekhatherina não é
o único motive por trás do bom humor dele.
Mary
Hellen enrubesceu, embaraçada. Bob dava a entender que ela era o motivo da
mudança em Christopher. Mary Hellen sentiu vontade de mudar de assunto. Mas Bob
precisava saber a verdade. Ela não poderia permanecer ali.
Porque?,
a pergunta ecoou em seu cérebro. Porém, Mary Hellen afugentou-a, assim como nas
outras vezes em que a questão surgiu. Deixou de lado a escova e deu alguns
passos para mais perto de Bob.
— Olhe eu não
ficarei aqui. Tenho um emprego me esperando na Eslováquia. Partirei em breve.
Apenas vim para fazer com que a transição de Ekhatherina corresse com mais
tranquilidade.
Bob
parou de mexer com o feno e a encarou pela primeira vez
— Christopher me
falou isso. Mas é que... bem, pareceu-me que... as coisas haviam mudado.
O
clima divertido que ela e Christopher vinham partilhando podia ser inocente na
cabeça deles, mas era óbvio que o comportamento fora notado por Bob e alterara
a percepção dele quanto à situação.
Como Mary Hellen nada
respondeu, Bob disse:
— Não queria ser intrometido, e decerto
não devia estar me metendo, mas está sendo bom para Christopher ter uma mulher
em seu caminho. Temo que ele possa não ter coragem de lhe falar isso. Por essa
razão eu estou dizendo.
Mary
Hellen sorriu. Sim, aquele homem estava sendo um tanto indiscreto, mas não o
culpava por sua preocupação para com Christopher. Era óbvio que sua intenção
era boa.
Além
do mais, a observação de Bob de que uma companhia feminina para Christopher
lhe fazia bem apenas solidificava a idéia de que o papai de Ekhatherina precisava
achar sua alma gêmea.
Mary
Hellen pensara nisso desde o princípio. Era verdade que Christopher não
gostara muito da sugestão quando fora trazida à tona, mas isso não a tornava
menos interessante e correta.
A
mente de Mary Hellen parecia girar. Talvez... apenas talvez... tivesse coragem
de mencionar isso de novo antes de deixar aquela casa para sempre.
— Você também não parece infeliz aqui.
— Bob esboçou um raro sorriso, que iluminou seu rosto enrugado.
— Está certíssimo em dizer isso.
Bob
parecia estar esperando que Mary Hellen elaborasse algo. Como nada falou, ele
prosseguiu:
— Então por que
precisa ir embora? Justo quando você e Christopher parecem estar se dando tão
bem...
A última sentença
continha mais insinuações do que Mary Hellen gostaria de admitir que notara.
Mais uma vez sentiu-se embaraçada. Ela e Christopher vinham brincando um com o
outro, divertindo-se com a atração física que nutriam um pelo outro.
Contudo, isso nada
significava. Não poderia significar.
Era apenas diversão, um
entretenimento. Só isso. Ainda assim, como explicar a Bob? Parecia pessoal
demais, muito íntimo. Por outro lado, Mary Hellen sentia que Bob merecia saber
o que se passava.
Desse modo, abriu o
portão da baia, passou e fechou-a atrás de si, dirigindo-se à baia aberta onde
Bob estava ao lado do cavalo. Precisava fazê-lo compreender, de uma vez por
todas, qual era a realidade dos fatos.
— Não posso ficar
aqui. — Sua voz soou frágil bem no momento em que quis que parecesse forte e
firme.
Mary Hellen decifrou
algo mais também em sua entonação. Contudo, não sabia o que era. Bob achou
graça.
— Parece tão insegura...
Era
isso! E o fato de Bob ter sido capaz de reconhecer a indecisão quando ela mesma
não fora, a fez enrubescer de novo.
— Diga-me, Mary Hellen, por que não
pode ficar?
— Bem, eu... — gaguejou. — Tenho um
emprego na Eslováquia.
Bob
afastou a idéia com um breve gesto com a mão larga e cheia de calos.
— Empregos há
muitos. Você pode trabalhar em qualquer lugar.
O fato
de Bob ter desprezado sua única boa e sólida desculpa deixou-a mais aborrecida
do que podia suportar. O medo começou a tomar conta de seus sentidos, e Mary
hellen entrou em pânico.
— Não posso ficar aqui, Bob. Não posso!
— E então saiu correndo do estábulo.
— Bem, está quase pronto.
Ouvir Christopher
resgatou Mary Hellen de seu estado contemplativo. Estava sentada na varanda dos
fundos, apreciando os sons agradáveis da noite. Usava camisola de cetim e robe
combinando, e fora para lá na tentativa de relaxar um pouco.
Tinha
muitos problemas com os quais lidar. O modo como fugira da cocheira e das
perguntas de Bob na véspera obrigaram-na a encarar todas as implicações associadas
àquele ato intempestivo.
Precisava
contar a Christopher sobre o trabalho que conseguira e pôr fim ao clima de
provocação e flerte entre eles.
Mas
não queria interromper as brincadeiras. Christopher fazia com que ela se
sentisse tão bela, tão feliz, tão viva!
A
varanda parecera o lugar perfeito para lidar com tantas questões perturbadoras.
Uma coisa era certa: desde que chegara aos Estados Unidos tornara-se mestra em
fugir de ansiedade e problemas.
Suspirou e sorriu na
escuridão.
— O que está quase acabado,
Christopher? Ele sentou-se.
— Nosso casamento.
O
clima agradável da noite pareceu tornar-se gélido de repente,
— Os papéis da anulação chegaram? — Ela
sentou-se bem aprumada, colocando os pés descalços no chão.
— Sim. — Christopher ergueu o grande
envelope para que Mary Hellen visse. — Precisamos apenas ler e assinar os
documentos, e então meu advogado cuidará de tudo o mais.
— Nossa!
Mary
Hellen não entendia o que estava sentindo. Era como se o enlace tivesse sido
real.
Porém, tudo acontecera
para que ele pudesse tirar Ekhatherina de Kyreznóvia apenas isso. Mesmo assim, era
como se mais uma peça do quebra-cabeça estivesse sendo colocada no lugar. As
outras pertenciam ao emprego dela. E a necessidade de Christopher e Ekhatherina
de sua permanência ali diminuíam a cada dia.
Em breve, nada restaria
para manté-la naquela propriedade. Sem saber o que dizer, murmurou:
— Foi tudo muito rápido.
— De modo geral,
o sistema legal coloca empecilhos em tudo. No entanto, neste caso, permitiu que
tudo corresse com rapidez, por incrível que pareça.
Christopher olhou para o
escuro e acrescentou, com ironia:
— Que sorte a minha!
— O que quer dizer? Era isso que você
desejava. O que nós queríamos. — Mary Hellen percebeu, apesar da penumbra, que
Christopher sorria.
