quarta-feira, 12 de junho de 2013

Sabrina 977 - O Casamento Ideal [Completo]



O Casamento Ideal
Marrying well
Lynda Simons




O que fazer para casar com um milionário, segundo Jeannie Renamo:
1. Irrite seu chefe, Kyle Hunter, simpático e charmoso editor de uma revista, criando uma coluna polêmica - "O Casamento Ideal: Guia Prático."
2. Aceite o desafio de Kyle de seguir os próprios conselhos e tratar de encontrar um marido rico.
3. Passe a sair apenas com solteiros milionários.
4. Chegue à conclusão de que todos eles perdem o encanto quando comparados com Kyle, que, por acaso, também é um solteiro milionário.
5. Tente convencer a si mesma de que não se sente atraída por Kyle.
6. Desista de tentar convencer-se.
7. Ganhe a aposta.


Querida leitora,
Um romance para lá de diferente. Será que você teria a audácia da heroína? Eu, sinceramente, não sei. Sou mais tímida, embora às vezes desejasse ter alguns arroubos de coragem. Claro que isto nunca acontece. Sou meio que "o herói da noite". Sabe o que isto significa? Bem, anoitece, fico pensando que no dia seguinte vou fazer isto, falar aquilo, resolver tal pendência, mas o dia seguinte chega e as decisões que dizem respeito ao lado sentimental ficam para depois. Errado? Não sei. Mas nos raríssimos arroubos de paixão, deu tudo muito certo!
Janice Florido Editora Executiva


Copyright © 1997 by Lynda Simmons

Originalmente publicado em 1997 pela Silhouette Books,
divisão da Harlequin Enterprises Limited.

Todos os direitos reservados, inclusive o direito de
reprodução total ou parcial, sob qualquer forma.

Esta edição é publicada através de contrato com a
Harlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá.
Silhouette, Silhouette Desire e colofão são marcas
registradas da Harlequin Enterprises B.V.

Todos os personagens desta obra são fictícios.
Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas
terá sido mera coincidência.

Título original: Marrying well

Tradução: Patrícia Nina Chaves Garcez

EDITORA NOVA CULTURAL
uma divisão do Círculo do Livro Ltda.

Rua Paes Leme, 524 - 10 andar
CEP: 05424-010 - São Paulo – Brasil

Copyright para a língua portuguesa: 1997
CÍRCULO DO LIVRO LTDA.

Fotocomposição: Círculo do Livro
Impressão e acabamento: Gráfica Círculo

PRÓLOGO



LISTA DE CANDIDATOS DE JEANNIE RENAMO:

SOLTEIRO RICO #1:
Duncan Fox, Sangue Azul... e Quente
Qualidade: Rosto incrivelmente bonito
Defeito: Mãos atrevidas demais

SOLTEIRO RICO #2:
Elliot Daniels, Executivo Desejável
Qualidade: Temperamento dócil
Defeito: Ainda apaixonado pela "ex"

SOLTEIRO RICO #3:
Stuart Singleton, Filantropo Naturalista
Qualidade: Bonzinho
Defeito: Insosso

SOLTEIRO RICO #4:
Kyle Hunter, Milionário, e Chefe, Enervantemente Convencido
Qualidade: Todas... é bonito, charmoso e sensual
Defeito: Deve haver alguma coisa que o desqualifique como futuro marido... ou será ele, afinal, o príncipe encantado?



CAPÍTULO I


O CASAMENTO IDEAL
(Guia Prático)
por Victoria Boulderbottom

Primeira Etapa: Superar o Sentimento de Culpa.

A coluna deste mês é dedicada às leitoras que estão fartas de sonhadores com bolsos vazios. É para aquelas mulheres que estão preparadas para en­frentar seriamente a missão de encontrar um ma­rido rico, mas não sabem como. Sei que algumas de vocês alimentam secretamente esse desejo, mas sentem-se culpadas por isso. O que é compreensível. Afinal, vivemos em uma sociedade que se regozija em apontar o dedo e recriminar: "Ela se casou com ele pelo dinheiro", toda vez que uma felizarda consegue realizar a façanha.
Portanto, hoje falaremos sobre a questão da culpa. Uma vez que você consiga resolver esse problema, nada mais, no mundo, irá impedi-la. Agora, quero que vocês fiquem de pé, diante de um espelho. Respirem fundo e repitam as palavras:
"Que amor, que nada! Ele é rico, e quero me casar com ele."
Kyle tirou o disquete do drive e empurrou-o sobre a mesa.
— Não posso publicar essa baboseira. É ridículo.
Do lado de fora, o vento uivava, arremessando a chuva de primavera contra a vidraça. Jeannie afastou-se da janela, vi­rando as costas para uma tempestade para enfrentar outra.
— Eu já disse como é gratificante ter você de volta, Kyle? — Ela se sentou em uma cadeira e sorriu. — Por quanto tempo pretende ficar?
Kyle levantou o rosto para Jeannie.
— O tempo necessário.
— Que bom — murmurou ela, quando o telefone tocou. Kyle atendeu.
— Um momento, por favor. — Ele cobriu o bocal com a mão e gesticulou com a cabeça, indicando o disquete. — Leve isso com você, quando sair — ordenou, antes de girar na cadeira até ficar de costas para Jeannie. — Hunter fa­lando. Pois não?
Jeannie levantou-se, pegou o disquete e começou a batê-lo levemente contra a palma da mão enquanto andava de um lado para outro. "Leve isso com você quando sair." Sem discussão, sem conversa, sem argumentos. O homem não mudara nada.
Jeannie já esperava por aquele tipo de reação. Depois que voltara de Chicago e assumira a superintendência da revista, Kyle conseguira indispor-se com o diretor de arte, o diretor de publicidade e a maioria dos chefes de departamento.
Como responsável pela seção "Vida de Solteiro" da revista Aspects, Jeannie não poderia esperar que com ela fosse di­ferente. Ela parou de andar e olhou para Kyle.
Alto, loiro e com olhos azuis, o legendário Kyle Hunter ainda era inegavelmente atraente.
O que quer que ele andara fazendo em Maine nos últimos dois anos fora-lhe benéfico, refletiu Jeannie. E quanto mais cedo ele voltasse para lá, melhor.
Kyle desligou o telefone e virou-se para o computador.
— A questão está encerrada — declarou, sem se dar ao trabalho de olhar para Jeannie, quando ela se aproximou.
Ela colocou o disquete na mesa e sentou-se.
— Sabe, Kyle, para um homem de mentalidade aberta, você está tendo uma extraordinária falta de visão.
— E mesmo?
— Claro! Que outra coisa diria de alguém que rejeita um artigo que nem mesmo leu?
— O que a faz pensar que não o li?
— Você não teve tempo. Não fazia cinco minutos que estava aqui, quando entrei.
Kyle arqueou uma sobrancelha.
— Eu não sabia que estava sendo tão atentamente observado.
Jeannie riu.
— Não fique envaidecido! Por acaso, eu estava voltando do almoço, com Magda, quando o vi passar. — Ela colocou um dedo sobre o disquete e girou-o sobre a mesa.
— Até onde você leu?
— O suficiente para ter certeza de que não vai funcionar.
— Por que não?
— Porque não combina com o estilo de Victoria Boulderbottom.
— Leia um pouco mais, por favor. Você vai captar o es­pírito da coisa.
— Esqueça, Jeannie.
Ela se empertigou na cadeira e cruzou as mãos e as pernas.
— Não sairei daqui antes de você ler tudo. Kyle sorriu.
— Fique à vontade.
Jeannie apertou os lábios, contrafeita. Kyle tinha as co­vinhas mais profundas do que qualquer outro homem que ela conhecera. E quanto mais ela contemplava aquele rosto sorridente, mais se lembrava de como detestava covinhas em um homem.
Kyle coçou o queixo. Olhos que lhe lembravam caramelo derretido observavam-lhe cada movimento, com uma clara expressão de desafio.
Ele já esperava por aquilo.
Seu último diretor-superintendente, Marcus Underwood, tivera o cuidado de anexar um relatório sobre o desempenho de cada funcionário à ficha de cada um deles, antes de partir para explorar o Alasca, equipado com um saco de dormir e um rifle.
Fora o caso mais grave de crise de meia-idade que Kyle já presenciara. Mas os relatórios haviam sido feitos durante um momento de lucidez de Marcus, e estavam sendo de um valor incalculável para ajudar Kyle a tomar decisões. O único que não lhe servira para nada fora o de Jeannie Renamo.
Kyle esperara páginas e páginas de críticas à falta de capacidade de Jeannie de captar o conceito da palavra "não". Em vez disso, "fique atento" fora tudo que Marcus escrevera. O que significava, Kyle não tinha a menor idéia. "Fique atento." Poderia ser um aviso para que ele tomasse cuidado... ou para que prestasse atenção em alguma coisa... Enquanto observava Jeannie mudar de posição na cadeira e sua saia subir ainda mais, ocorreu-lhe que poderia significar simples­mente "olhe para ela", algo que não era difícil fazer.
Jeannie trabalhava para a Aspects havia seis meses, quando Kyle saíra, no entanto, lembrara-se dela no instante em que a vira entrar na sala para a primeira reunião editorial, depois de sua volta. Os mesmos cachos rebeldes, um rosto que era mais expressivo que bonito e um estilo que poderia ser definido como eclético. Num dia, ela usava rendas e babados, no outro, roupa florida e chapéu de palha. Naquele dia, por exemplo, trajava um discreto conjunto cinza com sapatos pretos de pelica.
Jeannie cruzou as pernas, tamborilou os dedos no braço na cadeira e puxou para baixo o zíper da jaqueta. Kyle inclinou a cadeira e cruzou os dedos atrás da cabeça. Torturaria Jeannie até o último momento, deixando-a ali sentada, à espera...
Cheia de entusiasmo, ela estava sempre em constante mo­vimento, andando de um lado para outro enquanto falava ao telefone, sacudindo a caneta durante as reuniões, tamborilando os dedos, retorcendo uma mecha de cabelo. Jeannie lembrava a Kyle uma borboleta, agitada, irrequieta; fascinante de se olhar, porém impossível de se seguir, nunca parando por tempo suficiente em um lugar para que pudesse ser capturada.
Não que Kyle desejasse isso. Uma mulher como Jeannie daria muito trabalho. Verdade que houvera ocasiões em que ele imaginara como seria imobilizá-la em seus braços, obrigando-a a despender toda aquela energia nele.
Naquele momento, contudo, Kyle estava preocupado com a revista; e em ir embora, outra vez, o mais breve possível.
Sob a direção de Marcus, a Aspects crescera e prosperara; em algum ponto de sua trajetória, no entanto, a revista perdera a popularidade. O que fora, um dia, uma publicação arrojada e polêmica, era agora uma nau sem rumo.
Kyle pretendia recuperar o interesse do público antes de nomear um novo diretor-superintendente. E o fato de pre­cisar estar em Maine no Dia do Trabalho significava que as mudanças teriam de ocorrer depressa. Se isso implicava melindrar uns e outros, tanto funcionários como leitores, paciência. E a srta. Renamo não era exceção.
Como se lesse os pensamentos de Kyle, Jeannie inclinou a cabeça para trás e suspirou.
— Ah, como sinto a falta de Marcus!
Kyle deixou a cadeira voltar lentamente à posição normal.
— Admira-me muito. Pelo que sei, Marcus foi um chefe bastante exigente.
— Marcus é uma pessoa sensata. — Jeannie estreitou os olhos. — Enquanto que você é impossível.
— Olhe, Jeannie — ponderou Kyle, pacientemente —, sei que você considera Victoria seu território pessoal...
— Victoria é meu território pessoal — interrompeu-a, inclinando-se para frente. — Eu a criei, esqueceu-se disso? E, se bem me recordo, você foi contra a idéia, no princípio. Ou também se esqueceu desse detalhe?
Kyle riu, baixinho.
— Como eu poderia me esquecer? Já faz tempo, mas deixe-me ver... — ele começou a falar.
"Lady Victoria Boulderbottom, um espírito trans-migrante da virada do século, vê-se apanhada em um redemoinho do tempo e acaba encalhando dentro de um bar de solteiros em Chicago, numa noite de sábado. Sendo aquela que não perde uma opor­tunidade, Victoria vence suas inibições, livra-se dos espartilhos e sai para explorar sua recém-descoberta liberdade."
Kyle recostou-se, na cadeira.
— Que tal?
— Razoável — admitiu Jeannie, sorridente.
Fazia apenas três semanas que ela trabalhava na editora quando consultara Kyle a respeito da idéia. A resposta que ele lhe dera fora típica.
— Sinto muito, Jeannie. Não combina com a Aspects.
— É claro que combina — insistira ela. — Victoria trará uma nova perspectiva para a seção "Vida de Solteiro". Tudo fora novidade para ela. Ela será como uma criança em uma loja de doces, não saberá o que experimentar primeiro!
Como de costume, Kyle se mostrara irredutível. Por isso, Jeannie abrira a carteira e depositara cinco notas de dez dólares em cima da mesa.
— Vamos apostar — propusera. — Cinqüenta dólares como Victoria será um sucesso logo no primeiro número e que continuará sendo seis meses depois.
Desconcertado apenas por um momento, Kyle se recuperara rapidamente e guardara as notas no bolso, murmurando:
— Apostado.
Conforme as previsões de Jeannie, os leitores, principal­mente as leitoras, da Aspects foram imediatamente cativados pela marcante personalidade de Victoria, que combinava e ingenuidade com uma sensualidade devassa.
Em poucas semanas, Victoria Boulderbottom tornara-se uma das colunas mais lidas da revista, deixando Kyle per­plexo e Jeannie com cinqüenta dólares a mais no banco.
Ela traçou uma linha no disquete com a ponta do dedo, seguindo o movimento com os olhos.
Em outras palavras, você admite que se enganou com Victoria, no início.
— Admiti isso há muito tempo.
— Portanto, existe uma grande chance de você estar en­ganado agora, também. Concorda?
— Admiro sua persistência, Jeannie. Mas está perdendo seu tempo. "O Casamento Ideal" é pura fantasia. Mulheres se casam por dinheiro, todos os dias, todo mundo sabe disso. Mas não existe tradição, etapas a seguir que garantam êxito.
Jeannie balançou a cabeça, incrédula.
— Mas é uma fantasia, Kyle! A intenção não é garantir que as leitoras da Aspects consigam encontrar maridos ricos, de verdade, e elas sabem disso!
— Esse é outro problema. Tudo que você faz com Victoria, mesmo os conselhos mais fantasiosos, acabam sendo práti­cos. Possíveis, entende?