— Claro... — Ele, então, sorriu com
mais intensidade. — Estava apenas provocando você.
A voz
dele tornara-se deliciosamente suave, e Mary Hellen sentiu o sangue se
aquecendo. Devia controlar-se. Precisavam discutir um assunto importante. O
trabalho que a levaria para longe, e também os papéis da anulação.
Mary
Hellen passou os dedos para cima e para baixo no pescoço.
— Bem, o que faremos agora,
Christopher?
— Nada. Além de assinarmos na última
linha destes formulários. Já que a anulação é incontestável e não houve
contato sexual...
O ar pareceu tenso.
— Beijos não contam.
Ela
tentou achar graça diante do comentário provocante. Christopher tentava tornar
a situação mais leve, muito embora a tensão reinasse entre eles. Mary Hellen
pressionou a palma contra a barriga, na altura do estômago, e respirou fundo.
— Você está bem, Mary Hellen?
— Lógico.
Após um momento,
Christopher levantou-se.
— Vamos para meu escritório terminar logo
com isso.
Minutos mais tarde,
inclinada sobre a escrivaninha, Mary Hellen pressionou com força a ponta da
caneta contra o documento oficial para evitar que a mão tremesse. A assinatura
não ficou tão nítida quanto gostaria, mas era seu nome legal, de qualquer
maneira.
A
caneta parecia voar de página a página enquanto Christopher assinava os papéis
que declaravam que o breve casamento deles não mais existia. Como se nunca
tivesse acontecido.
— Pronto! — Christopher colocou a
esferográfica sobre o tampo e endireitou a coluna, suspirando.
— Então, não sou mais a sra.
Christopher Kimball.
— E engraçado, mas nunca cheguei a
pensar em você como sendo.
— E por que deveria?
Mas,
mesmo ao sorrir, fingindo descaso, Mary Hellen sentia como se uma faca entrasse
em seu coração.
— Mary Hellen
Ritter... A melhor babá do mundo. É como sempre me lembrarei de você.
Como
as palavras a magoavam! Dilaceravam sua alma. Mas por quê?, Mary Hellen tentava
imaginar. Por que se sentia ferida com o que ele dizia?
O comentário nem deveria afetá-la. Afinal, desde o princípio soubera que o jogo que vinham levando
era apenas um flerte.
Tinha
consciência de que Christopher não estava interessado em um relacionamento
estável. Tampouco ela estava. Divertiram-se ao se provocar, ambos
sabendo que em breve aquilo chegaria ao fim.
Desse
modo, por que experimentava a tortura terrível apenas em escutá-lo verbalizar o
que ela sempre soubera ser verdade?
"Porque você o
ama!"
"Não!"
A negativa silenciosa foi firme. Não podia ser. Não permitiria que fosse.
Segundos que pareceram
horas se passaram. Mary Hellen precisava conversar sobre algum outro assunto, exceto
o que o casamento havia ou não sido ou qual o significado da anulação.
Também
não queria falar de como ele se lembraria de sua estada na Filadélfia.
Necessitava
com urgência afastar qualquer idéia de seu afeto por Christopher. Tratava-se
apenas de volúpia, algo que vinha conseguindo manter sob controle.
O que
sentia não era amor. Amar Christopher não era uma possibilidade.
O caos
em seu interior quase a deixava maluca. Lutou por encontrar algo para dizer.
— Eu queria lhe contar... queria que você
soubesse...
Christopher
virou-se para fitá-la, e Mary Hellen constatou naquele instante que não havia
homem mais belo na face da terra. Por que o destino dera-lhe olhos tão
maravilhosos?
— Consegui um emprego, Christopher! Na
Eslováquia.
Ele
franziu a testa, e estava prestes a responder quando um grito pesaroso veio do
quarto do bebê, alertando-os de que Ekhatherina acordara.
Christopher
pediu licença a Mary Hellen para ir ao encontro da filha.
Mary Hellen
reuniu os documentos e ajeitou-os em uma pilha perfeita. Então, colocou-os de
volta no grande envelope. E experimentou uma desolação devastadora que encheu
seus olhos de lágrimas.
Não choraria. Não
poderia fazer isso! Era uma mulher adulta, amadurecida. Envolvera-se naquele
esquema todo conhecendo as regras. Não poderia esperar que elas mudassem a seu
bel-prazer.
— Não quero que as regras mudem —
sussurrou.
Mas mesmo enquanto
falava, sabia que mentia.
Bem, decidiu, teria de
continuar vivendo com essa mentira. Christopher nunca descobriria o que lhe
despertara. Afinal, não pensava em nela daquele jeito pessoal, profundo e
íntimo.
Flertará,
dissera palavras doces, provocara-a, beijara-a. No entanto, fora mera diversão.
Ambos sabiam disso.
E os
comentários proferidos por Christopher minutos atrás eram uma prova disso.
— "A melhor babá do mundo" —
Mary Hellen repetiu.
Parecia óbvio que seu
afeto por ela não ia além disso.
Mary
Hellen preocupava-se muito com a impossibilidade de continuar escondendo de Christopher
o que lhe ia no coração no decorrer dos dias que viriam.
Foi
quando ouviu-o cantando com incrível suavidade para a filha. Sorriu, a despeito
das emoções nebulosas que a envolviam.
Christopher
amava Ekhatherina do fundo da alma. E a garotinha passara a adorar o novo papai
também,
A babá
eletrônica instalada na cozinha transmitia os sons do dormitório da menina, que
parecia repetir uma palavra vezes e vezes.
Ainda
pensativa, Mary Hellen foi para a cozinha e abriu uma porta do armário, de onde
tirou uma xícara plástica de Ekhatherina. Dirigiu-se à geladeira e pegou a
garrafa com suco de maçã.
Christopher
surgiu atrás dela, com Ekhatherina nos braços, no instante em que Mary Hellen
fechava a porta do refrigerador,
— Sinto muito, Mary Hellen, mas não sei
o que Ekhatherina está pedindo. Imaginei que já havia aprendido bastante de
seu idioma, mas isso é novo para mim.
— Bebe — Ekhatherina balbuciou, olhando
com expressão de súplica para Mary Hellen. — Bebe.
— Aqui, querida. — Mary Hellen ofereceu
a xícara com suco para a menina. — Ela quer beber.
Mary Hellen, então,
arregalou os olhos. Pegara o suco sem ter consciência do que ouvia através da
babá eletrônica.
— Ela quer uma bebida! — Mary Hellen
disse, estupefata.
Mesmo
assim, Christopher não pareceu compreender a relevância daquilo.
— Em nosso
idioma, Christopher! Apenas não pronunciou muito bem.
Christopher foi
contagiado pela excitação dela.
— Minha menininha está aprendendo nossa
língua!
Ekhatherina
riu, o cansaço deixando o belo rostinho. Mary Hellen creu que a criança não
devia compreender o motivo da alegria do pai, mas parecia satisfeita em
juntar-se a animação reinante.
— Isso pede uma comemoração! — Christopher
declarou.
Mary Hellen
foi direto para o armário.
— Sim, precisamos
de um brinde. Suco de maçã para todos?
— Suco de maçã
será tão bom para mim quanto champanhe, agora.
Brindaram, e Christopher
propôs:
— A Ekhatherina!
— A Ekhatherina! — Mary Hellen repetiu,
antes de tomar um gole. — Nossa princesa progredirá no aprendizado a uma
velocidade assustadora. Não haverá como detê-la.
Christopher voltou o
olhar embevecido para a filha.
— Isso é fantástico, querida. Logo o papai
será capaz de compreender tudo o que você disser. E vai me entender também. Não
é o máximo? — Virara-se para Mary Hellen ao fazer a pergunta.
Ela
assentiu, mas em seu peito constatou que a última peça daquele complicado
quebra-cabeça, a razão primeira para justificar sua permanência naquela casa,
acabara de ser colocada no lugar.
Os dois já não
precisavam mais dela.
Deu
alguns passos na direção da varanda. Ouvia o som de grilos e sapos.
Não exagerara quando
falara a Christopher que Ekhatherina teria um progresso impressionante. A
capacidade de aprendizado das crianças era fabuloso. Como esponjas secas,
sugavam tudo, absorvendo qualquer informação que lhe era apresentada. A pequena
Ekhatherina não era diferente.
Em
semanas, Mary Hellen sabia que o bebê de Christopher estaria pronunciando
verbos e substantivos, e em seguida aprendendo a formular sentenças simples.
Dessa etapa, a comunicação entre pai e filha seria ilimitada.
Mary
Hellen também compreendia que, quando partisse, eles ficariam bem. Porém, ao
pensar em si mesma, ficava imaginando quanto tempo levaria para tirar de seu
coração a saudade daquele homem especial e de sua filha preciosa.
Um
movimento a obrigou a erguer o olhar. Christopher estava em pé, com as mãos
postas no batente da porta. A luz atrás dele deixava-lhe o semblante na
escuridão, mas enfatizava a largura dos ombros e os contornos do corpo esguio.
Mary
Hellen maravilhou-se com o fato de a mera visão fazer sua pulsação acelerar.
— Bem, após três
histórias e uma troca de fraldas, Ekhatherina resolveu se acalmar.
Mary
Hellen pôde apenas sorrir, desejando que sua desolação e tristeza não
estivessem evidentes. As sensações eram tolas, mas bani-las era impossível.
O fato de Christopher
ter colocado Ekhatherina na cama sem sua ajuda era mais uma evidência de que a
necessidade que tinha dela ali desaparecia como por encanto. O que a deixava
desolada.
— Acho que precisamos conversar.
Mary Hellen assentiu,
sabendo que, embora a varanda estivesse às escuras, a luz que vinha do interior
da residência iluminava seu rosto o bastante para que Christopher pudesse ver
sua resposta silenciosa. Não confiava na voz para falar naquele momento.
Ele aproximou-se, mas
parou antes de chegar perto demais. Mary Hellen ficou aliviada por Christopher
não acender a lâmpada. Era melhor discutirem o assunto na penumbra.
Christopher cruzou os
braços e apoiou-se na parede.
— Há quanto tempo sabe do emprego?
Mary
Hellen sentiu vontade de adiar a conversa. Mas não poderia.
— Faz pouco. Apenas alguns dias.
O silêncio dele pareceu
mostrar sua desaprovação.
— Você sabia que eu estava procurando
trabalho, Christopher. Esse era o plano desde o princípio.
— Eu sei.
A
última coisa que Mary Hellen queria era uma discussão. De fato, estava quase
desabando em lágrimas. Se a raiva dele aflorasse ou Mary Hellen ficasse muito
aborrecida, poderia acabar revelando mais do que devia acerca dos próprios
sentimentos.
— Apenas fico
imaginando o motivo de você não ter me contado de imediato.
"Porque
eu não queria estragar toda a diversão que experimentávamos. Porque eu gostava
do modo como você me tratava. Apreciava o jeito como me fitava. E me
beijava..."
Podia apenas pensar em
tudo isso, mas não verbalizar.
Christopher
focou a visão em algum lugar ao longe do quintal.
Alguns
instantes se passaram, e a agonia de Mary Hellen apenas aumentava. O tempo
urgia. Ela precisava lidar com o assunto e habituar-se àquilo, para poder seguir
adiante.
Cometera
o erro de apaixonar-se por Christopher, mas superaria isso.
Apesar
de saber que um dia acabaria esquecendo os sentimentos íntimos que nutria por
ele, nunca deixaria de se importar com Christopher.
Ele lhe falara antes que
não estava interessado em se casar, porém, mesmo assim Mary Hellen achava que
seria a melhor solução.
Pensou
na visita de Ekhatherina à pediatra e em como Christopher ficou perturbado.
Após sua partida, ele não teria ninguém em quem se apoiar.
Ficara
muito bravo quando Mary Hellen opinou a respeito de vir a ter uma esposa de
verdade. Entretanto, depois que ela partisse, não teria outra oportunidade de
lhe dizer que Christopher precisava abrir-se para o amor.
Decidiu,
portanto, correr o risco de avivar-lhe a ira e ficou imaginando qual seria a
melhor maneira de abordar o tema, dando o conselho indesejado.
— Christopher,
você sabe que partirei em breve. Mas há algo que gostaria de lhe dizer. Depois
que eu me for, não terei oportunidade de expressar o que sinto.
Christopher fitava-a com
atenção.
— Desde que eu
vim para cá, sinto que nos tornamos... amigos.
Christopher ficou tenso.
— Por isso, não posso deixar de lhe
falar, de novo, que... você precisa de alguém.
— Mary Hellen...
Mas ela recusou-se a ser
interrompida.
— Espere. Por favor, deixe-me terminar. Eu
me importo com seu bem-estar e o de Ekhatherina. Sei que já conversamos sobre
isso, mas ficarei preocupada com vocês dois quando viajar. Quero só que me diga
que no mínimo pensará em namorar. E tentará imaginar-se com uma moça que possa...
ajudá-lo. Alguém que seja uma mãe para Ekhatherina.
Mary
Hellen não queria que entrar em muitos detalhes. E muito menos imaginar a
alegria que aquela outra mulher encontraria nos braços dele. O simples fato de
saber que o homem que amava não estaria só bastaria. Teria de bastar.
— Prometa-me que,
assim que eu virar as costas, você tentará encontrar uma esposa.