— Sim, mas...
— Como aquela vez em que ela respondeu a todos os anúncios pessoais dos jornais e depois escreveu sobre os homens que conhecera.
— E você também estava relutante com essa idéia — lembrou Jeannie.
Kyle levantou os olhos para o teto, suspirou fundo e co­meçou de novo.
— O que eu estou querendo dizer é que qualquer um poderia ler o artigo e depois publicar seu próprio anúncio, já ciente de alguns imprevistos, de ciladas, digamos assim, porque Victoria já os prevenira. E o que ela faz, e por isso é tão popular. — Kyle sorriu. — Não estrague tudo, Jeannie. Reme a favor, não contra.
Jeannie precisou fazer um esforço tremendo para per­manecer sentada. Nos três meses anteriores, ela usara amu­letos do amor, freqüentara clubes de solitários e não se lembrava de quantas xícaras de café tomara, com homens insípidos, tudo em nome da pesquisa para Victoria Boulderbottom. O mais importante, porém, era que ela lera todas as cartas enviadas a Victoria.
As mulheres correspondiam de uma maneira que Jeannie, nunca sonhara ser possível. Algumas lhe contavam coisas íntimas, histórias de partir o coração, enquanto outras es­creviam para expressar desaprovação de alguma coisa que ela fizera.
A maioria das cartas, contudo, era de mulheres que sim­plesmente se sentiam felizes em saber que não eram as únicas que haviam conhecido mais que a porção que lhes cabia de homens menos que perfeitos. O atrativo de Victoria era justamente o fato de ela ser uma delas; mais uma mulher com esperança de encontrar o verdadeiro amor, e que tinha o bom humor de achar graça quando tudo dava errado.
Se existia alguém que conhecia a chave do sucesso da coluna de Victoria, esse alguém era Jeannie. E a última coisa que ela precisava era dos conselhos de Kyle.
— Eu remo a favor — declarou, com veemência. — Todos os dias. E sei que "O Casamento Ideal" é perfeito para Victoria.
Kyle esfregou o rosto com uma mão.
— Como pode ter tanta certeza?
— Por instinto e experiência.
— Não é suficiente, Jeannie. — Ele esticou o braço, tirou um disquete de dentro de uma caixa e colocou-o na mesa, diante de Jeannie. — Quero que dê uma olhada nisso.
Ela olhou para o disquete, com uma ruga na testa.
— O que é?
— Uma nova série para você e Victoria. — Kyle girou a cadeira de frente para o computador, numa atitude que não deixava espaço para mais argumentos. — A descrição é extensa, mas, se tiver alguma pergunta, poderemos conversar depois.
— Tenho uma pergunta, agora! Por que não discutiu a idéia comigo, primeiro?
— Não senti necessidade.
— Como não sentiu necessidade? Estamos falando da minha coluna! Uma coluna que tem agradado e muito, sem qualquer palpite seu, durante dois anos.
— Não me obrigue a ser desagradável, Jeannie.
— Acho que estou começando a compreender — disse ela, finalmente. — Não faria diferença o que eu tivesse colocado em sua mesa, faria? Você teria rejeitado, de qual­quer maneira.
— Está enganada — murmurou Kyle, calmamente. — Se eu sentisse que o artigo era promissor, eu o publicaria e simplesmente adiaria a nova série.
— Mas não a discutiria comigo, assim mesmo.
— Não.
— Por quê?
— Porque, para falar com franqueza, não tenho tempo. Você esteve na reunião editorial. Está a par das modificações que quero fazer na Aspects, e no momento essa é minha principal preocupação. Estou interessado no que é bom para a revista, só isso.
Jeannie levantou-se, colocou um dedo sobre o disquete de Kyle e empurrou-o de volta.
— E eu estou interessada no que é bom para Victoria. A expressão de Kyle permaneceu impassível.
— Reflita um pouco a respeito, Jeannie.
— Tenho uma proposta a fazer — declarou, com um en­tusiasmo contido, depois de alguns momentos de reflexão. — Você publica meu artigo no próximo número da revista e eu começo imediatamente sua série, sem discutir. Que tal?
Kyle passou uma mão pelos cabelos. Estava começando a entender por que Marcus fora para o Alasca.
— E inacreditável, Jeannie! — exclamou, exasperado. — A resposta é não! A menos que... — acrescentou ele, depois de uma breve pausa.
— A menos que o quê? — Jeannie olhou para ele, esperançosa.
— Se você conseguir provar que esse tipo de artigo dá resultado, eu o publicarei.
Jeannie deixou-se cair sentada na cadeira.
— E como vou provar?
— Encontrando um marido rico, claro.
— Isso é ridículo!
— É exatamente o que estou tentando lhe mostrar.
Jeannie pôs-se de pé novamente, agitada.
— Não é desse ridículo que estou falando!
Kyle respirou profundamente, tentando manter a calma. A mente daquela criatura dava mais voltas que um saca-rolhas.
— Como assim, rico? — quis saber ela. — Que tipo de riqueza?
— Ora, que tipo, Jeannie! Riqueza, fortuna... Dinheiro!
— Dinheiro velho ou novo?
— Tanto faz.
— Ganho honestamente? Kyle revirou os olhos.
— O que você acha?
— Só estou perguntando.
Com um longo suspiro, Kyle levantou-se e contornou a mesa. A expressão de surpresa de Jeannie transformou-se em curiosidade, quando ele enfiou a mão no bolso e tirou um maço de notas. Aquilo encerraria o assunto, de uma vez por  todas.
- Sem processos pendentes e estritamente norte-americanos. E até o Dia do Trabalho. É o acordo. — Kyle contou e separou cinco notas de dez e colocou-as sobre a mesa, empurrando-as para Jeannie. — Que tal?
Ela contemplou o dinheiro, atônita. Kyle vencera, ambos sabiam disso. Lançara uma luz diferente sobre o que não deveria passar de simples diversão para as leitoras. Ele conseguira.
Jeannie, no entanto, nunca recusava um desafio. Não, se tivesse a mínima suspeita de que poderia ganhar. Tudo começara no dia em que seu irmão, Pauli, balançara uma nota de um dólar acima de sua cabeça e apostara que ela não conseguiria entrar no cinema sem pagar e sem ser vista. Nenhum sorvete que ela tomara na vida tivera um sabor tão especial quanto o que ela comprara naquela tarde, com o dinheiro de Pauli.
Jeannie lançou um olhar de soslaio para Kyle. Ele a observava atentamente, avaliando-lhe a hesitação, julgando as chances de ganhar a aposta.
Se Jeannie recusasse, estaria admitindo derrota. Seria o mesmo que aceitar passivamente os planos de Kyle para Victoria e deixar a coluna nas mãos dele, dali por diante, o que seria intolerável.
Kyle arqueou uma sobrancelha e sorriu.
"Que petulante", pensou Jeannie, voltando à atenção para o dinheiro. Seria bem feito se ela entrasse no jogo dele e lhe ensinasse uma lição. Afinal, ela não tinha namorado, não estava saindo com ninguém e nem estava apaixonada. Depois de anos de busca, tudo que conseguira foram relacionamentos passageiros, sem consequências.
Talvez estivesse na hora de sonhar mais alto. Afinal, como costumava dizer sua tia Clothilde, "a dificuldade de fisgar um rico é a mesma de fisgar um pobre". A questão era, ela conseguiria?
Jeannie virou-se e começou a andar de um lado para outro. Precisava de tempo para pensar.
— Tem alguma coisa gelada, aí? — perguntou, apontando para o minibar, no canto do escritório.
— Só umas pedras de gelo — disse Kyle. — Mas posso preparar um drinque para nós. Que tal, uísque?
Enquanto ele pegava os copos e o gelo, Jeannie repassou mentalmente tudo que precisaria para ganhar a aposta.
Primeiro, a imagem teria de ser perfeita: roupas, carro... Ela já tinha um Corvette clássico, ano 1963, herdado três anos antes de tia Clothilde. Podia riscar o item "carro", da lista. Assim como um bom colar de pérolas, um Corvette clássico se adaptava a qualquer ocasião.
Faltavam as roupas e um endereço importante. Jeannie também riscou ambos os itens. O limite de seu cartão de crédito não estava estourado, e se fosse necessário, ela poderia providenciar mais um ou dois. Quanto ao endereço... ela sim­plesmente não convidaria o possível noivo para ir à sua casa.
A única coisa que faltava era o pretendente. Jeannie tam­borilou os dedos na mesa. Os Estados Unidos eram um país enorme. Valia a pena tentar.
Kyle aproximou-se com os drinques e um sorrisinho triun­fante no rosto. "Pobre Kyle", pensou Jeannie, aceitando o copo. "Nem imagina que já perdeu a aposta."
— Estou considerando sua sugestão — disse ela. — Mas cinqüenta dólares não é o suficiente.
Kyle enfiou a mão no bolso.
— Quanto?
Jeannie fez um aceno com a mão.
— Deixe seu dinheiro aí. O que tenho em mente é muito mais interessante.
— Diga.
Jeannie bebeu a dose de uísque praticamente de um só gole e colocou o copo vazio sobre a mesa.
— Se eu levar esse projeto adiante, terei um rombo em minhas finanças. Só criar a imagem certa custará uma for­tuna. Concorda?
Kyle assentiu e tomou um gole de uísque.
— Por isso, se eu conseguir, você cobrirá todas as minhas despesas. Não a editora, Kyle. Você. De seu bolso. Cada centavo.
— Se você conseguir, terá dinheiro mais que suficiente para cobrir as despesas — observou ele.
— É o acordo.
— Não deixa de ser justo. — Kyle deu de ombros. — Cobrirei as despesas.
Jeannie deu um passo na direção dele.
— E quero que "O Casamento Ideal" seja uma série. Um artigo por semana, a partir de agora, até setembro.
Kyle começou a protestar, porém Jeannie ergueu uma mão.
— Pense bem, Kyle. Enquanto estou lá fora, tentando provar que dá certo, os leitores poderão acompanhar o progresso de Victoria, suas vitórias e fracassos. Mas o resultado será revelado no final.
Kyle largou o copo sobre a mesa.
— Continue — murmurou, com ar de pouco-caso, embora Jeannie detectasse o brilho de interesse em seus olhos. Che­gara o momento de dar o golpe.
Ela chegou mais perto.
— E, quando eu for pedida em casamento, você me dará sociedade na revista.
— Ei, espere um momento...
— Não na editora, na revista — explicou ela. — E não precisa ser a metade. Trinta e três por cento estará perfeito.
Kyle fez uma careta.
— Eu devia despedi-la, sabia?
Jeannie fingiu-se de magoada, enquanto se aproximava cada vez mais de Kyle.
— Qual é o problema, Kyle? — Ela traçou uma linha com a ponta do dedo no peito dele, fazendo-o recuar. — Com medo de perder?
Kyle baixou os olhos para a mão de Jeannie.
— Nem por um momento.
— Então, qual é o problema? — Ela contornou lentamente um dos botões da camisa dele com a ponta de dedo. — Tenho certeza de que os leitores de Victoria vão adorar vê-la caçar um homem rico... Acompanhar os altos e baixos... "Ela con­seguirá?" "Não conseguirá?" Tudo isso levará a um aumento de circulação da revista e representará propaganda para você. — Jeannie segurou o colarinho de Kyle e puxou-o para frente. — E eu quero participar desse benefício.
Delicadamente, Kyle abriu os dedos de Jeannie e levou-lhe a mão aos lábios.
— E disso que eu gosto em você, Jeannie. Você pensa como eu.
Ela não retirou a mão, surpresa com a suavidade do toque da pele áspera.
— Qual é a sua idéia, exatamente?
— Qual será a minha parte nisto tudo, claro. — Jeannie tentou recuar, porém Kyle segurou-a com firmeza. — Preciso ter alguma vantagem.
— Aumento nos lucros e maior participação no mercado — murmurou ela. — Que mais você quer?
Kyle acariciou a mão de Jeannie, com o polegar.
— Algo que torne o acordo mais interessante para mim. Alguma coisa mais... pessoal.
Jeannie ficou paralisada. Aquilo era inesperado. Kyle sor­riu e ela se sentiu derreter por dentro.
— Como o quê, por exemplo? — murmurou, subitamente mudando de opinião a respeito de covinhas em homens.
Kyle suspendeu o queixo de Jeannie com um dedo, forçando-a a encará-lo. Ela prendeu a respiração, enquanto um milhão de possibilidades lhe passavam pela mente.
— Como seu carro — sussurrou ele.
Jeannie afastou a mão de Kyle com um safanão e deu um passo para trás, bruscamente. Em que estava pensando? Mãos másculas, covinhas, respiração quente e mil outras coisas... E ele só estava preocupado com os negócios!
— Eu devia ter previsto! — exclamou, andando de um lado para outro, com os punhos cerrados, contrafeita consigo mesma por ter sido tão tola. — Você é um conspirador, isso sim!
— Eu, conspirador? E você? Trinta e três por cento da revista?
— Eu teria merecido — revidou Jeannie. — Além do que, meu carro tem um valor sentimental incalculável!
— Qual é o problema, Jeannie? Está com medo de perder? Jeannie parou do lado oposto da mesa e olhou para Kyle.
Não lhe desejava mal por querer incluir seu Corvette na aposta... só uma bela calvície, e precoce! Mas era tarde demais para recuar. Ela pegou as notas.
— Apostado.
Kyle levantou um punho triunfante no ar, enquanto Jeannie guardava o dinheiro no bolso.
— Vou guardar isto, como um adiantamento.
— E talvez eu guarde seu carro em minha garagem, como adiantamento, também.
— Pode sonhar à vontade.
— Pelo menos, vou lá embaixo dar uma espiada nele. Só para ter certeza do que vou ganhar.
— Você vai ganhar uma sócia, Kyle, só isso. Além do mais, o carro não está aqui. Está na garagem desde o começo do inverno e só vai sair de lá na segunda-feira.
— Por quê? O inverno acabou há meses.
— Tradição. O Corvette sai para a rua no primeiro dia de junho. Nem um dia antes. — Jeannie girou nos calcanhares e caminhou para a porta. — Mas pode imprimir as clausulas do acordo no computador. — Ela parou com uma mão na maçaneta. — Para não perder tempo, depois.
Kyle atravessou a sala e espalmou uma mão contra a porta fechada, impedindo Jeannie de sair.
— Você realmente acredita que é capaz?
Jeannie olhou para a mão de Kyle e depois o fitou nos olhos.
— Você perdeu a primeira aposta porque subestimou Victoria. E vai perder a segunda porque está subestimando a mim.


CAPÍTULO II
Jeannie soprou um beijo para Kyle e virou-se para sair, por pouco não colidindo com uma mulher que subitamente aparecera na porta do escritório. Kyle deu um passo à frente para descobrir que a pobre vítima de Jeannie era LeeAnne Alexander, a mulher com quem ele vinha saindo, ultimamente.
— Oh... desculpe — disse Jeannie, levando uma mão ao braço da jovem.
— Não foi nada — murmurou ela, com expressão séria, quase perplexa.
— Deixe-me apresentá-las devidamente — interveio Kyle. — LeeAnne, esta é Jeannie Renamo, uma das colunistas da Aspects. Jeannie, esta é LeeAnne Alexander.
— Da Galeria de Arte Alexander-Height! — exclamou Jeannie. — Eu sabia que tinha reconhecido você. Você foi destaque na série de Magda Ladanski, no último inverno, sobre obras beneficentes!
— Sim — confirmou LeeAnne, olhando para Jeannie com ar superior.
Jeannie estendeu a mão.
— É um prazer conhecê-la.
LeeAnne segurou as pontas dos dedos de Jeannie.
— O prazer é meu.
— Bem... — Jeannie virou-se para Kyle. — Eu gostaria de ficar, mas tenho muito o que fazer. Lugares para ir, pessoas para ver, tudo isso.
LeeAnne entrelaçou o braço com o de Kyle, enquanto Jeannie se afastava ao longo do corredor.
— Todas as suas colunistas são assim, tão... interessantes?
— Não — respondeu Kyle, acompanhando com o olhar a saia cinza justa, até esta desaparecer atrás de uma das divisórias.
Kyle não pôde deixar de sorrir. LeeAnne estava na pista certa, mas "interessante" não era a palavra adequada para descrever Jeannie Renamo.
Jeannie era contraditória, sob todos os aspectos. Desa­fiadora e atrevida em um minuto, gentil e feminina no outro. Ele ainda podia sentir o calor da mão dela em seu peito, ainda se lembrava do brilho inteligente nos olhos expressivos, do desafio no sorriso cativante. Mas, acima de tudo, ainda podia ouvi-la prender a respiração, surpresa, quando ele lhe beijara a mão.
Kyle esperara uma reação agressiva a seu gesto. Esperara tudo, menos aquela atitude suave, um amolecimento da es­pinha, como se ela quisesse aproximar-se mais, como se quisesse sentir o toque dele.
Kyle reconhecia que fora uma manobra esperta. E quase funcionara. Se ele não tivesse se controlado, poderia ter sentido o sabor daqueles lábios. E então... bem, e então...
LeeAnne apertou-lhe o braço.
— Vai dizer um olá decente para mim, ou não? — exigiu ela. Kyle olhou para a mulher que o bom senso recomendava tratar o melhor possível e manter a seu lado. Não havia comparação entre ela e a que ocupava seus pensamentos naquele instante.
LeeAnne possuía uma beleza clássica, feições delicadas, cabelos castanhos sedosos e brilhantes. Sempre refinada e elegante, não franzia o nariz quando sorria e, certamente, não inclinava a cabeça para trás quando ria.
Mas o mais importante era que LeeAnne não rebatia cada frase que ele dizia, até o ponto de ele não ser mais capaz de se lembrar de que assunto estava falando. Ela se encaixava com perfeição na vida estruturada de Kyle, mal se fazendo notar. Chegava e saía, sem discutir, sem perturbar.
LeeAnne era tudo que Kyle precisava. No entanto, quanto mais a observava, mais ele se via procurando nela alguma coisa que o intrigasse. E se decepcionava, porque não encontrava.
Afastando os pensamentos perturbadores, ele enlaçou os braços ao redor da cintura de LeeAnne e puxou-a para den­tro do escritório.
— Olá — sussurrou, fechando a porta com o pé. LeeAnne colou o corpo ao dele e ofereceu-lhe os lábios.
Kyle inclinou a cabeça para frente e beijou-a gentilmente, sonhando com outros lábios, bem mais cheios e quentes do que aqueles.
Jeannie parou na porta do atravancado cubículo, contem­plando o encosto da cadeira da editora social e de variedades.
— Magda — chamou. — Está ocupada?
Magda Ladanski girou na cadeira, com o telefone no ouvido. A expressão sombria iluminou-se quando ela viu quem era.
— Para você, não. Entre, entre — convidou, esticando o braço para colocar o receptor no gancho. Jeannie sabia que o truque do telefone e a expressão lúgubre eram para Kyle. — Aliás, chegou na hora certa.
Magda abriu a gaveta inferior da escrivaninha e tirou de dentro uma embalagem branca de plástico.
Strudel da Henriksson's. — Ela colocou a caixa diante de Jeannie. — Ainda está quente!
Magda Ladanski era uma das poucas pessoas que Jeannie conhecia que não se preocupava com o peso. Com quase cinqüenta anos de idade e alguns quilos em excesso, ingeria diariamente uma quantidade de calorias que deixava Jean­nie estupefata. Quase sempre, Jeannie cedia à tentação de aceitar as ofertas da amiga, mas pela primeira vez, depois de muito tempo, o aroma de maçã e canela não conseguiu seduzi-la.
— Depois, talvez — murmurou, puxando uma cadeira e sentando-se. — Preciso falar com você.
Magda deu de ombros e pegou a caixa de volta.
— Então, fale.
— Ou dei o passo mais sensacional de minha carreira, hoje, ou cometi a maior asneira de minha vida.
— Outra vez?
— É sério, Magda. Vou me casar.
— Claro. E eu serei modelo de capa, na edição de trajes do banho, no próximo verão. — Magda levantou a tampa da caixa de plástico, revelando duas generosas e suculentas fatias de apfelstrudel.
— Eu vou me casar, mesmo!
— É essa a asneira? — Magda abriu um guardanapo de papel sobre o colo. — Não se preocupe. O casamento não é assim tão terrível. Gostei dos meus três. De algumas partes deles, pelo menos. Quem sabe, em um momento de fra­queza, talvez eu até arrisque de novo. — Ela tirou um garfo descartável de dentro de um pequeno saco plástico e mostrou-o a Jeannie. — Tem certeza de que não quer um pedaço? Esse strudel é divino!
— Magda, preciso de sua ajuda!
— Certo. Pode anotar. Recepção no Carmen's, e não as­sine nada antes da cerimônia. — Magda espetou o garfo em uma das fatias do strudel. — Quem é o felizardo, aliás?
— Ainda não sei.
— Hum, que plano ótimo... Assim, se você mudar de idéia, não vai magoar ninguém, não é mesmo? — Magda engoliu um pedaço do doce.
— O problema é que preciso de sua ajuda para encontrá-lo.
— Para encontrar quem?
— Um noivo! — exclamou Jeannie, impaciente. Magda olhou ao redor do cubículo, enquanto mastigava outro pedaço.
— Por acaso tem alguma placa de "Cupido" por aqui e eu nem notei?
Jeannie baixou a voz para quase um sussurro.
— Não, mas tenho a impressão de que você vai achar muito interessante, depois que eu lhe contar.
Magda apoiou o garfo no strudel.
Fale.
Jeannie explicou o que acontecera no escritório de Kyle, a aposta, a proposta de sociedade, tudo. Com exceção de um pequeno detalhe. Não havia necessidade de dizer que o ela chegara a pensar, por um breve momento, que Kyle Hunter a beijaria. Nem que seu coração disparara por causa disso.
Quando ela terminou, havia um brilho intenso nos olhos de Magda.
— Então, o que acha? — perguntou Jeannie, ansiosa. Magda inclinou-se para frente.
— Acho que você é um gênio! Até já consigo imaginá-la em uma sala só sua, com secretária e tudo mais. Mas confesso que estou surpresa por Kyle ter concordado com a sociedade.
— Ele não acredita que vou conseguir. Aliás, nem eu mesma tenho certeza. Como posso me casar, só para ganhar uma aposta, Magda?
— Ora, talvez você encontre seu príncipe encantado, por que não?
— E se eu não encontrar? Vou perder meu carro! — cho­ramingou Jeannie. — Tia Clothilde não vai me perdoar. Ela vai vir, todas as noites, puxar minha perna, tenho certeza!
— Se você perder a aposta, paga a Kyle o valor do carro, pronto!
— Ficou maluca, Magda?! Não tenho esse dinheiro!
— Então, minha filha, faça pensamento positivo. Cada vez que conhecer um homem, deixe a mente e o coração abertos. Não é tão difícil, é?
Jeannie estudou o rosto da amiga. Para Magda, havia uma solução simples para tudo.
Seria possível que o homem perfeito estivesse sentado em sua limusine, naquele momento, com uma taça de champanhe em uma mão e o coração na outra, à espera de uma mulher com cabelos ruivos e quadris largos? Impossível saber. Afinal, as coisas mais estranhas e inesperadas aconteciam.
Jeannie sorriu.
— Está bem... seguirei seu conselho. Magda deu um tapinha na mesa.
— Maravilha! Agora, como posso ajudar você? De um jeito ou de outro, você precisa ganhar. Não suporto a idéia de nunca mais andar naquele carro!
— Dê-me uma idéia de por onde começar — sugeriu Jean­nie. — Você fala com pessoas famosas todos os dias. Poderia me apresentar a algumas delas. Pelo menos, seria uma ma­neira de eu ingressar no ambiente.
— Bem, vejamos... O ideal seria um homem que não gostasse de badalação demais... Um tipo discreto. Mais es­tabilidade e menos agitação, certo? — Magda abriu a gaveta superior do arquivo e folheou as pastas. — Não dinheiro velho, mas que esteja circulando a tempo suficiente para ter credibilidade. Vamos lá!
Ela tirou uma pasta de dentro da gaveta e colocou-a dian­te de Jeannie.
— Acho que isto aqui é exatamente o que você precisa. Jeannie leu a etiqueta.
— "Futuros Eventos Sociais"?
— Isso mesmo, querida. — Magda abriu a pasta e espa­lhou o conteúdo sobre a mesa.
— Inaugurações, exposições de arte, obras beneficentes, ludo isso. Eventos sem a menor graça, a maioria deles, mas sempre com um amplo desfile de homens ricos.
Jeannie examinou por alto as fichas, sentindo as apre­ensões se desvanecerem e o excitamento crescer.
— Mas isso é maravilhoso! Alguma coisa para esses dias? Magda remexeu na papelada.
— Na verdade, haverá um grande evento, esta noite. — Ela tirou um cartão rosa-pálido de entre os demais e balançou-o diante do rosto de Jeannie. — Aqui está. Baile de Gala da Feira de Antiguidades. Pousada Westfield Inn, sete horas. Mais de seiscentos membros da alta sociedade estarão lá, bebericando champanhe e mordiscando caviar. Eu pre­tendia passar por lá, antes da estréia da peça no teatro municipal, mas, se você quiser, pode ir no meu lugar.
Jeannie pôs-se de pé e arrancou o convite da mão de Magda.
— Depois te conto como foi — murmurou, caminhando para a porta.
— Ei, só um minuto, Cinderela! Você ainda não está pronta para ir ao baile. Não me leve a mal, querida, essa sua roupa é uma graça, mas não é apropriada para a ocasião. — Magda girou o relógio de ouro no pulso e vasculhou os Cartões sobre a mesa, antes de separar um deles e entregá-lo, Jeannie. — Pronto, aqui está. Lissa Stiller. É uma modista, nova, ainda não muito conhecida, mas ótima! Já apareceu em minha coluna. Diga que eu a recomendei e que você é Victoria Boulderbottom. Ela vai ficar alucinada. E vai aju­dá-la, com certeza.
Jeannie examinou o cartão.
— Acha que ela talvez me empreste algumas roupas?
— Vá sonhando!
— Por que não? — Jeannie arqueou as sobrancelhas. — Pense bem, Magda. Se eu prometer usar exclusivamente os modelos dela e fizer propaganda disso em minha coluna, enquanto estiver empenhada nessa missão lunática, poderá ser interessante para ela.
Magda balançou a cabeça, sorridente.
— Você é a criatura mais maquiavélica que já conheci.
— E por isso que nos damos tão bem! — lembrou Jean­nie, brincalhona. — Obrigada por tudo, Magda! Estou em dívida com você.
— Tudo bem — Magda levou à boca um pedaço de strudel. — Só quero que você faça o que prometeu.
— Mente aberta, pensamento positivo! — exclamou Jean­nie, solene.
— Agora, vá, garota! Estou curiosa de ver o resultado dessa história.
Jeannie cortou com a mão um pedaço do strudel e levantou-o no ar.
— Ao casamento... e ao amor!