Christopher
suspirou. Os braços penderam nas laterais do corpo, e ele deu alguns passos na
direção de Mary Hellen.
— Oh, Mary
Hellen... — Sentou-se perto dela. — Fico tão feliz em saber que você se importa
comigo e com Ekhatherina!
Ela não sabia o que
dizer. Preparara-se para a fúria de Christopher, e foi surpreendida pela doçura
de seu semblante.
— Você tem razão.
— Christopher sorriu. — Nós nos tornamos amigos. Sei que lhe devo muito. Quero
que me compreenda. Gostaria que me deixasse explicar...
Christopher,
num rompante, tomou a mão de Mary Hellen entre as suas.
— Eu gostaria de esclarecer por que nunca
poderei lhe prometer o que está me pedindo.
CAPÍTULO XI
Grazielle era tão jovem... A voz de
Christopher chegava até Mary Hellen, acariciando-a, mas havia tensão nas
palavras. Uma combinação desconcertante.
— Tinha apenas
dezenove anos. Eu a amava de verdade. — Olhava por sobre o ombro de Mary
Hellen, parecendo consultar a noite, enquanto falava. — Mas nós éramos novos
demais para nos casarmos.
Mary Hellen estava
sentada, silenciosa e pensativa. O relacionamento de Christopher com a moça a
que se referia devia ter sido sério, se chegaram a cogitar casamento.
— Grazielle formara-se no colegial no ano
anterior. Tinha um emprego em período integral. Achava-se pronta para começar a
nova fase de sua existência, a qual era, em seu modo de ver, composta apenas
por matrimônio, filhos, um lar...
Houve
agitação nos movimentos de Christopher, quando coçou o queixo com expressão
ausente.
— E eu? Estava entrando no terceiro ano de
faculdade. Mal completara vinte anos. De modo algum estava pronto para um
compromisso e a responsabilidade de ter esposa e família. Queria dedicar-me por
completo aos estudos.
Christopher suspirou.
— Ela falava em casamento com frequência.
Eu tentava ser paciente e explicar meus objetivos de uma maneira que não a
magoasse, mas minha namorada parecia não compreender.
Mary
Hellen, então, sentiu o olhar intenso em seu rosto, mas duvidava que até mesmo
Christopher a estivesse enxergando. Encontrava-se em outro lugar, em outra
época.
— Talvez
compreendesse, mas estivesse determinada a alcançar as próprias objetivas. Não
sei dizer.
Christopher
inclinou-se adiante e descansou os cotovelos nos joelhos. A musculatura do
pescoço relaxou um pouco, e a cabeça pendeu para baixo. Olhou para as mãos
entrelaçadas ou para o chão, Mary Hellen não sabia ao certo.
Respirou
fundo, num suspiro que disse-lhe que algo estava prestes a acontecer. Algo
grande e ruim. E, fosse o que fosse, Christopher tinha medo de falar.
Mary
Hellen prendeu a respiração e ficou aguardando que a recordação, sem dúvida
dolorosa, lhe fosse revelada.
— Grazielle foi
até mim certo dia e pressionou-me a marcar uma data. De novo. Repeti que o
momento não era apropriado. Não queria magoá-la, nunca quis. Mas minha namorada
não parava de pressionar. De repente, explodiu em gritos, afirmando que queria
casar-se de imediato, bem no início de meu último ano na faculdade. Falei-lhe
que a idéia era ridícula e que nós teríamos de esperar. Grazielle agia como se
nem mesmo me ouvisse. Dizia que iria trabalhar, e eu continuaria indo às aulas.
Nossas vidas seriam perfeitas, dizia.
Passou a mão pelas faces
e voltou a suspirar.
— Foi aí que perdi a paciência. Estava tão
frustrado! "Você não entende o que estou tentando fazer?", perguntei-lhe.
Estava lutando muito para conseguir um diploma. Isso nada significava para ela?
Disse-lhe tantas coisas que nem mesmo me lembro de tudo agora. Mas recordo-me
de ter terminado o relacionamento. Jurei que não me casaria com ela nem com
nenhuma outra garota durante muito tempo. Anos até. Christopher sentiu um
arrepio.
— Grazielle me
xingou, praguejou... Então correu, soluçando tão alto que as pessoas começaram
a aparecer nas janelas para ver o que acontecia.
Christopher
ficou frio, e Mary Hellen teve de obrigar-se a não tocá-lo. Ainda não. Alguma
coisa lhe dizia que não era o momento certo. Ele estava por demais envolvido
nos acontecimentos amargos.
— Ela saiu de carro em disparada... —
Christopher engoliu em seco. — ...e causou um acidente com mais quatro veículos
na rodovia.
Mary
Hellen temeu que seu murmúrio de susto o perturbasse. No entanto, Christopher
mergulhara muito fundo nas recordações para até mesmo ter consciência de como
fora sua reação.
— Quando cheguei ao hospital, era tarde
demais.
— Oh, Christopher...
Dessa
vez, o impulso foi muito poderoso para ser contido. Mary Hellen pousou a mão
em seu braço.
— Ela morreu?
— Não.
Mary Hellen
franziu a testa, confusa. Sendo assim, o que quisera dizer com...
— Mas nosso bebê
sim. E eu nem mesmo sabia que ia ser pai.
Christopher pareceu
isolar-se do presente ainda mais. E Mary Hellen soube que nada que dissesse o
confortaria naquele momento.
Soltou-o e levou os
dedos de encontro ao peito, na altura do coração, que se contraía com a dor de
Christopher.
— Fui tão egoísta, Mary Hellen... Estava
tão concentrado no que eu queria, no que pretendia ter, que recusei-me a
escutá-la. Nem ouvi o que tentou revelar quando implorou que nos casássemos.
Grazielle estava grávida de um filho meu, e apavorada. E simplesmente a
dispensei! Agitado, Christopher alisou os cabelos.
— Minha rudeza,
minha teimosia... mas mais do que tudo meu egocentrismo causaram a morte de meu
filho.
Christopher
respirava em golfadas entrecortadas, e Mary Hellen teve certeza de que
começaria a chorar. Contudo, manteve-se firme.
Ela
queria muito poder abraçá-lo, mas, como não sabia como Christopher reagiria,
nada fez.
— Depois disso,
jurei que não causaria infelicidade a nenhuma outra mulher. Não deixaria
ninguém apaixonar-se por mim. Não permitiria que uma garota chegasse perto o
bastante para se machucar. Concluí que não sou adequado como companheiro. Isso
tornou-se muito claro para mim, na ocasião. Assim como está muitíssimo evidente
agora.
Naquele
instante, Mary Hellen compreendeu. Quando conheceu Christopher, suspeitou de
que ele não queria envolver-se porque fora magoado por alguma moça. Descobrira
a verdade. Fora ele quem causara a mágoa.
A idéia
de que negava-se o direito à felicidade, ao amor e companheirismo, partilha e
ternura que um grande amor lhe traria desconcertou Mary Hellen.
Com
lágrimas nos olhos e a alma em frangalhos, mergulhou mais fundo na melancolia
dele. Lamentava a perda da criança de cuja existência Christopher soube apenas
quando já era tarde demais.
Mary
Hellen fez uma constatação surpreendente. Christopher tomara decisões bastante
duras e inflexíveis porque sentia culpa acerca de eventos ocorridos. Acontecimentos
sobre os quais teve pouco ou nenhum controle.
— Christopher...
Ele nada respondeu, não
mexeu um músculo sequer, e Mary Hellen decidiu que ainda estava perdido nas lembranças
terríveis.
A
urgência em resgatá-lo era imensa. Christopher precisava libertar-se de tanto
sofrimento.
Pousou a mão no ombro
dele e apertou com suavidade.
— Christopher, olhe para mim.
Ele
virou-se em sua direção, e o que Mary Hellen viu quase a fez cair em pranto. O
olhar dele perdera a intensidade, percebia isso até mesmo na penumbra da
varanda.
Christopher
parecia letárgico, como se tivesse corrido por uma distância muito longa e
sentisse enorme exaustão.
— Você não pode se culpar, Christopher.
Não sabia que Grazielle esperava um bebê. Desconhecia a existência da criança
quando ela saiu em disparada.
— Eu posso me culpar, sim. E me culpo.
Se não tivesse sido tão dominador, Grazielle teria se sentido mais confortável
para me contar o que estava acontecendo. Rejeitei-a, e ela correu às cegas e
envolveu-se em um acidente que tirou a vida de nosso bebê. Sempre me sentirei
responsável, sempre!
Mary
Hellen conseguia compreendê-lo, por mais ilógico que fosse. Afatou-o, tentando
em vão dar-lhe algum conforto.
— Sabe,
Christopher, é costume nos dizerem para deixarmos o passado para trás. Devemos
aprender com nossos erros e tentar não repeti-los. Esquecer o que passou e
seguir adiante. No entanto, acredito que a vida lhe propôs uma situação que não
pode ser colocada de lado. Você terá de conviver com isso.
Ela segurou-lhe o pulso,
e Christopher pareceu muito aliviado em constatar que Mary Hellen não tentaria
convencê-lo a deixar de sentir-se mal por tudo o que ocorrera tanto tempo
atrás.
— Também acredito, Christopher, que a
pessoa que você é resulta do que experimentou um dia. Acredito que essa seja a
grande verdade para todos nós. Você, eu, cada ser humano.
Mary Hellen suavizou a
entonação ao acrescentar:
— Se não tivesse
rejeitado Grazielle, se não tivesse desprezado sua primeira oportunidade de
constituir uma família, então... quem sabe? Poderia nunca ter sentido vontade
de responder ao apelo desesperado de Ekhatherina por um pai e um lar, quando
assistiu àquele programa de televisão. E vou lhe dizer algo mais. Pode se sentir
muito mal em relação a seu comportamento egoísta com sua namorada, Christopher,
mas o fato de ter abrigado aquela menina, quando ela não tinha nada nem nenhum
lugar para onde ir, foi o ato mais desprendido
que já tive oportunidade de presenciar.
que já tive oportunidade de presenciar.
Mary
Hellen notou uma luz nova brilhando naquelas pupilas. Era algo tênue, um raio
de esperança, mas existia. Pela primeira vez, pareceu que Christopher ponderava
a situação dolorosa sob um ângulo diferente.
— Não vou lhe
dizer para tentar esquecer-se de tudo, mas digo-lhe que é hora de perdoar. E
sabe quem? Você mesmo.
A cada
sentença, Christopher aprumava-se um pouco mais. Considerava tudo o que Mary
Hellen lhe dizia com intensa concentração.
— Não podemos
mudar o passado, isso é uma realidade. Mas é nosso dever fazer o melhor para
tornar o futuro gratificante para nós e aqueles a quem amamos.
Mary
Hellen parou de acarinhá-lo e deslizou para a beirada da cadeira. Queria estar
o mais próximo possível dele quando expressasse suas palavras finais:
— Comecei a me importar muito com você e
Ekhatherina. E pode até ficar bravo com o que estou prestes a falar, mas o que
me contou não me faz mudar de opinião. Ainda sinto que necessita de uma
companheira em seu caminho.
Antes que ele pudesse
responder, apressou-se:
— Quando recordo
do pavor que experimentou com Ekhatherina, como na ocasião em que o bebê caiu
do berço... ou as preocupações na sala da médica... e até mesmo nos momentos
maravilhosos, como esta noite, quando sua filha falou a primeira palavra em
nosso idioma, fico triste em imaginar que, assim que eu for embora daqui, você
não terá ninguém com quem dividir coisas assim.
Pousou a palma no joelho
dele.
— Tem de
encontrar alguém com quem partilhar sua existência.
Christopher
a encarou, e Mary Hellen preparou-se para sua ira.
Porém, ela não veio.
Os
segundos pareciam transcorrer em câmera lenta. Era impossível saber o que ia
pela mente de Christopher. Seria indecisão o que pairava nas íris escuras?
Com
vagar, ele umedeceu os lábios com a língua. E os maxilares ficaram rígidos, no
que parecia ser uma resolução súbita.
Foi quando Christopher
afirmou:
— Não quero qualquer pessoa. Eu quero
você!
"Por
que diabos não mordi a língua, Santo Deus? Por que deixei as frasess saírem de
minha boca?!"
Porque
Christopher não teve o menor controle sobre o que falou. Sua fraqueza fez suas
emoções se revelarem. E temia ter assustado Mary Hellen.
Apavorada, Mary Hellen
saiu correndo da varanda.
Primeiro, ficara apenas
estupefata. E aí, com muita rapidez fabulosa, o medo dominou todos os ângulos
de seu lindo semblante.
A pele
pareceu muito pálida, apesar da escuridão, os olhos, arregalados, com o que
Christopher poderia escrever como pavor. E saíra em disparada, come o diabo
foge da cruz.
Se
tivesse mantido a boca fechada, não estaria sentado ali, só e na escuridão.
Ao
explicar a morte de seu filho a Mary Hellen, Christopher foi açoitado por
emoções tão intensas que achou que fosse perder-se para sempre nes horrores das
recordações.
Mas
Mary Hellen consegui-a resgatá-lo com seu jeito doce, confortando-o até deixá-lo
livre e sozinho na varanda.