— Algum problema? — perguntou LeeAnne. Kyle afastou-se dela.
— Claro que não. Por que pergunta?
LeeAnne balançou a cabeça, com seu jeito refinado e discreto.
— Você parece preocupado, só isso.
— Tenho várias coisas para resolver.
LeeAnne segurou a mão de Kyle e conduziu-o para o sofá.
— E exatamente por isso que estou aqui — Ela se sentou e gesticulou para que ele fizesse o mesmo. — Estou a ca­minho de Westfield, para supervisionar os últimos prepa­rativos para a inauguração da Feira de Antiguidades, esta noite. Pensei que talvez você quisesse ir comigo.
— Acho que não, LeeAnne.
— Mas eu providenciei um chá completo especial para o comitê! — Ela entrelaçou os dedos com os de Kyle e tentou puxá-lo para o sofá. — Tenho certeza de que você vai gostar.
Kyle desvencilhou-se e voltou para a mesa.
— Pode ser, mas não posso sair agora.
— Claro. — LeeAnne levantou-se e aproximou-se dele. Eu gostaria que você fosse comigo, mas compreendo. Como sempre.
Kyle reprimiu um sorriso, conforme a imagem de Jeannie, naquele mesmo lugar, surgia em sua mente. A pose em­pertigada, o ar de desafio, o olhar brilhante... Ela não seria compreensiva, ou previsível; seria, no mínimo, uma expe­riência extenuante. Energia demais, empenho demais, tudo demais. Mas... interessante.
— Ouviu o que eu disse? — A voz de LeeAnne interrom­peu o devaneio de Kyle. Ele olhou para ela, sem expressão no rosto. — Deixarei um convite, para o caso de você decidir ir, mais tarde. Estou atrasada.
— Muito bem. — Kyle acompanhou-a até a porta, sur­preso por se sentir aliviado com a partida dela.
Ele abriu a porta no momento em que Jeannie saía do escritório de Magda, balançando um pedaço de papel como se fosse uma espada. Ela se virou e Kyle contemplou um sorriso enigmático no rosto afogueado.
Jeannie não se desconcertou; ergueu o braço e brandiu o papel para ele, antes de se afastar ao longo do corredor, movendo sedutoramente os quadris.
— Que garota petulante, Kyle! — exclamou LeeAnne, com uma ruga na testa.
Kyle segurou-lhe o braço e conduziu-a ao longo do corredor.
— Ela está convencida de que vai ganhar.
— Ganhar o quê?
— Bobagem... deixe para lá. — Kyle parou do lado de fora do escritório de Magda. — Boa festa — desejou, apressadamente, antes de desaparecer atrás da divisória.
Magda girou na cadeira, quando Kyle entrou. Ele tirou o fone da mão dela e colocou-o no gancho.
Magda riu e ofereceu-lhe uma caixa de bombons.
— Por que eu nunca consigo enganar você? Aceita?
— Não, obrigado. — Ele apoiou as duas mãos na mesa. — O que você deu a Jeannie?
Magda escolheu um bombom e colocou-o, inteiro, na boca.
— Eu? Nada... por quê?
— O que acha de passar um mês fazendo cobertura de exposições de cães?
A mão de Magda paralisou, sobre a caixa de bombons.
— Você não está falando sério.
Kyle não respondeu. Limitou-se a continuar fitando Mag­da fixamente.
— Está bem! Eu dei a ela um convite para o baile da Feira de Antiguidades.
— O que mais?
— Nada...
— Podemos incluir também uma cobertura completa dos banquetes dos jogadores de críquete.
Magda revirou os olhos.
— O endereço de uma modista... Só isso, juro!
— Que modista?
— Lissa Stiller. Mas...
— Obrigado, Magda. — Ele deu um tapinha nas costas dela. — Você é uma grande amiga.
— Não diga a ela que eu contei!
— Não, desde que você me avise cada vez que der um convite para ela.
Kyle voltou para sua sala, sentindo-se estranhamente aliviado. Sua atenção foi atraída para o disquete que en­tregara a Jeannie, pouco antes. Ele o segurou na mão e examinou-o, com ar pensativo. Fora propositalmente igno­rado, ou simplesmente esquecido? Com Jeannie Renamo, qualquer coisa era possível.
Não que tivesse importância, pensou, enfiando o disquete no bolso. Ele teria oportunidade de entregá-lo, naquela noite.


CAPÍTULO III

À uma hora de distância, ao norte da cidade, a Pousada Westfield Inn atraía aqueles hóspedes que procuravam tranqüilidade, atendimento especial e um ambiente ao mesmo tempo requintado e sociável. Ga­rotos uniformizados ainda entregavam mensagens em ban­dejas de prata, o chá era servido diariamente às quatro horas da tarde e o jantar normalmente era seguido por uma caminhada nos jardins.
Ao mesmo tempo em que conservava o visual do passado, a propriedade reformada era equipada com computadores, aparelhos de fax e uma equipe dedicada e atenciosa, ofere­cendo todas as comodidades modernas para turistas, ho­mens de negócios e organizadores de convenções.
A inauguração da Feira de Antiguidades era, tradicio­nalmente, uma festa de gala com fins beneficentes, e a en­trada só era permitida aos portadores de convite. A hora marcada para o início do evento era sete, com uma apresentação prévia especial dos objetos no salão principal, se­guida de jantar e baile na suntuosa Sala Verde e Dourada.
Às seis e meia, o saguão de entrada fervilhava de vozes e risos. Tafetás, miçangas e lantejoulas refletiam o brilho dos candelabros de cristal. Uma orquestra de câmara com­posta de quatro músicos entoava as Quatro Estações de Vivaldi, e garçons com luvas brancas circulavam com bandejas de champanhe e canapés, enquanto a elite da cidade aguar­dava pacientemente que as portas se abrissem.
Sozinha, em um canto, Jeannie observava os convidados, enquanto bebericava uma taça de champanhe. Até então, a única coisa que dera certo, naquele dia, fora o encontro com Lissa Stiller.
A modista acatara, sem hesitar, a sugestão de Jeannie, e as duas passaram a tarde selecionando um guarda-roupa apropriado para a empreitada de Victoria, incluindo o traje que Jeannie escolhera para aquela noite: um vestido vaporoso, sim­ples, de crepe de seda vermelho, que lhe caía com perfeição.
Jeannie nunca usara nada parecido e esperava que não fosse sofisticado demais, caso ela decidisse passar em seu clube favorito, mais tarde. Embora, provavelmente, não houvesse lá tantas limusines estacionadas do lado de fora, com certeza haveria mais homens solteiros estacionados do lado de dentro. O que era um ponto a favor a ela e contra Westfield.
Jeannie olhou para o grupo que entrava e suspirou, retorcendo os lábios.
— Mais casais — murmurou baixinho, antes de colocar o copo na mesa, a seu lado.
— O que você esperava? Ela se virou abruptamente, ao reconhecer a voz de
Kyle Hunter.
— O que está fazendo aqui?
— Fui convidado.
—Ah, sim! Eu havia me esquecido de que LeeAnne Alexander é a organizadora. Eu devia ter imaginado que você viria.
Kyle sorriu.
— E você?
— Também recebi um convite — disse Jeannie, desviando o olhar, tentando ignorar Kyle, embora soubesse que isso seria impossível.
Em meio a todos aqueles homens de smoking e gravata-borboleta, Kyle Hunter ainda conseguia se destacar. O traje formal combinava com ele, realçando-lhe os ombros largos e a postura ereta, a aparência fina acentuando a masculi­nidade que Jeannie já achava irresistível.
As portas do salão se abriram e a multidão começou a entrar.
— Com licença.
Jeannie deu um passo à frente, com a intenção de seguir os demais, porém Kyle segurou-lhe o braço.
— Por que não espera a confusão acabar, primeiro?
— Porque a graça está justamente em acompanhar os outros.
— Acha graça nesse tipo de festa?
— Não sei... é a primeira vez que venho.
— E qual é a sua opinião, até agora?
— Há um certo fascínio... mas devo confessar que não vejo tantos trajes pretos desde a última reunião de motoqueiros.
Kyle ficou surpreso.
— Você freqüenta esse tipo de reuniões?
— Só fui uma vez. Eu estava fazendo uma pesquisa pre­liminar para a série "Sem Medo". Fiquei sabendo que os motociclistas se reuniam em Port Dover, todas as sextas-feiras, treze. Então, fui.
— Sozinha?
— Claro.
O tom de voz de Kyle tornou-se menos afável.
— E Marcus permitiu?
— Ele não poderia me impedir.
— Eu teria impedido.
Jeannie não detectou ironia na voz, nem na expressão de Kyle, apenas uma genuína preocupação, que a deixou desconcertada.
— Você poderia ter tentado — murmurou, gentilmente. - Se teria conseguido, é outra história.
Jeannie pegou sua taça de champanhe e tomou um gole, sem desviar o olhar do rosto de Kyle.
— Vamos entrar? — Kyle ofereceu o braço a Jeannie e não pôde deixar de se surpreender quando ela deixou o copo sobre à mesa e entrelaçou o braço com o dele, em silêncio. Esperar o inesperado era a única maneira de lidar com Joannie Renamo.
— Você ainda não me disse por que veio.
Ela sorriu.
— Estou interessada em antiguidades.
— Ou em encontrar um marido?
— Também — admitiu ela, com um risinho discreto.
— E acha que irá encontrá-lo aqui? Jeannie deu de ombros.
— Pensei que seria, pelo menos, uma maneira de começar. Mas vejo que me enganei. As possibilidades são escassas.
— Bem, as coisas podem mudar. Aí vem um solteiro. Ou melhor, livre e desimpedido.
Jeannie seguiu a direção do olhar de Kyle. Um homem estava parado na entrada, observando a fila que invadia o salão. Ao avistar Kyle, ele acenou e começou a atravessar o saguão, parando duas ou três vezes para cumprimentar ou apertar a mão de alguém.
— Quem é o grã-fino? — perguntou Jeannie.
— O príncipe herdeiro Duncan Fox — respondeu Kyle.
— Ele é rico?
— Milionário.
— Você disse que ele é livre?
— Já se casou e se divorciou duas vezes. Vou apresen­tá-la a ele.
— Kyle, você não vai falar nada...
— Relaxe — murmurou ele, quando Duncan se aproximou. A vontade de Jeannie era de sair correndo e misturar-se à multidão, porém era tarde demais. Duncan fitava-a com um sorriso que parecia dizer: "Olá. Você é bonita. Eu, tam­bém. E, se você me der uma chance, tenho certeza de que descobrirá que não é só isso que temos em comum".
Como Jeannie sempre gostara de sorrisos eloqüentes, de­cidiu seguir o conselho de Kyle. Relaxou.
— Kyle... há quanto tempo! — exclamou Duncan.
— E verdade — murmurou Kyle, apertando a mão dele. Duncan tinha a mesma estatura de Kyle, embora fosse mais esguio, quase magro. Trajava um paletó de smoking azul-marinho e calça riscada.
"Bom gosto", pensou Jeannie. A gravata-borboleta fora descartada em favor de uma camisa azul-clara com colarinho alto, desabotoado, claro, e colete branco. Os cabelos escuros eram impecavelmente cortados, porém não tão impecavel­mente penteados, e Jeannie notou que ele não se barbeara. O efeito total era devastador, sofisticado e refinado, com um certo elemento de perigo, embora, talvez, um pouco es­tudado, perfeito demais para ser natural.
"Pronto", pensou Jeannie, repreendendo a si mesma. "Já estou procurando razões para descartá-lo antes mesmo de ser apresentada."
— Eu soube que você estava de volta à cidade — dizia Duncan a Kyle. — Estava para lhe telefonar, esses dias. Pretende ficar algum tempo?
— O mínimo possível, espero.
— Quer dizer que o carisma da cidade não se compara à sedução das ripas de madeira? — provocou Duncan, sorridente.
— As ripas de madeiras são o que menos têm a ver com isso.
— Imagino. — Duncan virou-se para Jeannie e seu sorriso se alargou.
"Mente aberta, pensamento positivo", lembrou Jeannie a si mesma, tentando sorrir com a mesma empolgação de Duncan, enquanto Kyle lhe segurava o braço, fazendo-a dar um passo à frente.
— Duncan Fox, quero que conheça Jeannie Renamo. Ela está aqui para...
O sangue de Jeannie gelou nas veias, e ela moveu apenas os olhos, de Duncan para Kyle.
— ...para fazer uma pesquisa — disse ele, finalmente.
— Verdade? — Duncan estendeu a mão para ela. — Que tipo de pesquisa?
— Vitoriana — apressou-se Jeannie a dizer, apertando a mão de Duncan.
— Isso mesmo — acrescentou Kyle. — Jeannie tem um interesse especial nos tópicos sociais do período. Você sabe... amor, casamento, tradições, casamento, distinções de classe, casamento...
— Kyle — censurou Jeannie, com um sorriso doce.
— O que foi, Jeannie? — Ele arqueou as sobrancelhas, com ar inocente.
— Tenho certeza de que Duncan não está interessado nos detalhes de minha pesquisa — murmurou ela, em tom de voz carinhoso, deliberadamente planejado para descon­certar Kyle. — Além do quê, vocês devem ter assuntos para pôr em dia. Por isso, cavalheiros, se me derem licença...
Ela lançou um último olhar para Duncan, tentando trans­mitir uma mensagem significativa, porém não óbvia. O passo seguinte teria de ser dado por ele.
— Foi um prazer conhecê-lo — disse ela, virando-se em seguida e desaparecendo dentro do salão.
Duncan virou-se para Kyle.
— Vamos diretamente ao assunto, meu amigo. Qual é o grande mistério entre você e essa garota?
— Absolutamente nenhum. — Kyle forçou-se a sorrir. — Esteja à vontade.
— Ótimo. — Duncan consultou o relógio de pulso. — Darei a ela cerca de uma hora, só para criar um certo suspense. Obrigado, Kyle. Foi muito bom encontrá-lo.
— Não há de quê — respondeu Kyle, virando-se em se­guida e desaparecendo dentro do salão.
Jeannie caminhava entre as fileiras de peças antigas, pro­curando indícios de homens solteiros e captando fragmentos de conversas, aqui e ali. Depois de algum tempo, desistiu da busca e passou apenas a ouvir as conversas, atônita com as incríveis somas de dinheiro que aquelas pessoas se dispunham a pagar por borboletas, castiçais de bronze e fotografias de homens e mulheres com rostos sorumbáticos.
Ela segurou na mão uma xícara de chá de delicada porce­lana, pintada à mão em tons de creme e rosa-pêssego. Era linda, e provavelmente valia cada centavo do preço que estava sendo pedido, mas Jeannie não sentia vontade de trazer o passado para o seu presente. Por mais que se esforçasse, não conseguia entender a aura de romance que envolvia o passado.
Para ela, o passado era uma época em que a maioria das mulheres vivia nas sombras, trocando a independência pela segurança do casamento e a proteção de um homem, tornando-se apenas mais uma parte do patrimônio do marido. Se­nhora "Fulano de Tal"! Seres sem nome, sem sonhos, apenas uma cristaleira repleta de xícaras de porcelana empoeiradas.
Decidindo que bastava por aquela noite, Jeannie colocou a xícara de volta sobre o pires e continuou a caminhar. Estava perto da saída, quando um estande denominado "An­tigas Mestras" atraiu-lhe a atenção.
Curiosa, Jeannie deu um passo a frente, e uma mu­lher idosa levantou-se de uma poltrona. Tinha o rosto en­rugado e cabelos brancos ralos, porém o sorriso que dirigiu a Jeannie foi doce e meigo, e Jeannie simpatizou com ela, à primeira vista.
— Entre — convidou a velhinha. — O movimento está tão fraco, que eu estava quase dormindo. — Ela estendeu a mão para Jeannie. — Sou Ellie Jacobs. Bem-vinda à "An­tigas Mestras".
Jeannie sorriu.
— "Antigas Mestras" — repetiu, interessada.
— Para contrastar com "Antigos Mestres" — explicou Ellie, com voz clara e um aperto de mão firme. — O que vê aqui é a arte de mulheres. Fique à vontade. Pode olhar o que quiser.
Jeannie examinou as peças expostas, admirando os quadros, desenhos e esculturas, porém foi uma simples fotografia que a fez ficar imóvel. Encaixada em um porta-retrato dourado, era um instantâneo de uma jovem e de um oficial do Exército, de pé, junto ao muro de um jardim, e o que era notável era que não havia nada de sorumbático na expressão da moça.
Os cabelos soltos esvoaçavam ligeiramente e, com o quei­xo erguido, ela exibia um largo sorriso; estava rindo, de fato. O soldado, por sua vez, tinha o cenho franzido, como se estivesse preocupado, ou aborrecido com alguma coisa. Jeannie simpatizou imediatamente com a jovem.
— É uma foto fascinante — sussurrou uma voz masculina, atrás dela.
Jeannie virou-se, sobressaltada, para deparar-se com Duncan Fox.
— Que susto você me deu!
— Não foi minha intenção — desculpou-se ele, com um sorriso. — Mas é que não consegui parar de pensar em você.
"Então, por que demorou tanto?", pensou Jeannie, repri­mindo o comentário.
— É mesmo? — perguntou, em vez disso. Ele assentiu.
— Infelizmente, Kyle me segurou esse tempo todo. Você sabe como ele é.
Jeannie não sabia. O Kyle que ela conhecia era, na maior parte das vezes, um homem de poucas palavras, mas, ob­viamente, Duncan conhecia uma outra faceta de seu chefe.
Jeannie limitou-se a sorrir e desviou o olhar.
Duncan percorreu um dedo pelo braço dela.
— Normalmente isso não acontece comigo, mas, hoje, o que eu mais queria era encontrar outra vez a garota que capturou meu coração no momento em que a vi.
"Oh, Senhor!", Jeannie gemeu intimamente, mordendo o lábio inferior.
Duncan riu, baixinho.
— Vou lhe dizer uma coisa, Jeannie. Geralmente acerto ao julgar a personalidade das pessoas, mas você me enganou completamente. Não imaginei que fosse tão tímida. — Ele silenciou o protesto de Jeannie levando a ponta do dedo aos lábios dela. — Não se preocupe. Eu gosto.
A voz de Ellie Jacobs salvou Jeannie.
— Se tiverem alguma pergunta a fazer, estarei logo ali, na frente.
Duncan transferiu seu charme para a proprietária do estande.
— Só peguei o final do que estava explicando a Jeannie. Se não se importar de repetir para mim...
— Mas faço questão! — exclamou Ellie, deliciada. — Ve­nha, vou lhe mostrar tudo pessoalmente.
Jeannie revirou os olhos, enquanto Ellie conduzia Duncan ao redor do estande. "Tímida!" Não podia se esquecer de incluir aquilo em sua próxima lista "As dez coisas mais absurdas que os homens dizem". Por enquanto, era a número um.
O riso alegre de Ellie soou, no fundo do estande. Duncan lhe dera o braço e pousara uma mão sobre a dela. O rosto de Ellie estava vermelho.
A atenção de Jeannie voltou-se para a fotografia. A jovem era atraente, cheia de vida, e esbanjava uma energia que até mesmo o limitado equipamento fotográfico da época con­seguira captar. Jeannie perguntou-se o que teria acontecido com aquele casal.
Um dedo enrugado tocou o porta-retrato.
— Esta foi tirada por minha mãe — explicou Ellie, com evidente orgulho. — A maior parte do trabalho dela perdeu-se com os anos, mas consegui salvar alguma coisa. Esta é minha favorita.
— Quem são? — perguntou Jeannie.
— Minha mãe nunca me disse.
— Que pena. — Duncan deu um passo para perto de Jeannie. — Seria interessante saber o que aconteceu com eles.
Jeannie observou-o, pensativa. Embora ele ecoasse seus pensamentos, a ausência de expressão em seus olhos indi­cava que não estava sendo sincero.
— Ele deve ter sido morto na guerra — arriscou Jeannie.
— Não — disse Ellie, contemplando o retrato. — Pelo que eu soube, eles estavam noivos, e iam se casar poucos dias depois que esta foto foi tirada. Mas, sem mais nem menos, ele terminou tudo. Foi um escândalo, na época!
— Posso imaginar — murmurou Jeannie, acrescentando, num impulso: — Está à venda?
— Estava. Até meia hora atrás. Sinto muito. Jeannie deu de ombros, com um sorrisinho resignado.
Ali estava a única peça da história pela qual ela se inte­ressara na vida, e não podia tê-la.
— Talvez você encontre alguma coisa de que goste no estande de jóias vitorianas, mais adiante — sugeriu Duncan. — É uma fascinante coleção de criações botânicas.
Jeannie virou-se lentamente para ele.
— Essa frase saiu da sua cabeça, ou você a leu em algum lugar?
— Li no folheto promocional deles — confessou Duncan, com um sorriso jovial. — Posso repetir tudo, se você quiser. — O sorriso esmaeceu. — E tentar começar de novo, também.
Jeannie estudou-o por um momento. Talvez houvesse esperança.
— Porque eu detestaria pensar que você não quis dormir comigo porque meti os pés pelas mãos antes da hora — acrescentou ele.
E talvez não, mesmo.
— Brincadeira — sussurrou Duncan, segurando a mão de Jeannie. — Venha, vou lhe oferecer um drinque.
"Mente aberta, pensamento positivo", entoou Jeannie, em silêncio, antes de contemplar pela última vez o rosto risonho da jovem no retrato, enquanto Duncan a conduzia para fora do estande.