O que
ela dissera fazia sentido. Algumas situações não podem ser esquecidas. Jamais
deixaria de recordar o primeiro filho. E algumas atitudes e comportamentos, não
importava o quão pesarosos fossem, não podiam ser postos de lado, mas
suportados.
Fora
correta também ao proclamar que as pesseas eram moldadas por suas experiências.
Orgulhava-se do fato de Mary Hellen considerar a adotão de Ekhatherina um ato
desprendido. Não havia pensado no assunto sob esse prisma antes. Talvez tudo o
que ocorrera em sua vida tivesse ajudado Christopher a se tornar um homem
melhor.
Sim,
conforme Mary Hellea afirmara, cada pessoa é resultado direto do que
experimentou um dia.
Tudo o
que ouvira foi uma chave importante para destravar não apenas os mistérios de
quem ele era e do que sofrera, como também as dores dela.
O medo
que tomou-a apenas momentos atrás o confundiu. O que gerava tanto pinico?
Christopher
vira aquele comportamento antes, lembrou-se, quando beijou-a pela primeira vez
no corredor, tantas semanas atrás.
Beijara-a, e Mary Hellen
cerrera para o quarto, amedrontada. E no dia seguinte ameaçara partir. Apenas
seu apelo, dizendo que necessitava dela, mudara sua intenção de ir para longe,
de imediato.
Christopher
chegara a achar que Mary Hellen tinha medo de intimidade... que sua
inexperiência com homens tornava-a arredia. Porém, logo aprendeu que não era
isso. Após o incidente em que ela saíra enrolada em uma toalha no meio de um
banho de imersão, começaram a flertar.
Fora
um comportamento leve e frívolo, e Mary Hellen parecera divertir-se tanto
quanto ele.
Talvez
tivesse conseguido relaxar porque o que ocorrera entre os dois não passava de brincadeira.
Contanto que o flerte permanecesse em um nível superficial, Mary Hellen sentia-se
segura.
Seria
isso? Poderia ser que, contanto que a atração tivesse algum apoio em um clima
divertido, ela quisesse jogar?
O
relacionamento deles não iria a lugar algum. Ao menos era o que o jogo trivial
deixara implícito. Fora isso o que os dois, erradamente, concluíram. O que haviam
verbalizado.
A
atração era externa, e poderia ser deixada para trás com facilidade, e assim
seria quando fosse hora de Mary Hellen partir. Era por isso que ela se mostrava
segura em participar.
Contudo, por que estava
tão determinada a deixá-los?
O que
sentiam um pelo outro, a eletricidade poderosa, era tão forte que qualquer um
perceberia. E Mary Hellen, decerto, não era pouco perceptiva. Era carinhosa e
se preocupava muito com os que estavam a seu redor. Todo aquele contexto
parecia formar uma grande contradição.
Frustrado,
Christopher suspirou. Sentia como se lhe faltassem muitas informações a
respeito de quem Mary Hellen era, o que lhe ia no íntimo e por quê. Mas como
obter um quadro coerente?
Uma pessoa era moldada
pelo passado...
O conceito voltou a
povoar sua mente. Poderia o temor de Mary Hellen ter sido provocado por algo
que acontecera?
Ela
fora abandonada pela mãe. Passara de um lar adotivo para outro. Resolvera dar
aulas porque as crianças necessitavam dela. Deixara os Estados Unidos... por
quê?, Christopher indagou-se.
Fora
para outros países após ter se formado na faculdade e não retornara até
concordar em ajudá-lo com Ekhatherina.
Será
que toda a América do Norte representava um lugar onde não se sentia querida?
Duas palavras pareciam
fundamentais: querer e precisar.
Mary
Hellen não se sentiu querida quando criança. E todas as vezes em que
Christopher dera a entender através de palavras ou atitudes físicas que a
queria, Mary Hellen entrara em pânico e dera-lhe as costas.
Ensinava
inglês a crianças estrangeiras que necessitavam de sua auxílio. E Christopher
convencera-a a ajudá-lo, persuadira-a a ficar quando Mary Hellen ameaçara ir
apenas explicando o quanto precisava dela.
Sim,
Mary Hellen tinha de ser necessária. Mas temia ser querida.
A
revelação fez Christopher apoiar o queixo entre o indicador e o polegar.
O fato
de ser amada tornava-a vulnerável às emoções dos outros, e, portanto, à mágoa.
E como devia ter sido magoada durante a infância e adolescência!
Levantou-se
e caminhou até a porta que conduzia à entrada. Ali ficou em pé, imóvel.
Naquele
instante, Christopher sentiu que compreendia um pouco melhor Mary Hellen e os
motivos que a impulsionavam.
Tinha a sensação de que
uma tarefa de uma vida toda estava a sua frente: fazer Mary Hellen compreender
a si mesma, bem como ao medo avassalador que a dominava... antes que entrasse
em um avião e voasse para bem longe dele, para sempre.
CAPÍTULO
XII
Mary
Hellen estava de partida. Com uma estranha mistura de tristeza, pesar e pânico,
enfiou uma blusa de algodão na mala e a fechou. Colocou a mochila sobre a cama
e sentou-se no chão. Num gesto automático, estendeu a mão e ajeitou as pregas
da colcha.
Não fazia idéia do que
ocorrera com ela no decorrer das últimas vinte e quatro horas. Sabia apenas que
precisava ir embora. E logo na noite anterior, na varanda, depois que
Christopher lhe faiou que a queria, Mary Hellen sentiu-se dominada por um pavor
tão intenso que viu-se sem escapatória.
Amava
Christopher. Sabia disso, e ouvi-lo dizer o que dissera devia tê-la feito
delirar de alegria. Porém, isso não acontecera.
Naquele
instante, sentira-se de novo uma garotinha, uma criança indefesa sentada em um
quarto escuro, temendo que o homem feio aparecesse, e sabendo que viria a
qualquer momento.
A
emoção fora mais intensa do que era capaz de suportar. Por isso fizera a única
coisa que pôde; correu. Voou para se salvar.
Fora
um ato instintivo, um reflexo natural que não poderia ter contido, mesmo que
quisesse.
Depois,
ficou rolando na cama durante horas, sentindo que algo terrível estava prestes
a ocorrer. E despertou naquela manhã com a mesma sensação de ameaça fazendo
seu estômago doer.
Por
isso, decidiu que tinha de partir. Era preciso. Seu emprego de professora na
Eslováquia era a solução perfeita.
Christopher
aceitara a notícia naquela manhã muito bem, considerando o modo como Mary
Hellen o deixou, de modo tão abrupto, na véspera. Não lhe fez perguntas, apenas
afirmou que faria o possível para agendar o vôo transatlântico para o dia
seguinte.
Mary
Hellen, com sucesso, evitara-o durante o restante do dia. E reunira seus
pertences antecipadamente para a viagem que faria em seguida.