CAPITULO IV

Sentado no fundo da Sala Verde e Dourada, Kyle observava o vaivém dos garçons, reti­rando os pratos das mesas, e o burburinho de vozes, risos e música. A pista de dança lotada e a animação da festa evidenciavam o sucesso do evento, um tributo a LeeAnne Alexander.
Ela conversava com um fotógrafo, na frente da sala, e as lantejoulas de seu vestido cintilavam como diamantes negros, a cada movimento que fazia.
Ao lado de Kyle, Elliot Daniels seguiu a direção do olhar do amigo, com pálpebras semicerradas.
— LeeAnne é uma mulher e tanto.
Kyle sorriu. Elliot não mudara, nos dez anos em que o conhecia, ainda possuía a mesma expressão de cão aban­donado e o mesmo jeito simples e despretensioso, incomum em um homem de sua posição e fortuna. De todas as pessoas que Kyle conhecia em Chicago, Elliot fora o único que ele sentira prazer em encontrar, naquela festa.
— É sim — concordou, com voz arrastada.
— Inteligente, dinâmica, bonita...
— Muito bonita.
— Mas não é ela, não é?
Não era uma pergunta, e sim uma constatação. Kyle olhou para ele, com uma ruga na testa.
— Por que diz isso?
— Só ver vocês juntos...
— Hoje, você quer dizer? — Kyle sorriu. — Não serve como base, levando-se em conta como ela está ocupada.
— Exatamente. — Elliot recostou-se. — Eu conheço você, Kyle. Se LeeAnne fosse tão importante, você encon­traria um meio de ficar perto dela, quaisquer que fossem as circunstâncias.
Sentindo-se pouco à vontade, Kyle concentrou a atenção na pista de dança. A noite toda, seus pensamentos vagaram entre a Aspects, Jeannie, Bristol Harbor, Jeannie.
Um simples vislumbre de uma roupa vermelha ou o som distante de um riso feminino atraía o olhar de Kyle, à pro­cura dela. Não lhe saía da lembrança a imagem de Jeannie naquele vestido, nem o modo como ela flertara descaradamente com Duncan, e Kyle se perguntava se ele já a teria encontrado.
Quando a orquestra começou a tocar uma versão branda de uma canção dos Rolling Stones, Kyle virou-se para Elliot, determinado a desiludi-lo de uma vez por todas.
— Acho que estou precisando mudar um pouco o ritmo. Que acha de dar uma olhada no bar, lá embaixo?
— Você manda! — Elliot levantou-se e seguiu Kyle. — Pelo menos, a música não fará falta!
— Chegou a pensar a respeito de participar da Semana das Corridas? — perguntou Kyle, enquanto desciam a esca­daria acarpetada. Você poderia ser útil, na tripulação, Elliot.
Elliot deu de ombros.
— Não há razão para eu não ir, realmente. — Ele sorriu, com evidente esforço. — Não é como se houvesse alguém esperando por mim, aqui, sentindo minha falta...
Kyle amaldiçoou-se intimamente, conforme atravessavam o saguão inferior. Não fora sua intenção tocar num ponto sensível, apenas desviar a atenção de Elliot de LeeAnne.
— Não tem tido notícias de Yvonne? — Ele se sentiu no dever de perguntar.
— Nem uma palavra, em seis meses. Mas já aceitei a situação, Kyle. De verdade.
— Ela está, mesmo, decidida pelo divórcio?
— Segundo meu advogado, sim. — Elliot empertigou-se, tentando livrar-se da melancolia. — Mas tudo isso são águas passadas, portanto, se você quer minha companhia na Se­mana das Corridas, sou todo seu.
Kyle deu uma palmadinha no ombro de Elliot.
— Ótimo! Telefonarei para Bristol Harbor, amanhã cedo, para informá-los. Está na hora de você começar a sair mais, namorar...
Elliot fez uma careta.
— Não tenho certeza se ainda me lembro de como é isso!
— A Semana das Corridas é a oportunidade perfeita. Velejar de dia, ir a festas à noite... Acredite, vamos nos divertir a valer!
Dessa vez, o sorriso de Elliot foi autêntico.
— Quem sabe, conseguimos, finalmente, encontrar um nome para seu barco!
Kyle abriu a porta do bar.
— Não tenha tanta esperança. Aliás, já me acostumei a chamá-lo de Barco.
Os dois homens riram e entraram no bar, hesitando por um momento enquanto seus olhos se adaptavam à ilumi­nação fraca. Réplica de um clube de cavalheiros da era vi­toriana, o Lionhead Lounge era um salão confortável, com cadeiras estofadas e quadros a óleo em tons escuros depen­durados nas paredes revestidas de madeira.
Conforme Kyle vasculhava o salão, à procura de uma mesa, um casal sentado em um banco estofado, em um dos cantos, atraiu sua atenção. A mulher cruzava e descruzava as pernas repetidamente, e seus dedos tamborilavam na haste do copo de vinho. Mesmo na penumbra, os movimentos irrequietos e a graciosa curvatura das pernas eram incon­fundíveis. Jeannie. E o homem a seu lado era Duncan.
— Tem um lugar ali — disse Elliot, apontando na direção oposta.
— Espere...
O sangue de Kyle fervilhou nas veias quando ele viu a mão de Duncan pousar sobre o joelho de Jeannie.
— Aquele é Duncan Fox? — perguntou Elliot, estreitando os olhos.
Kyle não conseguia desviar o olhar da mão de Duncan.
— O próprio — murmurou, relaxando só um pouco quan­do Jeannie segurou a mão de Duncan o guiou-a até a mesa.
Kyle esperava, em parte, que ela se levantasse e saísse, porém não foi o que aconteceu. De fato, por que ela faria isso? Entre outras coisas, Duncan era rico e disponível, as únicas duas qualidades que Jeannie podia exigir de um homem, naquele momento, graças à aposta que ele havia cometido a asneira de propor.
— Sabe que eu não invejo a vida de Duncan? — comentou Elliot, pensativo. — Só relacionamentos fúteis, um após o outro... Se bem que com aquela ali, até eu!
— Duncan está perdendo tempo com ela.
— Você a conhece? — perguntou Elliot, surpreso.
— É Jeannie Renamo. Trabalha na editora, é colunista da Aspects. — Kyle forçou-se a aparentar serenidade, en­quanto via Duncan levar a mão de Jeannie aos lábios e beijar-lhe a ponta dos dedos. — Vamos nos sentar.
— Bem, nós sabemos como isso vai terminar, não? Dessa vez, o sangue de Kyle gelou.
— Como assim? — perguntou, no tom de voz mais natural possível.
— Ora, é óbvio que Duncan tem planos para essa sua Jeannie. — Elliot espiou por sobre o ombro. — E, se bem o conheço, ele vai conseguir o que quer.
Alguma coisa repentina, amarga e desproporcional ao co­mentário de Elliot retorceu o estômago de Kyle. Raiva? Ciú­me? Ele rejeitou ambos, imediatamente.
— Ela não é minha Jeannie. É uma funcionária.
E, desde que não terminasse em pedido de casamento, o que acontecesse entre ela e Duncan não era de sua conta.
Enquanto se virava, ele teve um vislumbre de Duncan inclinando-se para dizer alguma coisa a Jeannie. Ela recuou abruptamente e deslizou para a extremidade do banco. Começou a ajeitar a alça da bolsa no ombro quando avistou Kyle.
Kyle observou, fascinado, a expressão surpresa e boquia­berta de Jeannie. Ele arqueou uma sobrancelha, com ar de indagação, e ela fechou a boca. Num movimento sutil, ela afastou novamente a bolsa e cruzou as pernas, entrelaçando os dedos com os de Duncan, enquanto deslizava de volta, sobre o assento.
"Mantendo as aparências", pensou Kyle, com uma sen­sação de alívio tão intensa que não pôde deixar de sorrir.
Ele soubera, desde o início, que Jeannie não se engraçaria com Duncan.
— Por um momento, pensei que ele a tivesse perdido — disse Elliot.
— E perdeu.
— Não sei, não. Ela me parece bem interessada.
Ela estava se esforçando, isso sim, e Kyle a admirava por isso; rindo, sorrindo, o olhar fixo em Duncan, como se cada palavra que ele dissesse a deslumbrasse. Mas seus movimentos eram forçados, sem naturalidade.
— Não. Ela não está interessada — disse Kyle com vee­mência. — Observe as mãos dela. Embora tenha deixado Duncan segurar uma, a outra está segurando o copo como se estivesse agarrando uma tábua de salvação. — Kyle sor­riu para Elliot. — Acredite em mim, ela está furiosa.
Elliot olhou para ele, curioso.
— Parece que você conhece muito bem essa garota!
— Não conheço nada. Já lhe disse, ela não passa de uma funcionária.
Uma funcionária bonita e teimosa, que estava prestes a perder a maior aposta de sua vida. Kyle sorriu.
— Vamos pedir nosso drinque?
Jeannie afastou os cabelos para detrás do ombro, apro­veitando para lançar um rápido olhar na direção de Kyle, com a esperança de que ele tivesse ido embora. Mas ele ainda estava lá, brindando para ela de uma mesa de canto.
— Você me enganou, mesmo! — exclamou Duncan, che­gando mais perto de Jeannie. — Por um momento, pensei que iria embora. — Ele riu, baixinho, acariciando a mão dela com o polegar. — Perdoe-me se me precipitei. É que você me deixa louco...
Ele levou os lábios ao pescoço de Jeannie, porém ela se esquivou.
— Por favor, não faça isso! Duncan sorriu.
— Deixa você louca, também?
— Você não sabe de nada — murmurou ela, tomando um gole de vinho, consciente de que não poderia levar aquilo adiante por muito tempo.
Naquele momento, Jeannie decidiu que bastava. Era me­lhor agüentar a zombaria de Kyle do que continuar perdendo tempo com o príncipe Duncan.
— Boa noite! — exclamou, colocando a alça da bolsa no ombro e levantando-se. — Obrigada por tudo, foi ótimo.
— Espere. — Duncan pôs-se de pé, abruptamente, lar­gando o copo sobre a mesa. — Tenho uma coisa para você. Ele enfiou a mão no bolso e pegou uma chave.
— Quarto 112 — sussurrou, colocando a chave na palma da mão de Jeannie. — Está tudo pronto. Vinho, morangos doces e polpudos, calda de chocolate. Hum?
Jeannie olhou para a chave.
— É uma idéia excelente, mas morangos me dão urticária. O sorriso de Duncan desvaneceu-se.
— Está me dizendo não?
— Você entende as coisas depressa. — Jeannie estendeu a chave para ele. — Boa noite, Duncan.
— Eu não acredito! Por acaso tem idéia de quantas mu­lheres seriam capazes de matar para ter essa chave nas mãos?
— Centenas, tenho certeza.
— Acertou!
— Nesse caso, você não terá dificuldade para se livrar dela. — Jeannie colocou a chave sobre a mesa. — Agora, preciso, mesmo, ir.
Duncan segurou-a pelo braço.
— As mulheres normalmente não me dizem não, Jeannie. Com um movimento delicado, ela se desvencilhou e deu um passo para trás.
— Então, esta é uma experiência nova para você, não é mesmo?
— Espere! — Duncan ainda chamou, porém Jeannie ignorou-o. Atravessou o salão, apenas parando por um ins­tante na porta. Olhou por sobre o ombro, na direção da mesa de Kyle, e ficou aliviada ao vê-lo com o rosto virado para o outro lado, envolvido numa conversa animada com o amigo. Se tivesse sorte, chegaria em casa antes que ele se desse conta de que ela fora embora.
Jeannie atravessou o saguão fortemente iluminado e saiu para o jardim. Milhares de lâmpadas minúsculas decoravam as árvores alinhadas ao longo dos sinuosos caminhos de pedra, concedendo à noite uma aura de conto de fadas. Longe do burburinho, Jeannie diminuiu o passo, admirando o cenário de tirar o fôlego. Parou junto a um muro baixo de pedra e fechou os olhos, sentindo a brisa fresca e suave no rosto e nos cabelos. A música elevava-se no ar, à distância, e ela se sentou em um banco de ferro, respirando o ar impregnado com a fragrância de camélias e jasmins. Aquela era sua recompensa pelo que tivera de aturar, pensou, com um suspiro, sem saber que Kyle a seguira e a observava, a uma curta distância.
Contemplando Jeannie, naquele momento, com o rosto banhado pelo luar, ela parecia doce, frágil... como no escri­tório, mais cedo, quando ele quase a beijara.
A lembrança levou a outra, e Kyle deu um passo à frente, sem fazer questão de passar despercebido.
— Kyle! — exclamou Jeannie, virando-se para ele, com um sobressalto. — Você... viu o que aconteceu no bar?
— Certamente. Seria difícil não ver.
— E veio vangloriar-se.
— Não. Vim ver se você está bem.
Jeannie olhou para Kyle, desconfiada, enquanto ele se, sentava a seu lado.
— Por quê?
— Porque você saiu tão apressada... Não ouvi o que Duncan disse, mas imagino que não tenha sido "Vamos tomar  um café".
Jeannie riu e apoiou um braço no encosto do banco.
— Na verdade, foram morangos.
— Ah, sim. O velho ritual dos morangos com calda de  chocolate — murmurou Kyle.
— Parece que você o conhece muito bem.
— Fomos amigos, na universidade.
Jeannie inclinou a cabeça para um lado e perguntou, após um breve silêncio:
— O que ele quis dizer com "sedução das ripas de madeira"?
— Estava se referindo ao veleiro que construí, no ano passado.
— Um veleiro? Engraçado, eu teria imaginado você em um iate. Ou em uma lancha. Alguma coisa grande, imponente.
— Assim como eu?
Jeannie riu novamente, e o som alegre penetrou até a alma de Kyle.
— É por causa desse barco que você tem tanta pressa de voltar?
— Não por causa do barco, mas por causa da viagem que pretendo fazer nele.
— Viagem? Para onde você vai?
— Você é sempre assim, bisbilhoteira?
— Sou jornalista, esqueceu? Para onde você vai?
— Bermudas, Seychelles... Ilhas Marshall... Os olhos de Jeannie se arregalaram.
— Vai dar a volta ao mundo?
— Com o tempo, sim.
— Quanto tempo?
— Três anos. Jeannie recuou.
— Três anos em um barco? Kyle riu.
— Pretendo parar, uma vez ou outra.
— Mesmo assim! É muito tempo... — Ela mudou de po­sição, cruzando as pernas para o outro lado. — Alguém, na editora, sabe dessa viagem?
— Poucas pessoas. Magda é uma delas.
— Ela nunca tocou no assunto.
— Ela sabe que não gosto de misturar o trabalho com minha vida pessoal. .
Jeannie inclinou-se para frente e baixou a voz.
— Então, por que está me contando?
Kyle contemplou aqueles olhos cor de caramelo e desco­briu que não tinha uma resposta.
— Digamos que seja efeito do luar, e de Vivaldi.
Jeannie riu e recostou-se novamente.
— Como é o seu barco?
— É um veleiro de trinta e seis pés.
— Trinta e seis? — repetiu Jeannie, arqueando as so­brancelhas. — Então, não é tão pequeno, afinal!
Kyle não reparara na brisa, até aquele momento. Não a sentira no rosto, nem nos cabelos, até vê-la agitar os cachos avermelhados de Jeannie e grudar-lhe o vestido no corpo, chamando sua atenção para o formato dos seios, a cintura fina, a curva dos quadris.
Ele se imaginou chegando mais perto, bem perto, acuando-a de tal maneira que se tornasse impossível para ela escapar. Imaginou-se sentindo com as próprias mãos o que o vestido insinuava, descobrindo se a pele do corpo todo de Jeannie era tão macia quanto a das mãos... sabendo, instintivamente, que era.
— Algum problema? — indagou Jeannie, tirando-o do devaneio.
— Não. — Ele balançou a cabeça. — Eu só estava pen­sando se você estaria com frio.
— Não, eu estou bem...
Apesar da veemência de Jeannie, Kyle pôs-se de pé, tirou o paletó e colocou-o sobre os ombros de Jeannie, que também se levantou.
— É um pouco grande.
— E perfeito — murmurou ele, satisfeito com a maneira como seu paletó a envolvia completamente.
Jeannie puxou as lapelas para frente e uniu-as, com, uma inesperada sensação de conforto. Era estranho... Se tivesse partido de outro homem, o gesto fora de moda poderia, ter parecido estudado. Mas, partindo de Kyle, parecia perfeitamente natural, da mesma forma como a preocupação dele para com ela parecia natural.
— Devo estar parecendo ridícula.
— De jeito nenhum. A verdade, pensou Kyle, era que Jeannie nunca parecera mais bonita, a seus olhos. Ele ergueu uma mão para afastar uma mecha de cabelo do rosto dela.
— E então? — murmurou, gentilmente. — Quer cancelar a aposta?
No mesmo instante, Victoria Boulderbottom aflorou.
— E ver o fim de "O Casamento Ideal"? — Ela tirou o paletó e jogou-o para Kyle. — Esqueça.
Com passos rápidos, ela começou a voltar para o hotel. Kyle alcançou-a.
— Não foi por esse motivo que falei...
— Não me importa por qual motivo foi, Kyle! As conseqüências seriam as mesmas.
— Não será fácil como você pensa, Jeannie! Os homens ricos são cautelosos. Sempre alertas para as mulheres que estão atrás do dinheiro deles.
— Não estou atrás do dinheiro deles.
— É verdade. Está atrás de trinta e três por cento da revista. Jeannie parou abruptamente e fitou Kyle, atônita.
— É isso o que você pensa?
Ele retribuiu o olhar, mais atônito, ainda.
— Não é a verdade?
Ela deu um passo à frente e, quando falou, foi com voz branda, suave.
—Amor, Kyle. Eu não me casaria por nenhum outro motivo.
— Não acredito.
Jeannie sorriu, porém seu sorriso era melancólico.
— Não me surpreende. Depois da aposta que fizemos... Mas não sou diferente das outras mulheres, Kyle. Quero as mesmas coisas que todas querem. Afeto, ternura... Aquele homem especial, que vai fazer toda a diferença, entende? É tão difícil, assim, acreditar?
Kyle precisou se conter para não tomar Jeannie nos braços.
— Sabe de uma coisa? — continuou ela, animando-se. — Talvez não seja tão difícil como você pensa.
Ela ia continuar a andar, quando Kyle segurou-a pelo braço, obrigando-a a virar-se.
— Talvez não, mesmo — murmurou ele, detendo o olhar nos lábios de Jeannie, puxando-a para si.
A expressão dele era inequívoca, daquela vez. Jeannie via o brilho do desejo nos olhos azuis, sentia a premência no toque das mãos dele.
Na verdade, pensou ela, não era só Kyle. Ela sentia a mesma coisa, desejava a mesma coisa. Claro que se tratava de uma atração momentânea! Um beijo, e pronto. A curiosidade seria saciada, de ambos os lados.
Mas tinha de reconhecer que a sensação era extasiante. Com as mãos nas costas de Jeannie, Kyle amoldou-lhe o corpo ao seu, e em seguida segurou-lhe o rosto, com uma mão. Fitou-a intensamente, por um instante, antes de inclinar-se e tocar-lhe os lábios com a ponta da língua, gen­tilmente forçando-a a entreabri-los.
Sensações estranhas tomaram conta da mente e do corpo de Jeannie. Já fora beijada antes, claro, mas nunca se sen­tira assim. Era como se Kyle a estivesse conduzindo para um lugar onde ela não conhecia as regras, onde não sabia em que partes do terreno podia pisar, um lugar onde ela não tinha controle sobre coisa alguma.
Jeannie tentou recuar, porém Kyle impediu-a, abraçando-a com mais força, e ela sentiu o coração dele pulsar tão descompassadamente quanto o seu. Ela gemeu baixinho quando Kyle finalmente aprofundou o beijo, explorando-lhe avidamente o interior da boca com a língua.
Subitamente, Kyle afastou o rosto e empertigou-se, segurando Jeannie pelos ombros quando ela quase perdeu o equilíbrio. Confusa, ela o viu abaixar-se e pegar o paletó.  
— Talvez não seja tão difícil — repetiu Kyle. — Mas só para garantir, é melhor você ficar com isto — Ele tirou um disquete do bolso, virou a palma da mão de Jeannie para cima e colocou o disquete na mão dela. As covinhas se aprofundaram, quando ele sorriu. — Tenho o pressentimento de que você vai precisar.