Sentiria
falta da pequena Ekhatherina. Sorriu de leve ao imaginar o rosto inocente da
criança, seus lindos cabelos agora brilhantes, fruto da dieta saudável que seu
papai lhe providenciava.
Lembrar-se-ia
sempre de seus sorrisos e gargalhadas. Ekhatherina era uma linda garotinha, e
Mary Hellen sabia que desabrocharia como uma flor adorável sob os cuidados
amorosos de Christopher.
Christopher...
Sentiria falta dele também. Era um homem que...
Uma
apreensão gélida tomou-a, tirando-lhe o fôlego. O coração disparou.
—
Pare! — ordenou-se, pressionando a palma contra a base do pescoço e inalando
com dificuldade, conforme tentava controlar o pavor.
Tinha
de deixar de pensar em Christopher. Foi até a porta e abriu-a.
O luar era filtrado pela
janela do banheiro, iluminando o corredor. Mary Hellen parou do lado de fora do
quarto de Ekhatherina. Ouviu a menina brincando lá dentro.
Passara
bastante tempo com ela, despedindo-se, mas necessitava de algo para ocupar a
mente e ajudá-la a superar a ansiedade.
Assim
que girou a maçaneta, teve de sorrir diante da cena. Ekhatherina e Christopher
brincavam no carpete. A menina tentava equilibrar um bloco no alto da cabeça do
pai. Christopher, sentado no chão, permanecia imóvel, e Ekhatherina ria, muito
alegre, cada vez que o bloco colorido caía.
— Olá... — Mary
Hellen falou com suavidade.
A garotinha disse:
— Olá — sem a menor hesitação, e Mary
Hellen mais uma vez lembrou-se da imensa habilidade em aprender que as crianças
costumavam ter.
Christopher colocou
Ekhatherina no colo.
— Você não é a
garotinha mais inteligente de todo o universo? — perguntou e deu uma mordida
alegre na orelha da filha. — Entre, Mary Hellen.
Ela obedeceu, meio
insegura.
— Apenas pensei
em passar um pouco de tempo com Ekhatherina... antes de minha partida.
Christopher
fez um gesto de aquiescência, porém, nada falou.
Ekhatherina escapou do
abraço do pai e foi andando cambaleante para junto de Mary Hellen,
agarrando-lhe a mão. Então, a garotinha conduziu-a para onde Christopher
estava sentado e fez com que Mary Hellen se acomodasse ao lado do pai. Estendeu
um bloco de madeira, deixando claro que gostaria que participasse do jogo de
equilibrar um bloco sobre a cabeça.
Mary
Hellen mordeu o lábio inferior e ficou olhando para o bloco. Fora até ali para
ficar com Ekhatherina, mas não relaxaria, estando Christopher presente. Devia
ter previsto que ele estaria ali.
Procurou
fortalecer a resolução e ergueu o queixo... e encontrou o olhar mais intenso
que já vira.
Havia
mensagens importantes nas íris castanhas de Christopher, que Mary Hellen não
estava preparada para decifrar. Não naquele instante. Não com todo caos reinante
em seu peito.
A
frustração de Ekhatherina tornou-se visível. Mary Hellen desviou o olhar para a
menina e colocou o bloco, com delicadeza, sobre os cabelos de Christopher.
A
menina bateu palmas e gargalhou. Mary Hellen e Christopher não conseguiram
conter o sorriso diante da empolgação da criança. Era preciso tão pouco para
Ekhatherina ficar feliz...
Mary
Hellen sentiu uma tremenda satisfação por a menina estar tendo a chance de um
futuro cheio de brilho.
De
soslaio, notou um movimento e, por instinto, estendeu a mão para impedir a
queda do bloco.
Christopher reagiu com o
mesmo reflexo.
O
brinquedo caiu na mão de Mary Hellen, e a de Christopher segurou a dela.
Seus
olhares se encontraram. Embora ele não mexesse um músculo sequer, Mary Hellen
sentia-se acariciada.
Aborrecida
com aqueles adultos tediosos, Ekhatherina tirou o bloco da mão de Mary Hellen e
foi andando até sua caixa de brinquedos.
Bem
devagar, Mary Hellen desvencilhou os dedos e fitou o carpete.
Mas
Christopher segurou-lhe o queixo e aplicou pressão suficiente para que ela o
encarasse.
— Por
favor, Mary Hellen... olhe para mim. Converse comigo. Confie em mim.
O medo
mostrava suas garras. O ar pareceu fugir dos pulmões dela, contudo, sabia que
não passava de fruto de sua imaginação.
— Mary Hellen?
A súplica pareceu apenas
aumentar sua ansiedade.
Christopher
era tão bom e gentil... Tornara-se seu amigo no decorrer das últimas semanas.
Por que então lhe provocava aquela sensação ruim?
— Estou apavorada.
— Eu sei, querida. Percebi que está. E
gostaria que você me falasse a respeito.
De
novo Mary Hellen experimentou a impressão de estar em um vácuo.
— Estou... apenas... apavorada.
Evidente
que Christopher entendeu que Mary Hellen não conseguiria dizer mais.
— Contanto que
nosso relacionamento permaneça em um nível superficial, Mary Hellen, com aquela
falsa idéia de flerte, você fica bem. No entanto, no instante em que torna-se
um pouco mais sério... assim que íamos ficar mais unidos, seu semblante mostrou
puro terror.
Ela assentiu.
— É verdade. É o que estou sentindo agora.
Christopher demonstravam compaixão. Aos poucos
Mary Hellen foi
encontrando forças para afugentar o medo. Tremia ao dizer:
— Sinto-me como uma criança pequenina.
Esperando e observando. Tudo é tão estranho! Tão... infantil. Mesmo assim, é
mais real do que qualquer outra sensação que já experimentei. É como saber que
algo acontecerá e... e... e virá me apanhar.
— Querida... — A gentileza dele bastou
para pôr por terra suas defesas. — Talvez você não tema algo que vá acontecer,
mas tenha medo que alguém não venha.
Mary
Hellen franziu o cenho, confusa. O que Christopher queria dizer?
— Durante todos os anos em que esteve em
lares adotivos — começou a explicar, tomando-lhe a mão —, você esperou por
alguém que a adotasse, que a amasse. E a quisesse.
O
pânico de Mary Hellen voltou a crescer. A visão ficou nublada pelas lágrimas.
Foi bombardeada pela urgência avassaladora de escapar dele... Não dele, mas
das recordações, da verdade que Christopher lhe colocava diante dos olhos.
A
palma quente curvou-se, protetora, ao redor de seus dedos, e agia como um
lembrete à sanidade, à necessidade de ser forte.