CAPÍTULO V

Jeannie fechou um olho, mirou o tambor de me­tal no canto da garagem e fez o lançamento. A lata vazia voou por cima do Corvette e mergulhou dentro do tambor, juntando-se às outras três.
Jeannie ergueu os punhos cerrados, triunfante.
— Quatro, de quatro! Nada mau, para a primeira troca de óleo da estação! — Ela sorriu, por sobre o ombro, e es­tendeu uma mão.
— Cinco dólares... — cantarolou.
De pé, na porta da garagem, Magda abriu a bolsa, irri­tada, para pegar o dinheiro.
— Por que sempre caio nessa? — Ela balançou no ar uma nota de cinco. — Quer dobrar como você não consegue limpar as velas?
Jeannie arrancou a nota da mão dela.
— Nem sonhando!
— É porque você sabe que não consegue, mesmo — res­mungou Magda.
— Claro. — Jeannie enfiou o dinheiro no bolso da calça jeans surrada e limpou as mãos numa flanela. — Mas por que você não pode ficar, afinal?
— Porque tenho um compromisso. — O olhar sorridente de Magda se iluminou e ela baixou o tom de voz, como se mais alguém pudesse ouvi-la. — Um encontro! Conheci um diretor de uma empresa, no sábado, charmosíssimo, e ele ligou para o escritório, esta manhã. Mas, antes, quero lhe mostrar uma coisa. — Ela consultou o relógio.
— E tenho tempo para tomar um café, enquanto isso. Ainda vai demorar muito?
Jeannie largou a flanela sobre a borda do latão.
— Não. Aliás, chegou o momento da verdade. Quer apostar que o carro não vai pegar?
— Dez, como pega.
— Prefiro ir fazer o café.
— Medrosa!
Magda girou nos calcanhares, jogando a echarpe de seda para detrás do ombro, com um gesto afetado.
— Não demore.
Sentando-se ao volante, Jeannie fechou a porta e intro­duziu a chave na ignição. Prendendo a respiração, ela pisou no acelerador e girou a chave.
O motor roncou imediatamente, num ritmo firme, uni­forme, vigoroso. Com uma exclamação de triunfo, Jeannie soltou o freio de mão e saiu da garagem. Tia Clothilde ficaria contente, se pudesse ver.
Quase uma semana depois, ela ainda sentia a dor da humilhação, cada vez que se lembrava do modo como qua­se se derretera nos braços dele, como um simples beijo fora capaz de deixá-la com as pernas bambas e a mente entorpecida.
E, no entanto, não fazia sentido. Kyle era forte, dinâmico, habituado a vencer, a ser obedecido, exatamente o tipo de homem que Jeannie sempre evitara. Quando ele a beijara, contudo, todas as suas convicções haviam caído por terra, dando lugar a um desejo avassalador, levando-a a querer se entregar justamente àquela força que ela repelia.
— O café está pronto! — Magda chamou, da varanda, na entrada da casa.
— Estou indo!
Forçando-se a afastar Kyle do pensamento, Jeannie des­ligou o motor e atravessou o gramado.
— Por que não nos sentamos aqui? — sugeriu Magda, enquanto Jeannie subia os degraus. — Você sabe como eu adoro o ar livre!
— E sei também, como você detesta a minha cozinha.
— É verdade — admitiu Magda. — Nunca vi uma casa com uma cozinha tão pequena.
— Ah, mas em compensação a garagem é enorme! -— apontou Jeannie, atravessando o hall em direção ao lavabo, para lavar as mãos. — O que você queria me mostrar?
— O exemplar que saiu nas bancas hoje, da Aspects, com... "O Casamento Ideal"! — exclamou Magda, em tom de voz solene.
Jeannie enxugou as mãos e foi para a cozinha, com Magda em seu encalço. A revista estava sobre a mesa da cozinha, e Jeanne folheou-a até encontrar a página da coluna de Victoria Boulderbottom. Tudo estava exatamente como ela escrevera. Kyle não mudara uma palavra.
Ela olhou para Magda.
— Alguma reação dos leitores?
— Digamos que o telefone não parou de tocar e que o fax não deu conta das mensagens. Poucos desaprovaram. A maioria adorou!
Magda começou a servir o café, e Jeannie fechou a revista, tamborilando os dedos na capa.
— E Kyle, o que achou? — perguntou, contrafeita consigo mesma porque a opinião dele era importante, afinal.
— Não sei. Não fez nenhum comentário.
— Hum.
Ele não era capaz de admitir que ela acertara, isso sim, pensou Jeannie.
— Mas perguntou onde você estava — acrescentou Mag­da, sentando-se. — Eu disse que era dia de tirar o carro da garagem e ele pareceu saber do que se tratava.
— Pelo menos, ele tem boa memória. — Jeannie levantou-se, abruptamente. — Não íamos tomar o café lá fora?
Ao passarem pela porta da sala de jantar, Magda parou e gesticulou na direção do computador ligado, sobre a mesa.
— E o próximo artigo de Victoria? — perguntou.
— Bem que eu gostaria que fosse. — Jeannie entrou no escritório improvisado e sentou-se diante do monitor. — E a proposta de Kyle para uma série.
— E que tal? — quis saber Magda, debruçando-se sobre o ombro de Jeannie.
— Nem me pergunte.
— E tão ruim, assim?
— Pior. É abominável. O título, os lugares, a programa­ção. Mas, o mais abominável, mesmo, é o fato da idéia não ter sido minha. E perfeito para Victoria! — Jeannie suspirou e tomou um gole de café. — E eu havia prometido a mim mesma que nem olharia para isso.
— E por que olhou?
Jeannie empurrou a cadeira para trás e levantou os olhos para o teto.
— Porque esse disquete parecia uma coisa viva dentro da minha bolsa! Cada vez que eu a abria, lá estava ele, como um olho prateado gigante, me olhando! Acabei guardando-o dentro de uma gaveta, mas sou capaz de jurar que ele ficou me chamando, a noite toda! Hoje de manhã, quando me levantei, não agüentei mais.
Magda afastou-se e apoiou o quadril na mesa.
— E que idéia é essa, afinal, que você abominou e que, ao mesmo tempo, é tão perfeita?
— Chama-se "Amor Extremo". — Jeannie pressionou a tecla para voltar ao início do texto. — Veja com seus próprios olhos.
Enquanto Magda lia, Jeannie terminou de tomar o café, recostou a cabeça e fechou os olhos. Não precisava mais olhar para o monitor. Sabia de cor o que estava escrito nele.
Valendo-se da popularidade dos esportes e do gosto pela aventura entre os homens, "Amor Extremo" nada mais era que a investigação de Victoria Boulderbottom, confessa adepta dos prazeres da vida, da pergunta que perturbava o espírito de todas as mulheres caseiras do país: é possível para uma mulher que aprecia o sossego e a rotina encontrar o verdadeiro amor num aventureiro destemido?
A série começava com um passeio ciclístico no Grand Canyon, prosseguia com uma caminhada com lhamas em Idaho e, no final da primeira página, Jeannie já sabia exatamente o que viria a seguir.
Trajando bermuda de cor viva e capacete, Victoria seguiria os ciclistas numa caminhonete, tomando suco gelado e poupando as energias para as festividades da noite.
Magda virou-se para Jeannie.
— Ele captou o espírito de Victoria, sem dúvida. Não que me surpreenda. Kyle sempre teve uma capacidade in­crível para esse tipo de coisa.
Jeannie apoiou o queixo nas mãos e olhou para o monitor.
— Se, pelo menos, ele tivesse discutido a idéia comigo, primeiro, eu já estaria lá, no Grand Canyon, em vez de aqui sentada, preocupada com o carro de minha tia.
— Você não vai perder o carro — Magda tranquilizou-a.
— Já não tenho tanta certeza. Duncan Fox provou, de uma vez por todas, que eu jamais poderia me casar apenas por dinheiro. Ou para ganhar uma aposta. E, para ser sin­cera, também não sei se Victoria poderia. Talvez Kyle tenha razão, sabe? Acho que a idéia é ridícula.
— Os telefonemas e faxes indicam o contrário — observou Magda. — Você tocou num ponto sensível, Jeannie. Des­pertou a curiosidade dos leitores. E tenho certeza de que Kyle concorda comigo, só não tem coragem de admitir.
Jeannie contemplou a xícara de café vazia.
— Magda... você conhece Kyle bem, não conhece? Magda deu de ombros.
— Tão bem quanto qualquer outra pessoa.
— Ele e LeeAnne se vêem sempre?
— Pelo que sei, eles têm sido vistos juntos com freqüência, ultimamente. O que não me surpreende. LeeAnne é o tipo de Kyle.
— E qual é o tipo de Kyle?
— Refinada, elegante e maçante!
— Você acha que o relacionamento deles é sério?
— Por que todas essas perguntas, de repente, sobre a vida amorosa de Kyle? — perguntou Magda, curiosa. — Por acaso, está pensando nele como o marido rico?
— Nem de longe — murmurou Jeannie, sem expressão na voz e sem desviar o olhar da xícara.
— Mas seria uma escolha interessante! Imagine só, toda aquela masculinidade embrulhada em um pacote, aos pés de Victoria Boulderbottom! Não seria demais?
— Pode esquecer a idéia. Kyle não está no páreo. Além do quê, ele é meu chefe.
— E desde quando isso é impedimento? Kyle não é tão mau, assim.
Jeannie pressionou a tecla para terminar o programa e desligou o computador.
— Talvez não, mas não está no páreo.
— Que pena. Ah! — Magda afastou-se da mesa e pegou sua bolsa. — Já ia me esquecendo. Trouxe seus recados.
Ela tirou de dentro da bolsa um punhado de pequenas folhas de papel amarelas e entregou-as a Jeannie.
— Nada muito interessante. A não ser um telefonema de Elliot Daniels.
Jeannie empertigou-se.
— Elliot Daniels?
— Você o conhece?
— Na verdade, não. Conversei rapidamente com ele, na noite do baile, enquanto esperava o manobrista trazer meu carro alugado — Jeannie leu o recado: — Elliot Daniels, nove e quinze... Estou surpresa que ele tenha se lembrado de mim.
— Bem, faça um favor a si mesma e esqueça esse homem.
— Por quê?
— Porque ele é o melhor amigo de Kyle.
— Agora que você mencionou, lembro-me de tê-lo visto com Kyle, no bar — disse Jeannie, pensativa, dando de ombros em seguida. — Ora, mas isso não tem importância.
— Acha que Kyle vai deixá-la envolver-se com Elliot?
Jeannie estudou a folha de papel. Talvez não, admitiu para si mesma. Mas aquilo tudo era culpa de Kyle. E Elliot era bom demais para deixar passar.
— Kyle não precisa saber — ponderou ela, finalmente. — O simples fato de Elliot ter telefonado prova que ele ainda não comentou nada com Kyle. E nós sabemos que Kyle está com viagem marcada para Nova York, amanhã, e que vai passar lá três dias.
Jeannie levantou-se e colocou a folha de papel com o número de Elliot ao lado do telefone.
— Muita coisa pode acontecer, em três dias, Magda. Mui­ta coisa.
Magda pendurou a bolsa no ombro e dirigiu-se para a porta.
— Eu gostaria de ter tempo para ficar um pouco mais e dissuadi-la dessa asneira. Mas estou atrasada.
— Depois, eu conto como foi — prometeu Jeannie, quando chegaram perto do carro vermelho de Magda, estacionado na frente da casa.
Magda jogou a bolsa no banco traseiro.
— É bom, mesmo. Pode telefonar para mim, no... — Ela parou, com uma mão na porta do carro e a outra abrigando os olhos do sol. — Ora, ora... O que temos aqui?
Jeannie seguiu a direção do olhar da amiga. Um Jaguar pra­teado acabara de virar a esquina e subia a rua, na direção delas.
— Mas que interessante! — exclamou Magda, baixando a mão.
— Kyle? — murmurou Jeannie, com uma ruga na testa e uma contração no estômago, conforme o luxuoso auto­móvel parava, do outro lado da rua. — O que ele está fazendo aqui?
— Reunião editorial? — perguntou Magda, em tom provocador.
Kyle saiu do carro e estreitou os olhos, sob a forte claridade do sol. Jeannie queria desviar o olhar, porém não era capaz de fazê-lo. Se ele parecera bem de smoking, parecia ainda melhor de calça esporte creme e camisa amarela, quase da cor dos cabelos loiros quando refletiam o brilho do sol, pensou Jeannie. Um raro matiz de dourado com branco.
— Tem certeza que não quer mudar de idéia a respeito do páreo? — sussurrou Magda.
— Absoluta — respondeu Jeannie, olhando para Kyle como se estivesse hipnotizada.
Ele atravessou a rua e parou diante de Jeannie, que o fitou, emudecida.
— Lembrei-me de que hoje era o dia de tirar o carro da garagem — explicou ele. — E achei que seria uma boa idéia vir dar uma olhada. Espero que não se incomode.
Claro! Como ela não percebera antes?
— Pode olhar à vontade, mas posso lhe garantir que está perdendo seu tempo.
— Talvez — murmurou Kyle, depois de um breve silêncio, e virando-se para Magda. — Compreenderei, se já estava de saída.
— É sempre um prazer vê-lo, Kyle — disse ela, jovial­mente. Depois, para Jeannie: — Não se esqueça de telefonar.
Assim que o carro de Magda se afastou, Jeannie virou-se para Kyle, com o queixo erguido.
— Estou bastante ocupada hoje, mas, já que veio, pode­mos dar uma olhada no carro. Será bom você ver exatamente o que está perdendo.
Kyle sorriu.
— Seu nariz está sujo de graxa. Jeannie deu de ombros.
— Eu estava trabalhando — Ela esfregou as costas da mão no nariz.
— Está ficando pior. Venha cá. — Kyle deu um passo à frente e segurou o rosto de Jeannie entre as mãos, esfre­gando delicadamente os polegares no nariz dela.
— Deixe! — Jeannie fez uma careta e desvencilhou-se.
— O que você andou fazendo, afinal?
— Trocando o óleo do carro.
— Sozinha? — estranhou Kyle, enfiando a mão no bolso.
— Por que não?
— Por nada — respondeu ele, estendendo o braço e limpando o nariz de Jeannie com um lenço. — Pronto. Agora, sim.
Jeannie virou-se e caminhou na direção do Corvette.
— Quer que eu abra o capo?
— Para ser sincero, não foi só para ver o carro que vim aqui.
— Deixe-me adivinhar... Você soube da reação do público a "O Casamento Ideal" e veio descobrir que cor escolhi para as paredes de meu novo escritório!
Kyle riu.
— Não, exatamente.
— Então, não podia esperar nem mais um minuto para saber o que achei de sua série. Acertei?
— Confesso que estou curioso, sim. Jeannie encostou-se no carro.
— Tudo bem. É boa. Perfeita para Victoria. Satisfeito?
— Eu deveria ficar. Mas não estou. — Kyle cruzou os braços. — Porque essa série, agora, nunca verá a luz do dia, por melhor que seja.
Jeannie arqueou as sobrancelhas, surpresa.
— Por que não?
— Porque quer você ganhe, quer você perca, Victoria acabará quando "O Casamento Ideal" acabar. Você tem cons­ciência disso, não tem?
Jeannie suspirou.
— Sim — admitiu, com tristeza no olhar.
— Isso a aborrece?
— Um pouco. Eu sempre soube que Victoria não duraria para sempre, e esta é, sem dúvida, a melhor maneira de ela se despedir. Com a cabeça erguida. E, para ser sincera, estou pronta para uma mudança.
— O que não me surpreende. Victoria tem um raio de ação limitado. Consigo entender que você começasse a sentir as restrições, depois de algum tempo.
Jeannie balançou a cabeça.
— Aí é que está... E estranho, mas eu não me sentia restrita. Eu gostava do anonimato de ser a ilustre Victoria Boulderbottom. Mas, agora que sei que vai acabar, quero começar a escrever outras coisas.
Kyle seguiu Jeannie, quando ela subiu os degraus da varanda. Ela se sentou na escada, e ele também, um de­grau abaixo.
— O quê, por exemplo?
— Cuidados com a saúde, meio ambiente... tudo aquilo que entediava Victoria às lágrimas. E a mim, também, para ser franca. — Ela balançou a cabeça novamente. — Deve parecer banal para você.
— Jeannie, não há nada banal em nenhum desses as­suntos — disse Kyle, com veemência. — Por que seu inte­resse neles seria?
— Porque é... tão... acadêmico! O ideal de quem acabou de se formar em jornalismo, cheio de boas intenções de mudar o mundo. Mas são assuntos desgastados.
— Então, encontre uma nova maneira de se expressar — sugeriu Kyle, carinhosamente.
Jeannie retorceu um talo de grama entre os dedos, sen­tindo crescer a força de um sonho secretamente acalentado.
— E exatamente o que pretendo fazer. Tem de existir uma maneira de tornar a coisa interessante, e importante, para aquele chefe de família que acabou de perder o em­prego, para a mãe que é obrigada a deixar o bebê doente sob os cuidados de outra pessoa porque não pode perder o pagamento de um dia de trabalho. Quero usar tudo que aprendi como Victoria para tornar esses itens reais, mais próximos das pessoas.
— Você vai conseguir, Jeannie. Sei que vai encontrar uma maneira — encorajou Kyle, acrescentando, em seguida: — Mas não é só isso que você quer, não é, Jeannie?
Ela olhou para ele, surpresa.
— Não. Quero ser reconhecida, daqui por diante. Quero meu nome na primeira página. Quero ganhar o troféu da imprensa! Mas como você adivinhou?
— Eu já lhe disse, pensamos da mesma forma. O que me faz lembrar o motivo que me trouxe aqui. Tenho uma coisa para você.
— Outro disquete? Kyle sorriu.
— Não. Um presente. — Ele se levantou e caminhou na direção do Jaguar. — Venha. Está no meu carro.
Jeannie observou-o, perplexa, por um segundo, depois apressou o passo para alcançá-lo.
— Que tipo de presente?
— Do tipo que você desembrulha.
— Mas... por quê?
— Porque, depois que o comprei, não consegui pensar em outra pessoa para oferecê-lo. — Kyle pegou um pacote retangular no banco da frente e entregou-o a Jeannie.
Ela o segurou com as duas mãos, os braços esticados.
— Vai explodir quando eu abrir?
— Claro que não. Está programado para depois que eu for embora.
Jeannie levantou os olhos para ele.
— Eu devia ter imaginado. — As covinhas ficaram mais profundas, quando o sorriso de Kyle se alargou.
— Abra.
Era estranho, pensou Jeannie, mas por mais que achasse as covinhas deslocadas em um rosto anguloso e másculo, já não conseguia imaginar aquele sorriso sem elas.
Procurando afastar o pensamento, ela se concentrou no pacote, apalpando as bordas com os polegares. Estava acol­choado, o que significava que devia ser alguma coisa frágil. No entanto, era, ao mesmo tempo, duro e leve.
Jeannie contemplou o pacote, curiosa. Fosse o que fosse, não podia aceitar. Não, depois daquela noite. Mas poderia abrir, ver o que era e depois devolver. Não haveria mal algum nisso.
Sem o cuidado de procurar a fita adesiva e poupar o papel, ela o rasgou, impaciente, atacando o pacote com o mesmo vigor com que atacava tudo o que fazia.
Era por isso que o trabalho dela na Aspects era tão bom, pensou Kyle, com um meio-sorriso. E era por isso que o beijo dela ainda ardia em seus lábios.
Jeannie retirou o papelão ondulado para deparar-se com um porta-retrato e um cartão, escrito à mão: "Você tinha razão. Victoria lhe pertence".
Jeannie lançou um olhar indagador na direção de Kyle e virou a face do porta-retrato para cima. Sua expressão se iluminou.
— Então, foi você!
Movido pela suavidade da voz dela, tanto quanto pela pergunta em si, Kyle deu um passo à frente.
— O que fui eu?
— Que comprou este retrato...
Jeannie contemplava a fotografia como se não conse­guisse acreditar no que tinha nas mãos, como se Kyle lhe tivesse entregue um tesouro, quando na verdade não passava de uma foto de uma mulher e um soldado des­conhecidos, tirada por alguém que nunca alcançara, ver­dadeiramente, a fama, um objeto que não possuía valor material, exceto pela moldura.
— Como assim? — perguntou Kyle, confuso.
— Eu vi esse porta-retrato, na Feira de Antiguidades, e alguma coisa na expressão da jovem me impressionou. Era como se eu pudesse ouvir seu riso... Depois que Ellie me contou a história, eu quis comprá-lo, mas ela me disse que já estava vendido. — Jeannie levantou o rosto para Kyle. — Para você.
Os lábios de Jeannie estavam a poucos centímetros dos dele, entreabertos num sorriso doce, e, para Kyle, só havia uma resposta possível.
Beijá-la, naquele momento, seria completamente diferen­te da última vez. Seria mais profundo, mais sensual, o tipo de beijo que uma mulher oferece a um homem que acabou de tocar-lhe o coração. Não seria difícil... bastava aproximar-se um pouquinho mais, tocar os lábios dela com os seus e saboreá-los, lenta e profundamente.
Kyle ergueu a mão para segurar o queixo de Jeannie quando ela olhou de volta para a fotografia.
— Ellie lhe contou a história?
— O... quê?... Sim... Parece que ele desfez o noivado — balbuciou Kyle, contrariado por não ter prestado muita aten­ção aos detalhes.
Jeannie inclinou a cabeça para um lado, ainda estu­dando a foto.
— Acho que ele já foi tarde, mas eu gostaria de saber o que aconteceu com ela.
Kyle olhou para a foto. Não pensara muito a respeito do drama da jovem. Tudo que ele vira fora Victoria Boulderbottom, triunfante mesmo diante da derrota. Mas Jeannie lhe despertara a curiosidade.
— O que acha que aconteceu? Jeannie pensou, por um momento.
— Ela teve uma vida longa e feliz, realizando todas as coisas com que sempre sonhou.
— Ganhando troféus de imprensa, talvez? Jeannie sorriu, radiante.
— Talvez.
— Bem, ela é sua, agora, e você pode decidir que destino quer para ela.
Uma sombra passou pelo rosto de Jeannie, enquanto ela percorria um dedo pela moldura. Em seguida, ela colocou o porta-retrato dentro da embalagem de papelão e devolveu-o.
— Obrigada, Kyle, mas não posso aceitar.
Kyle segurou o braço dela, obrigando-a a encará-lo.
— Por quê?
Jeannie não ofereceu resistência. Limitou-se a enfrentar o olhar dele, com igual determinação.
— Porque não gosto de dever nada para ninguém.
— Por todos os santos, é só uma foto, não um diamante!
— Mas ainda haverá uma dívida implícita, se eu aceitar.
— É por causa do que aconteceu, não é? Em Westfield Inn?
— Não. — Jeannie desviou o olhar, finalmente desvencilhando-se. — Simplesmente, não aceito presentes de um homem, a não ser que haja algo sério entre nós. Quanto ao que... aconteceu... — Ela deu de ombros e começou a atravessar a rua. — Foi um simples beijo. Nada de mais. Vamos atribuir a... como foi, mesmo, que você disse? Ao luar e a Vivaldi.
Kyle seguiu-a, com o porta-retrato na mão.
— Só porque você quer!
— Ah! E o que foi, então? — perguntou Jeannie, por sobre o ombro. — Curiosidade? Atração, desejo? Tudo bem. Concordo. Até assumo parte da culpa.
Jeannie entrou na garagem e começou a guardar as ferramentas.
— Por mais que tenha sido bom, foi uma coisa de mo­mento — acrescentou.
— Bom? E assim que você descreveria?
— Está certo, muito bom. Mas acabou.
— Então, por que não tem coragem de olhar para mim? Jeannie empertigou-se e enfrentou o olhar de Kyle.
— Pronto, estou olhando. Satisfeito?
— Não. — Kyle deu um passo à frente. Também não entendi direito o que aconteceu, Jeannie. Só sei que passei o fim de semana inteiro pensando em você. E confesso que gostaria de continuar do ponto em que paramos. Mas tam­bém sei que não posso fazer isso. Não, enquanto aquela aposta estiver de pé.
Depois de uma pequena pausa, ele falou:
— Eu fiz mal em beijá-la, Jeannie. Dou-lhe a minha pa­lavra, não tornará a acontecer.
Jeannie deu um passo para trás, reprimindo o protesto que, inesperadamente, lhe aflorara aos lábios. O poder que Kyle exercia sobre ela era devastador. Não era justo... Ne­nhum homem deveria ter o direito de despertar emoções tão intensas em uma mulher!
Ela se virou e tirou um balde da prateleira.
— Ainda bem que estamos começando a nos entender. Isso facilitará as coisas, quando nos tornarmos sócios. Agora, se me der licença, tenho um carro para lavar. — Jeannie gesticulou com a cabeça na direção do porta-retrato, ao passar por Kyle. — É melhor você guardar isso, para não empoeirar.
— Então, fique com ele.
— Não posso.
— Por quê, porque estou lhe dando de presente?
— Sim.
— Considere como um oferecimento, então. — Kyle es­tendeu o porta-retrato para ela e falou, com voz teatral: — Jeannie Renamo, os diretores e funcionários da editora da revista Aspects têm o prazer de presenteá-la com esta pequena prova de reconhecimento pelo excelente trabalho que você tem realizado. — Ele baixou o tom de voz. — Sem compromisso. Hum?
Os lábios de Jeannie se curvaram, fechados, num sorriso relutante. Como era possível alguém ser tão irritante e ao mesmo tempo tão afetuoso? A resposta que ela queria dar era "não". "Não" resolveria tudo. Mas soaria mal, principal­mente naquele momento, quando começavam a se entender.
Jeannie se inclinou para um lado e largou o balde no chão.
— Está bem, eu aceito. Mas só porque me encantei com ela. — Ela abraçou o porta-retrato e atravessou o gramado correndo, parando na varanda para virar-se para trás. — Obrigada, Kyle. Nos vemos amanhã, no escritório.               
Na sala de estar, Jeannie ajoelhou-se ao lado da me­sinha de canto e colocou em seu centro o porta-retrato, perguntando-se como era possível que duas pessoas que nunca concordavam em nada se sentissem atraídas pelo mesmo rosto.
— Se você consegue superar, eu também consigo, Kyle Hunter — Jeannie falou em voz alta, e pôs-se de pé. — Talvez, até melhor que você.
Enquanto se dirigia para a porta, ela avistou o recado de Elliot, ao lado do telefone. Após uma breve hesitação, tirou o fone do gancho e digitou os números. No quarto toque, uma secretária eletrônica respondeu, prometendo que Elliot ligaria se ela deixasse o nome e o número do telefone.
Quando Jeannie terminou de falar, piscou um olho para Victoria e desligou. Magda tinha razão: Kyle não era tão mau assim. E ela estava no meio da escada da varanda quando se deparou com ele, as mangas arregaçadas e a mangueira na mão, jogando água no Corvette.
Jeannie pulou do terceiro degrau para o chão.
— Ei! O que está fazendo?
Kyle sorriu, por sobre a capota do carro.
— Você demorou tanto que decidi começar sem você. Te­nho de proteger meus interesses, não acha? — Ele gesticulou com a mangueira. — Pode me dar aquele frasco de xampu de automóveis?
Jeannie olhou na direção que ele apontava. Panos, flanelas, cera polidora, tudo cuidadosamente arrumado sobre a grama.
— Onde você pegou essas coisas?
— Na garagem. — Ele gesticulou mais uma vez para o frasco. — Xampu, por favor.
— Escute aqui, Kyle. Ninguém põe a mão nesse carro, além de mim, ouviu? Ninguém!
— Não se preocupe. Ele será meu, mesmo... Você tem outra esponja? Posso esfregar com a mão, mas...
Jeannie agarrou o frasco de xampu.
— Fique longe do meu carro!
Kyle contornou o Corvette, esguichando água e- puxando a mangueira atrás de si.
— Seu, agora. Mas quem pode prever o que vai acontecer? Jeannie seguiu-o ao redor do carro.
— Eu lhe mostrarei o que vai acontecer se você não sair de perto desse carro, já!
Kyle largou a mangueira e levantou as mãos.
— Tudo bem, você venceu, mas bem que poderia me deixar ajudar. Não só terminaria mais rápido, mas também, independentemente do resultado da aposta, acho que deve­ríamos começar a nos conhecer melhor, daqui por diante. Como amigos — apressou-se a acrescentar.
Jeannie bateu o frasco de xampu contra a perna, pensa­tiva. Kyle tinha razão. Como ela poderia continuar a tra­balhar com ele, ou esperar que se tornassem sócios, se não agüentava passar uma hora perto dele?
— Tudo bem, pode ajudar. — Ela jogou o frasco para Kyle. — Mas terá de ser do meu jeito. Lembre-se disso!