As
frases avivavam seus temores sim, mas Mary Hellen, desesperada, queria superar
e banir para sempre o pavor. De alguma maneira, sabia que Christopher poderia
ajudá-la.
— E como essa
pessoa não veio, minha querida, você se fechou e decidiu proteger-se da dor e
mágoa, da recusa em ser amada. Da recusa em ser querida.
Mary
Hellen franziu a testa ainda mais. Será que o terror que sentia fazia tanto
tempo podia ser reduzido a algo simples assim?
Christopher
tinha razão quanto ao flerte. Ela gostara muito, talvez porque esperasse que a
brincadeira pudesse ser esquecida com facilidade. Mas logo percebeu que se
equivocara.
Apaixonara-se por
Christopher, e de uma maneira tão intensa que não havia escapatória. Foi quando
o terror galgou alturas impressionantes. Insuportáveis.
— Quero você,
Mary Hellen. Eu te amo. E, mesmo que corra de mim, o que sinto por você não
mudará.
Mary Hellen ficou
surpresa porque por fora aparentava tanta calma quando seu interior estava a um
passo da histeria.
"O
monstro está chegando", uma vozinha lhe falava. "Ele, vai pegar você.
Corra. Fuja!"
Mas o amor que sentia
por Christopher era um feixe de luz no negro recanto de sua memória. Era quase
como se ele tivesse aberto aquela porta imaginária que a garotinha perto dela
temia. E o espaço vazio e tão escuro que imaginava existir ali dentro e que
tanto a aterrorizava não estivesse vazio.
Christopher,
que se encontrava ao batente, preenchia o espaço, e estendida a mão para ela,
cheio de afeto.
— Você me fez ver
que devia aprender com os erros que cometi, Mary Hellen, e não temê-los para
sempre. Antes que entrasse em minha vida, eu era uma pessoa pela metade. Pressinto
que devia sentir-se assim também. Juntos, poderemos nos completar.
Como
Mary Hellen queria sentir-se completa e amada... Adoraria poder conhecer o
amor, dar amor. Oh, como precisava se sentir querida!
O nó
na garganta de Mary Hellen não lhe permitia falar, mas estava determinada a
dizer a Christopher o que lhe ia no peito.
— Christopher... também amo você.
Ele
puxou-a para o colo, e Mary Hellen mergulhou o rosto contra o pescoço largo. O
cheiro dele era tão bom! Cheiro de segurança e afeto.
— Graças a Deus,
querida! — Christopher sussurrou contra os cabelos perfumados.
Mary
Hellen empurrou-o de leve para fitá-lo, de olhos arregalados.
— Mas e quanto àquela passagem de avião
para amanhã?
Christopher
fez um muxoxo e sorriu, maroto.
— Ora, não há passagem alguma! Eu
estava determinado a lhe revelar que a amava e a fazer com que você decidisse
ficar aqui comigo e com Ekhatherina. Jurara a mim mesmo... Enfim, até rasguei
os papéis da anulação do casamento.
— Você... destruiu os papéis?!
Ele fez que sim.
Mary Hellen
nem podia acreditar. Ainda era a esposa de Christopher!
A gargalhada dele pairou
alegre pelo ambiente.
Christopher
decidira adotar Ekhatherina e até mesmo casara-se com Mary Hellen para que seus
planos se concretizassem. Sim, era um homem que sabia traçar e alcançar seus
objetivos.
Sorrindo
para ele, Mary Hellen imprimiu o som mais rouco e sensual que pôde à voz:
— Determinação é
uma de suas maiores virtudes, querido. — E beijou-o na boca.
Um
beijo que provava, sem deixar dúvida alguma, o que ela sentia.
— Fiz uma
promessa de que, se você me amasse, iria fazê-la muito feliz. E pode acreditar
quando digo que lhe proporcionarei uma cerimônia matrimonial à altura. Uma da
qual jamais esquecerá, meu amor. Dentre todas as pessoas do mundo, você é quem
mais merece!
Sabendo
que Ekhatherina divertia-se, tranquila, a seu lado, Mary Hellen deixou-se
envolver pelos braços fortes de seu amado.
Beijaram-se
com ardor e ternura, e Mary Hellen compreendeu, de uma vez por todas, que
aquele era o começo de um futuro maravilhoso para todos.
EPÍLOGO
— Eu, Christopher,
aceito você, Mary Hellen... Embevecida, Mary Hellen contemplava o belo rosto do
homem que amava.
— ...como minha esposa...
A
renda branca de seu vestido de noiva fazia-a sentir-se como uma princesa. O amor
brilhando nos olhos de Christopher tornava-a uma rainha.
— ...para proteger, deste dia em diante...
Mary
Hellen olhou para a pequena Ekhatherína, em pé entre os dois, fantástica em seu
vestidinho de cetim rosa.
Entretanto, o que mais
encantava Mary Hellen era a alegria intensa que notava em Christopher.
Sentia-se perdida naquele olhar. Ou melhor: fora nele que se encontrara.
Antes
que se desse conta, o reverendo pediu que ela repetisse os votos de fidelidade,
as palavras que iriam uni-la a Christopher por toda a eternidade.
Seu coração transbordava de contentamento, mas Mary Hellen
não teve dificuldade em falar, alto e com muita clareza.
Após trocarem as
alianças, o pastor disse:
— Pelo poder que
me foi concedido, eu os declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva, sr.
Kimball.
O beijo foi firme, quente e repleto de promessas de amor.
Bob
Davis. ajudante de Christopher, e sua esposa, Joan, parabenizaram os
recém-casados. Haviam concordado com indizível satisfação em serem os
padrinhos.
Christopher, então,
abaixou-se e pegou Ekhatherina no colo.
— Ei, minha linda! —
Beijou o rostinho da filha.
A
menina sorriu para a nova mãe e abraçou o pai. Em seguida, foi colocada no
chão.
Assim, de mãos dadas, a
pequena família desceu do altar da igreja.
Enfim, seriam felizes
para sempre.
DONNA
CLAYTON orgulha-se
de ter recebido a
Holt Medallion, prêmio honorário ao talento literário, por seu romance Wife
for a While. Seu trabalho também aparece na listagem de livros mais
vendidos, o que lhe dá muita alegria e satisfação.
A
leitura tornou-se sua opção favorita para enfrentar tardes chuvosas. Nos dias
de tempo bom, aprecia longas caminhadas. Outro passatempo constante são as
viagens. Apaixonou-se pela Europa durante o primeiro passeio ao exterior recentemente
e planeja retornar em breve. Oh, e Donna ainda coleciona livros de culinária,
mas conforme sua carreira de escritora progride, passa a usá-los cada vez
menos. Donna adora comunicar-se com suas leitoras. Por favor, escreva aos
cuidados de Silhouette Books, 300 East 42nd Street, New York, NY
10017.
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