CAPÍTULO VI

O maitre inclinou a cabeça, respeitosamente, agenda e caneta de ouro a postos.
— Boa noite... Boa noite... — cumprimentou, quando Jeannie e Elliot se aproximaram. — Sejam bem-vindos ao La Scala. Têm alguma reserva?
— Temos várias — disse Eliot, sério. — Mas viemos, assim mesmo. Elliot Daniels, oito horas.
Jeannie reprimiu um sorriso, enquanto o maitre riscava o nome da lista.
— Bom humor é o que esta cidade precisa — comentou ele, tirando dois cardápios da pilha. — Queiram seguir-me, por gentileza.
— Ele leva o trabalho a sério, não? — observou Elliot, abrindo o cardápio, depois de sentar-se.
— E a si próprio, também — concordou Jeannie. — Mas, pelo que me disseram, a qualidade da comida compensa.
Elliot levantou os olhos para ela.
— Estar aqui com você compensa.
Jeannie sorriu, ciente de que não era falsa bajulação ou estratégia de ataque. Nos últimos dias, ela e Elliot haviam conversado pelo telefone o suficiente para que ela soubesse que sua primeira impressão fora correta. Elliot era um homem inteligente, afável, com um senso de humor sutil e refinado.
O coração de Jeannie não palpitava quando Elliot se en­contrava por perto e seu sangue não se aquecia ao menor toque das mãos dele, mas ele a fazia sentir-se descontraída e à vontade, o que era uma grande coisa.
Com Kyle em Nova York por três dias, Jeannie conseguira recuperar sua perspectiva. Escrevera outra coluna, voltara a dormir bem. Ter o homem errado alojado no coração não era, de fato, um problema; ela só precisava encontrar o homem certo para substituí-lo, e logo.
— Boa noite — cumprimentou o garçom, enquanto acen­dia as velas. — Gostaria de ver a carta de vinhos, senhor?
Enquanto Elliot escolhia o vinho, Jeannie inspecionou a cestinha de pães que o garçom colocara à sua frente, quen­tes, crocantes, com um forte aroma de alho torrado.
— Hum, o cheiro está delicioso! — Ela estendeu a cestinha para Elliot. — Quer um?
— Não, obrigado.
—Admiro sua força de vontade, sabia? Eu não tenho nenhuma. As linhas finas nos cantos dos olhos de Elliot se apro­fundaram, quando ele sorriu.
— É hábito, acredite. O resultado de anos e anos vivendo ao lado de uma nutricionista.
Jeannie recostou-se na cadeira. Pronto! De novo. A mes­ma expressão que ele assumia cada vez que o assunto con­vergia para a esposa; não raiva, nem amargura, como a maioria dos homens separados que ela conhecera, mas sim um ar de desamparo, uma expressão desnorteada, perdida. O que era uma pena, pois se havia um homem que não merecia isso, era Elliot Daniels.
O garçom serviu o vinho e, depois que ele se afastou, Elliot esticou um braço para a cesta de pães.
— Mas está na hora de começar a mudar os velhos hábitos, não acha? — Ele pegou um pãozinho e ergueu o copo. — Aos novos hábitos!
Jeannie brindou com ele. A chance de dar certo com Elliot Daniels era grande, mas havia o problema da esposa.
Ela tomou um gole e observou-o devorar o pãozinho de alho, pensativa. Qual seria a proporção daquele ressentimento?, perguntou-se. Quanto tempo ele levaria para superar? Esse era o ponto crucial: tempo. Algo que Jeannie não podia perder.
Decidindo que o caminho mais rápido era a abordagem direta, ela deixou o copo de lado, apoiou os cotovelos na mesa e o queixo nas mãos.
— E então, Elliot? — falou jovialmente. — Quando pensa em se divorciar?

Kyle largou a pasta no chão do closet e ajeitou o paletó no encosto de uma cadeira. Três dias, quinze entrevistas e uma violenta dor de cabeça, e ele ainda não conseguira encontrar um bom candidato para o cargo de Marcus. Se continuasse assim, ele não sairia de Chicago antes do Natal, um pensamento que só fazia sua cabeça latejar ainda mais.
Dirigindo-se para a cozinha, ele abriu a geladeira. Ainda sobrara uma cerveja... graças aos bons santos do céu! Não seria má idéia comer alguma coisa também, mas Kyle de­cidiu relaxar por alguns minutos, primeiro.
Ele afundou no sofá de couro macio, na sala, e ligou a televisão, percorrendo os canais com o controle remoto, à procura de alguma coisa leve e interessante. Pensara de­mais, nos últimos três dias. No barco, na viagem, nas en­trevistas. E, do nada, sempre surgia Jeannie.
Por quê?, perguntava-se, confuso. Justamente em uma ocasião em que ele já tinha problemas que lhe bastassem. E por que ela?
Exausto, Kyle desligou a televisão e levantou-se, só então reparando na luz acesa na secretária eletrônica.
Dando um passo à frente, ele pressionou a tecla "play".
"Olá, Kyle..."
A voz de LeeAnne, doce como mel.
"Faz tanto tempo que você não telefona..."
Kyle visualizou-a, os olhos semicerrados, a expressão amuada, porém pronta para perdoar-lhe. Ele se sentou no braço do sofá. Por que não era LeeAnne quem ocupava seus pensamentos?
"Estarei em casa, o dia todo. Ligue, está bem?"
Kyle suspirou. Ligar, para quê? Ele tomou o que restava da cerveja, enquanto ouvia os recados.
"Kyle, Matt. Más notícias. Brian não pode ir velejar conosco, mas meu primo Jack pode substituí-lo. Avise-me, se não tiver nada contra."
Kyle esfregou o rosto com uma mão. Que escolha tinha?
Uma tripulação de dois nunca ganharia a corrida. O recado seguinte começou.
"Kyle?"
Ele reconheceu a voz de Elliot.
"Quero que seja o primeiro a saber. Resolvi seguir seu conselho."
Aquilo era novidade. Elliot raramente seguia os conselhos de alguém.
"Tenho um encontro, hoje à noite, com uma garota."
Kyle inclinou-se para a frente. Era bom ouvir aquele tom animado, outra vez, na voz de Elliot. Mas quem seria a felizarda?
"Ela é inteligente, bonita e, melhor de tudo, é uma pessoa que você conhece."
Kyle sorriu, curioso.
"Fazia tempo que eu não aguardava com tanta ansiedade um encontro."
— Diga logo quem é, rapaz!
"E acredito que Jeannie, também."
O copo vazio escapou da mão de Kyle para o tapete. Jeannie'?
"Nos conhecemos quando eu estava saindo da Feira de Antiguidades. Tenho conversado com ela, pelo telefone, e hoje vamos sair para jantar."
Elliot continuou falando, porém Kyle não ouvia mais nada, além do zumbido dentro de sua cabeça. Ele só conhecia uma Jeannie.
"Obrigado pela força, Kyle. Depois, conto como foi."
— Mal posso esperar — murmurou Kyle, pressionando a tecla "rewind" e voltando para a cozinha.
De pé, diante da geladeira aberta, ele contemplou as prateleiras, com o olhar perdido. Em seguida, fechou a porta. Jeannie não fizera nenhum comentário a respeito de Elliot. E por que faria, afinal? Ele era o adversário, não era? Mas, se ela acreditava que Elliot era o passaporte para a vitória, estava seriamente enganada.
Elliot estava acostumado com uma mulher quieta, pas­siva, que não fazia exigências. Kyle não tinha dúvidas: de­finitivamente, Jeannie não era o tipo de Elliot. Elliot podia estar carente e vulnerável, mas não demoraria a descobrir que Jeannie não era a mulher certa.
Kyle olhou por sobre o ombro para a secretária eletrônica. Como amigo de Elliot, tinha o dever de preveni-lo, antes que Jeannie o envolvesse de tal maneira que ele perdesse todo o bom senso e quisesse subir ao altar, pela segunda vez.
Que mulher impossível! Com tantos homens na cidade, ela tinha de escolher justamente Elliot? Verdade que seria apenas o primeiro encontro. O que podia acontecer em um primeiro encontro? Um drinque, uma boa conversa... um beijo de boa-noite...
Kyle gemeu. Elliot não estava preparado para isso. Ti­rando o receptor do gancho, ele digitou um número.
Ela atendeu ao primeiro toque, a voz baixa e sensual.
— Sentiu minha falta, benzinho? Kyle sorriu.
— Não, exatamente, Magda, mas preciso de sua ajuda.
— Kyle? — A voz dela subiu uma oitava. — Por que está me telefonando?
— Quero saber onde está Jeannie Renamo. Você prome­teu me manter informado. Ela está com meu melhor amigo, e quero saber como isso foi acontecer!
— Eu juro que tentei impedir. Mas você conhece Jeannie. E como!
— Aonde eles foram?
— Não sei, Kyle... Ela me pediu para recomendar alguns restaurantes, e eu disse que o La Scala tem a melhor massa da cidade, mas que se ela quisesse experimentar uma so­bremesa divina, o Julie's...
— Magda...
— Sim?
— Boa noite.
Menos de meia hora mais tarde, Kyle vasculhava o recinto do restaurante por sobre o ombro do maitre, esperando di­visar o casal a quem procurava.
— Vim encontrar uns amigos. A reserva deve estar no nome de Daniels, ou Renamo.
— Daniels? — O maítre apontou para a mesa. — Ali.
Kyle observou-os de onde estava, por um momento. Era pior do que ele esperara. Com os olhares colados, eles se­guravam os copos no ar, em um brinde, e Elliot sorria feito um idiota, como no dia em que se casara com Yvonne. Kyle só esperava que não fosse tarde demais.
— Elliot.
— Kyle? — Elliot levantou-se quando Kyle se aproxi­mou, porém Jeannie permaneceu colada à cadeira, a ex­pressão contrariada.
— Mas que coincidência encontrá-los aqui! — exclamou Kyle, olhando de um para outro. — Já faz algum tempo que estou para vir a este restaurante, para conhecer. Dizem que tem a melhor massa da cidade. Achei que hoje seria, um bom dia e... vejam só! — Ele se virou para Jeannie. — E como vai você?
— Bem. — Ela cruzou os braços e recostou-se.
Kyle puxou uma cadeira da mesa ao lado, sorridente, tocando o joelho de Jeannie com o seu, ao sentar-se.
Ela não tinha certeza se o gesto fora intencional ou não, mas, decidindo que era melhor que não se repetisse, afastou as pernas para um lado, sob a mesa.
— Mas que agradável, só nós três! Sobrou algum vinho, nesta garrafa?
— Pode ficar com o meu. — Jeannie empurrou o copo para ele. — Já tomei o suficiente.
Kyle sentiu o perfume de Jeannie, quando ela se inclinou em sua direção, e respirou profundamente, deslumbrado.
— Obrigado, Jeannie — murmurou, levantando a garrafa para completar o conteúdo do copo.
— Ouviu meu recado? — quis saber Elliot.
— Recado? — Kyle olhou para ele, com ar inocente.
— Em sua secretária. Não falei com você sobre Jeannie, antes, porque não tinha certeza de como as coisas evolui­riam. Mas, já que está aqui, quero agradecer por ter me mostrado Jeannie, no dia do baile. Se não fosse por você, nunca teríamos nos conhecido.
— Não sei... — retrucou Kyle, o olhar fixo em Jeannie, ali sentada, serena e altiva, como se Elliot já fosse propriedade sua. Em seguida, voltou a atenção para o homem a quem fora ali para proteger. — Quer dizer que vocês já tiveram oportunidade de conversar. De se conhecerem melhor.
— Não, realmente — admitiu Elliot. — Aliás, o assunto girou em torno de mim, mais do que qualquer outra coisa.
— Então, suponho que Jeannie não tenha lhe contado seus planos para o futuro. — Kyle olhou para Jeannie, en­quanto tomava um gole de vinho. Ela não se moveu, nem mesmo piscou. Ela era melhor do que ele imaginara; ou pior... Kyle não tinha certeza.
Elliot sorriu para Jeannie.
— Na verdade, falamos sobre o futuro, sim.
— Ah! E esse futuro, por acaso, inclui casamento?
— Espero que sim — respondeu Elliot, com o olhar bri­lhante. — Mas só saberei, com certeza, amanhã.
— Amanhã?
— Sim. Quando terei uma resposta.
— Elliot, escute... Você não... sabe do que há por detrás disso...
— Um coração de ouro, eu diria. É raro um homem en­contrar uma mulher como Jeannie.
— Bem, nesse ponto, você tem razão.
— Quantas mulheres você conhece que insistiriam com um homem para que ele procurasse a esposa e fizesse uma última tentativa?
Kyle olhou para Jeannie. Ela não disse nada, porém as palavras de Elliot pairavam no ar, entre ambos. Ele olhou de volta para o amigo.
— O que está dizendo?
— Que Jeannie me convenceu a dar mais uma chance ao meu casamento. Vou para Montreal, ainda esta noite. Terei uma conversa séria com Yvonne. Se ela me disser, olhando em meus olhos, que está acabado, eu aceitarei, de uma vez por todas. Mas se eu perceber a menor hesitação, lutarei para tê-la de volta. — Elliot consultou o relógio. — Aliás, preciso ir andando. Tenho de pegar o avião, e ainda preciso levar Jeannie para casa.
— Não há tempo para isso — disse Jeannie. — Vá, e não se preocupe comigo.
— Jeannie tem razão — interveio Kyle. — Você não pode se arriscar a perder o avião.
Ele não tinha certeza dos motivos de Jeannie para dizer aquilo, mas quanto antes Elliot fosse para Montreal, melhor.
— Eu a levarei para casa — prontificou-se. Jeannie levantou-se e abraçou Elliot.
— Promete que vai me contar como foi?
Se Kyle não os conhecesse, seria capaz de jurar que eram velhos amigos. O afeto entre ambos parecia genuíno e espontâneo.
— Deixe que eu cuidarei da conta, quando sair — disse Elliot. — Telefono quando voltar.
Kyle limitou-se a assentir, em silêncio, enquanto o amigo se afastava.
Jeannie pegou a bolsa e vestiu o casaco.
— Você ouviu o recado dele, não ouviu? — perguntou, sem olhar para Kyle.
— Sim. Ouvi.
— E veio protegê-lo. — Ela o olhou de relance, com uma expressão triste que Kyle só podia atribuir à partida de Elliot. — Espero que não tenha ficado muito desapontado.
— Jeannie...
— Você ainda não entendeu, não é, Kyle? Não estou nisso só para ganhar. Eu lhe disse, quero ter uma família, um dia. Encontrar o homem certo com quem compartilhar esse sonho será a verdadeira recompensa. Ter sociedade na re­vista será simplesmente um bônus.
Jeannie já estava na porta, quando Kyle a alcançou. Do lado de fora do restaurante, ele a segurou pelo braço.
— Eu lhe devo um pedido de desculpas, Jeannie.
— Certamente. — Ela levantou a mão para chamar um táxi.
— Eu quero levar você. — Kyle segurou a mão dela e conduziu-a ao longo da calçada.
— Pare, Kyle! — gritou Jeannie, quase tropeçando, atrás dele. — Você tem idéia de como eu detesto quando você faz esse tipo de coisa?
— Tenho certeza de que você me fará saber.
— Detesto tanto, que tenho vontade de gritar! E de socar seu nariz com tanta força que suas orelhas saiam do lugar!
No segundo seguinte, sem saber como, Jeannie estava na entrada escura de uma loja fechada, encurralada entre os braços de Kyle e a porta de vidro.
— Então, faça isso — murmurou ele, ameaçador. — Grite! Bata em mim! Mas faça alguma coisa, porque se você não fizer, eu farei! Não agüento mais, Jeannie!
Jeannie sentia o calor do corpo dele através do tecido fino de seu vestido, num contraste agudo com o vidro frio, em suas costas. Ela estremeceu quando ele chegou mais perto, encostando o peito ao dela cada vez que respirava.
— Quando eu soube que você e Elliot sairiam juntos, hoje, eu quis acreditar no pior porque era mais fácil para mim. Você é tudo o que eu nunca quis em uma mulher, e não consigo tirá-la de minha cabeça, dia e noite, a cada minuto, a cada segundo! E tenho certeza de que você sente a mesma coisa!
— Está enganado, Kyle. Não sinto nada disso — pro­testou Jeannie.
— Não? — Mãos firmes e ásperas acariciaram o rosto de Jeannie com tanta delicadeza que ela sentiu vontade de chorar de emoção. Os dedos de Kyle se detiveram na nunca de Jeannie, inclinando-lhe a cabeça para trás, porém ele não a beijou. — Seu corpo diz o contrário.
— Não dê atenção — sussurrou ela, com voz fraca.
— Tarde demais... Eu já vi... já senti. Como quer que eu esqueça?
— Assim! — Jeannie o empurrou com força e saiu cor­rendo pela calçada, acenando o braço para um táxi que se aproximava, rezando para que não estivesse ocupado.
Kyle agarrou-a, claro, e obrigou-a a virar-se, fitando-a intensamente, com ar de indagação. Mas o táxi estava es­perando, e daquela vez Jeannie não se deixaria confundir.
Com Kyle, ela sentia demais, queria demais e, eventual­mente, daria demais. Não sobraria nada para si mesma.
— Deixe-me levá-la para casa — insistiu ele. — É o mí­nimo que posso fazer.
— Não, Kyle. — Jeannie abriu a porta do táxi e entrou. — O mínimo que você pode fazer é me deixar em paz.


CAPITULO VII

— Psiu... Ei! Tenho uma coisa para lhe mostrar. Acho que você vai gostar. Jeannie virou-se na direção do sussurro. Magda estava pa­rada no vão da porta, as pernas separadas, e segurando as abas de uma volumosa jaqueta cor-de-rosa à frente do peito. Jeannie sorriu.
— Tenho até medo de ver, mas tudo bem. O que é? Magda abriu a jaqueta com um floreio.
Tchã, tchã, tchã, tchããã!!! — Gravadas na frente de uma camiseta azul-turquesa, em gigantescas letras brancas, estavam as palavras: Que amor, que nada! Ele é rico e quero me casar com ele.
Que tal?
Jeannie recostou-se, boquiaberta.
— Vou querer uma.
— E quem é que conhece você melhor do que eu? — Magda enfiou a mão em um dos bolsos da jaqueta, retirou de dentro uma segunda camiseta, cor de abóbora, com a mesma inscrição, e jogou-a no colo de Jeannie.
— Pelo que vejo, se Victoria continuar no ritmo em que está, em pouco tempo estas fofuras valerão uma fortuna.
— Esperemos que sim! — Jeannie levantou-se, enfiou a camiseta pela cabeça e esticou-a sobre a calça. — Que tal?
— Fabuloso! — Magda sentou-se na cadeira de Jeannie. — E então, o que Victoria está tramando para esta semana?
— Ela chegou na minha parte favorita. "Adquirindo Há­bitos Dispendiosos".
— Ah, é? — Magda voltou o texto, no monitor de Jeannie, e examinou a lista de itens. — Caviar. Você esqueceu o caviar.
— Não esqueci. É que detesto caviar, por isso o deixei de fora.
— Não pode! Comer caviar é o hábito dispendioso mais importante. Tanto quanto conhecer vinhos e montar a cavalo.
— Não, cavalos, não!
Magda revirou os olhos e balançou a cabeça.
— E então, agora que Elliot viajou, o que está plane­jando fazer?
— Terminar a coluna e devastar seu arquivo de even­tos sociais.
Jeannie consultou o relógio. Com um pouco de sorte, con­seguiria fazer ambas as coisas e ir embora antes que Kyle concluísse as entrevistas daquela manhã. Assim, não seria obrigada a vê-lo.
— Temos a inauguração de uma galeria de arte, esta semana — anunciou Magda. — Mas não sei se serviria para Victoria.
— Vale a pena tentar tudo. Desde que não haja ligação com LeeAnne Alexander ou qualquer outra pessoa que Kyle conheça. Eu lhe contei que ele apareceu no restaurante?
— Sim.
— É incrível como ele sempre consegue aparecer nas horas erradas! Não que haja uma hora certa para Kyle aparecer. — Jeannie começou a andar de um lado para outro. — Que homem impossível!
— Concordo. E o que aconteceu, depois que Elliot foi embora, para o aeroporto?
Jeannie começou a arrumar os papéis sobre a mesa.
— Fui para casa.
— Sozinha?
— Sim.
Magda retorceu os lábios.
— Admira-me que Kyle não tenha se oferecido para levar você.
— Ele se ofereceu, mas eu recusei.
— Por quê?
— Porque eu não queria que ele me levasse.
— Ou, talvez, porque você quisesse demais.
— Vamos mudar de assunto, Magda? Eu já disse, Kyle está fora da lista.
Magda suspirou, resignada, e levantou-se.
— Tudo bem, tudo bem! Eu já vou indo. Quando quiser, passe por lá para dar uma olhada no arquivo de eventos. Ficarei no escritório até às cinco.
Depois que Magda saiu, Jeannie releu a lista uma última vez, digitou "caviar" e salvou o texto.
— Mas cavalos, não — murmurou, retirando o disquete do drive.
Jeannie estava a poucos passos da sala de Kyle, quando avistou Magda correndo em sua direção. Ela parou, surpre­sa. Magda afobada era algo raro de se ver.
— Venha comigo — disse ela, apoiando uma mão na parede, enquanto recuperava o fôlego.
Jeannie mostrou o disquete.
— Só vou entregar isto.
— Não, deixe para depois. Você precisa vir, antes que ele vá embora.
Intrigada, Jeannie guardou o disquete no bolso.
— Quem?
— Stuart Singleton. — Magda fez um sinal para que Jeannie a seguisse e voltou para a recepção, apressada. — Reconhece o nome?
— Claro! Dono de companhia aérea, da empresa de fibra ótica...
— Isso mesmo! E é ele quem administra a Fundação Big River, que os pais começaram anos atrás.
— Ah...
— Ninguém promove mais eventos beneficentes do que ele, por isso está a caminho de ser considerado o mais no­tável filantropo do país.
— O que ele está fazendo aqui?
— Não sei, ainda não falei com ele. Vim correndo chamar você, primeiro. O homem é milionário, Jeannie! — Ao chegar no fim do corredor, Magda virou-se para a amiga. — Não se esqueça de mostrar um sorriso bem charmoso... e tire essa camiseta, por todos os santos!
Jeannie mordeu o lábio, sobressaltada, e arrancou rapi­damente a camiseta, escondendo-a atrás de um vaso de samambaias.
O homem encostado ao balcão virou-se. Trajava calça e camisa jeans com as mangas arregaçadas, revelando braços fortes e bronzeados. Os cabelos castanho-escuros lisos pen­teados para trás deixavam à mostra um rosto fino, onde se destacavam olhos escuros e atentos.
Ele olhou para Magda e Jeannie, por um momento, e em seguida desmanchou-se num sorriso. A transformação foi de tirar o fôlego. A expressão sisuda de apenas um ins­tante antes tornou-se simpática e afável.
— Magda! — exclamou ele, num tom de voz ligeira­mente rouco.
Jeannie esperou, enquanto os dois se abraçavam, já sen­tindo a mente aberta e o pensamento positivo. Ela alargou o sorriso, quando Magda os apresentou.
— Stuart, esta é uma de nossas escritoras, Jeannie Renamo. Jeannie, Stuart Singleton.
Jeannie estendeu a mão.
— É um prazer conhecê-lo.
— Será que já li algum artigo seu, na revista? — per­guntou ele, o olhar fixo em Jeannie.
— Espero que não! — Magda riu, divertida. — Stuart, importa-se se Jeannie ficar conosco? Ela está fazendo uma pesquisa sobre organizações filantrópicas, e nossa conversa poderia ajudar.
— Por favor, será um prazer!
— Ótimo! — exclamou Magda, entrelaçando o braço no dele e conduzindo-o para a sala de reuniões.
— Agora, me diga que você não fez nenhuma arte para me deixar com o coração partido — continuou Magda, fingindo-se ressentida. — Como casar-se, por exemplo.
— Não tenho tempo para pensar nisso. — O olhar escuro de Stuart deteve-se em Jeannie, quando os três se sentaram. — Mas sempre há a possibilidade de as coisas mudarem.
Magda lançou um olhar tão significativo para Jeannie, que ela teve medo que Stuart percebesse.
— Magda me disse que você é um dos filantropos mais notáveis do país — apressou-se ela a dizer. — Um... Madre Teresa de... jeans.
Stuart riu, entre divertido e embaraçado.
— Magda tem a mania de me pôr no pedestal. Eu faço o que posso, só isso.
— Não é verdade — protestou Magda, olhando para Jean­nie. — Este homem já realizou mais eventos beneficentes do que qualquer outra pessoa que conheço.
— Mas desta vez estou trabalhando um pouco mais perto de casa — disse Stuart, com ar solene. — E é por isso que vim falar com você. Há um centro de reabilitação de jovens, no Alasca, que está com falta de recursos, e estou promo­vendo um evento em prol dessa instituição.
— Um baile de gala no gelo? — perguntou Jeannie. Stuart riu, baixinho.
— Na verdade, minha preferência é por coisas mais simples — explicou ele. — Estou programando um retiro na fazenda.
— Fazenda?
— Sim — interveio Magda. — Com cavalos, e coisas assim.
— Temos alguns cavalos, mas nosso forte são os novi­lhos Montana. Haverá muito lazer, boa comida e boa com­panhia, também.
— Parece que será divertido.
— Bem, nem tudo será diversão. Teremos palestras e debates com especialistas e pesquisadores sobre dependên­cia de drogas. Será uma oportunidade de aprender, para aqueles que estiverem interessados, claro.
Jeannie arqueou as sobrancelhas, seu próprio interesse despertado.
— Nunca ouvi falar de algo parecido.
— E porque gosto de fazer as coisas discretamente. — Stuart sorriu para Magda. — Se tudo correr bem, será qual­quer coisa como o Fim de Semana na Floresta Tropical, que promovemos, anos atrás, lembra-se?
— E como eu poderia esquecer? Meu vizinho de mesa foi um bicho-preguiça de três dedos, o tempo inteiro querendo deitar a cabeça em meu colo. Ou foi o senador?... Não sei, sempre confundo os dois. Stuart soltou uma gargalhada.
— Prometo que, desta vez, não haverá animais. Nem políticos, nem de qualquer outra espécie, a não ser nos cur­rais. Apenas amigos e pessoas interessadas. E é por isso que estou aqui. Preciso de sua ajuda.
— Diga.
— Vou precisar de uma discreta cobertura da imprensa, depois que o evento terminar. Não quero publicidade prévia, nem fotografias não autorizadas. Sempre pude contar com você, Magda, e espero poder, agora, também.
— Quando será?
— No próximo fim de semana. De sexta a domingo. Sei que estou avisando em cima da hora, mas só há poucos dias tivemos a confirmação.
Magda recostou-se na cadeira, a expressão consternada.
— Oh, Stuart, já tenho um compromisso! Lamento tanto, mas... — O olhar dela se iluminou, como se a idéia tivesse lhe ocorrido naquele instante. — Talvez Jeannie possa ir!
Ela olhou para Jeannie, que baixou o olhar e sorriu.
— Seria uma honra.
— Maravilha! — exclamou Stuart, com seu timbre de voz grave. — Providenciarei transporte para você.
— Não quero dar trabalho.
— Não será trabalho algum. Só preciso do número de seu telefone.
Eles pararam na sala de Jeannie, a caminho do elevador, e ela entregou a Stuart um cartão de visita.
— Será um prazer revê-la — disse ele, fitando-a com evidente admiração, porém de uma maneira franca e direta.
Uma qualidade rara, Jeannie reconhecia.
— Para mim, também — respondeu ela, com sinceridade. Stuart era inteligente, dedicado à causa na qual acreditava, e livre. O tipo de homem que ela sempre quisera conhecer. O fato de ser milionário só o tornava um partido ainda mais conveniente, naquele momento.
A porta do elevador abriu e Stuart segurou-a; enquanto um entregador com expressão de enfado saía em direção à recepção, carregando uma nuvem de balões de gás verme­lhos, verdes, azuis, amarelos e brancos. Stuart sorriu e entrou no elevador.
— Vejo você daqui a uma semana.
— E aí, que tal? — perguntou Magda, depois que a porta do elevador se fechou.
— Acho que terei de acrescentar cavalos à minha lista — disse Jeannie.
— Jeannie Renamo? — chamou o entregador.
— Sou eu...
— O rapaz encaixou o nó de cordões na mão dela.
— Pode assinar aqui, por favor? — pediu ele, estendendo um pequeno envelope quadrado.
Magda espiou por sobre o ombro de Jeannie, enquanto esta abria o envelope e tirava um cartão branco com uma única linha escrita: "As dúvidas acabaram. Obrigado, Yvonne e Elliot".
Jeannie sorriu e guardou o cartão dentro do envelope, com os olhos marejados de lágrimas.
— Eu tinha razão.
— Que maravilha! — Magda bateu palmas. — Mas o importante, agora, é armar uma estratégia. Quer almoçar no Asti's?
— Sim. — Jeannie engoliu em seco. — Só vou deixar isto no escritório.
— Eu levo para você — ofereceu-se Kyle.
Jeannie virou-se, tentando disfarçar o sobressalto, con­trariada porque o som da voz dele fazia seu coração disparar. Kyle se aproximou, o olhar azul firme e indecifrável.
Jeannie olhou para ele e, como sempre, não pôde deixar de sorrir, ao contemplar aquelas covinhas.
A boca de Kyle estava longe de ser perfeita, refletiu ela. Os lábios eram finos demais, e a expressão normalmente séria fazia com que os cantos se curvassem para baixo. Mas Jeannie sabia do que aquela boca era capaz! E era justa­mente esse o problema, pensou ela. A atração inexplicável que sentia cada vez que estava perto de Kyle. A única so­lução seria manter distância, e um lugar como uma fazenda, naquele momento, vinha a calhar.
— Estou feliz por Elliot e Yvonne — disse Kyle. — A ocasião é que não foi propícia, para mim. Elliot decidiu ficar mais alguns dias em Montreal, e eu precisaria dele na cor­rida, na próxima semana.
— Corrida?
— A corrida de veleiros, em Bristol Harbor. Começa na segunda-feira e se prolonga até o fim de semana. Não é a Copa da América, mas é divertido. Com uma tripulação adequada, teríamos uma boa chance de ganhar.
— E agora, o que pretende fazer? Kyle deu de ombros.
— Não sei, darei um jeito. Em último caso, irei com um homem a menos. — Ele gesticulou na direção dos balões.
— É melhor você me dar isso, se quer encontrar uma mesa no Asti's.
Kyle segurou os cordões.
— Quero falar com você, quando voltar do almoço.
— Não pretendo voltar — Jeannie apressou-se a dizer.
— Tenho planos para esta tarde. Preciso fazer pesquisa.
— Só quero trocar uma idéia com você. Mas podemos conversar numa outra hora, por telefone.
Jeannie viu-o afastar-se, esperando sentir a onda de alívio que deveria invadi-la por ter conseguido se livrar de Kyle pelo resto do dia. O único sentimento que a aco­meteu, porém, foi um aperto no coração, um vazio que ela não sabia explicar.
— Que pena, essa história do barco — sussurrou Magda.
— Espero que ele encontre alguém — murmurou Jeannie, distraidamente.
— Talvez LeeAnne.
— Será?
— Ouvi dizer que ela gosta de velejar. E Kyle não precisa de uma pessoa muito experiente, seja tem outros ajudantes. Desde que ele arrume alguém com destreza, e que saiba puxar uma corda...
— Se está insinuando que eu me junte à tripulação, es­queça. Kyle não sugeriu, e eu não vou me oferecer.
— É uma pena, porque, se não por outro motivo, a Se­mana da Corrida é a ocasião perfeita para conhecer homens ricos, de ponta a ponta do litoral. Uma oportunidade de ouro, eu diria. Aposto que Victoria não perderia, por nada.
— Victoria estará ocupada, aprendendo a cavalgar e a cuidar do gado — retrucou Jeannie. — Não terá tempo para pensar em corridas de veleiros.
Magda chamou o elevador.
— Está bem, desisto. Vamos almoçar?
— Preciso pegar minha bolsa — disse Jeannie, correndo em direção a seu cubículo. — Só um segundo!
A secretária de Kyle, Trish, uma mulher de meia-idade loira e miúda que ele herdara de Marcus, sorriu quando Jeannie passou.
— Como vai a busca?
— Bem — mentiu Jeannie. — Devo anunciar o noivado em poucos dias.
— Assim espero! — exclamou Trish, exultante. —Victoria Boulderbottom é o assunto do momento. Em todo lugar, ouço comentários. No clube, no ponto de ônibus, no salão de cabeleireiro... Ela não pode decepcionar o público.
— E alguma vez ela decepcionou? — Jeannie tirou o disquete do bolso. — Por falar nisso, pode entregar isto para Kyle? É a próxima coluna.
— Claro. — Trish pegou o disquete com avidez. — Posso dar uma olhada, antes? Estou morrendo de curiosidade para saber o que vai acontecer.
— Desde que chegue às mãos de Kyle, tudo bem — con­cordou Jeannie.
Depois de pegar a bolsa, ela voltou para o corredor, em direção ao hall. Trish ergueu os dois polegares, quando ela passou.
— Ah, esqueci de lhe dizer — chamou ela. — Já que estou fazendo a triagem das cartas e telefonemas para Victoria...
Jeannie congelou.
— Triagem? — interrompeu ela. — Eu pensei que os telefonemas e a correspondência viessem para mim.
— E vão — garantiu Trish. — A recepcionista só passa por aqui, primeiro, para que eu faça um levantamento in­formal. Você sabe, quantos torcem para que Victoria encontre um homem rico, quantos querem que ela dê com os burros n'água... Esse tipo de coisa. Até agora, temos seis a um, a favor.
Jeannie esforçou-se para controlar o tom de voz.
— Que ótimo. E quem deu autorização para isso?
— Kyle, claro. Ele deve ter esquecido de lhe dizer. De qualquer forma, ele já providenciou para que seja publicada a pergunta, na próxima semana, com o número do telefone ao lado. As segundas-feiras, uma das linhas será destinada exclusivamente a atender esses recados.
— É mesmo? — murmurou Jeannie, com dificuldade para aparentar calma.
— E, sim — continuou Trish. — Kyle tem grandes planos para a sua coluna. Ele quer fazer propaganda em jornais, rádio, afixar cartazes...
Jeannie conseguiu esboçar um sorriso, embora a raiva a consumisse, por dentro.
Uma longa conversa sobre o assunto teria sido demais para esperar de Kyle, mas uma referência, pelo menos, ele poderia ter feito!
O telefone de Trish tocou, dois trinados curtos que in­dicavam uma chamada interna. Ela pressionou o botão de viva-voz.
— Trish Chamber.
A voz de Kyle ecoou no ar, seca e distante.
— Trish, o relatório semanal está pronto?
— Está, sim. Levo para você em um minuto.
— Pode deixar que eu levo — ofereceu-se Jeannie, depois que Trish desligou. — Só preciso de um favor seu. Ligue para a recepção e peça para avisar Magda de que vou de­morar mais um minuto.
— Pode deixar — assentiu Trish, tirando o receptor do gancho.
Jeannie não se deu ao trabalho de bater na porta, antes de entrar no escritório de Kyle.
— Quero falar com você.
Ele parou de escrever, enquanto Jeannie fechava a porta.
— Pensei que tivesse ido almoçar.
— Mudei de idéia — Ela deixou a bolsa e o relatório sobre a poltrona. — Acabei de saber que minhas cartas e telefonemas estão sendo triados por Trish, por ordem sua. E quero saber por que. — Jeannie avançou lentamente, reunindo forças pelo som da própria voz. — Também quero saber por que não fui consultada sobre o plano de explorar a série com cartazes, anúncios, e sei lá mais o quê. — Ela apoiou as mãos na escrivaninha. — Quero algumas respos­tas, Kyle, e quero-as agora.
Kyle lançou a ela um olhar gélido.
— Deixe-me lembrar apenas que você ainda não é minha sócia, Jeannie.
— Mas sou Victoria Boulderbottom — afirmou ela, com veemência. — E tenho o direito de saber o que se passa.
Depois de uma breve hesitação, Kyle empurrou uma pasta para ela, sobre a mesa.
— Aqui está tudo o que você precisa saber.
Por um momento, Jeannie ficou desconcertada, porém virou a pasta para si e abriu-a. Diante de seus olhos, encontravam-se páginas e páginas de anotações, um rascunho de uma campanha de publicidade para Victoria Boulder­bottom. Idéias para cartazes, jornais, rádio, tudo que Trish mencionara e muito mais. Aparentemente, no entanto, nada concreto havia sido feito ainda. A idéia estava em fase de planejamento.
Jeannie fechou a pasta e devolveu-a a Kyle.
— Você fez mal em não falar comigo sobre isso.
— Compreendo como se sente — disse Kyle, com ar in­diferente. — Mas, já que ficou sabendo, gostaria de ouvir sua opinião.
— Primeiro, acho que vai custar uma fortuna.
— O retorno compensará. Segundo minhas previsões, "O Casamento Ideal" atingirá o pico em cerca de seis semanas. Depois disso, Victoria deve perder um pouco o ritmo e a popularidade, a menos que esteja com o casamento marcado. Não temos muito tempo, mas a campanha foi planejada para conceder o tom mais dramático possível à busca de Victoria. Se tudo correr como espero, mais mulheres come­çarão a ler a revista por causa de Victoria e continuarão a ler depois que ela se for. O que acha?
Jeannie olhou para a pasta fechada, sobre a mesa.
— Acho que é uma idéia brilhante — admitiu Jeannie.
— Também acho. Minha única dúvida é se você não vai se sentir pressionada demais.
— Não se preocupe com isso.. A campanha será benéfica para Victoria.
— Mas, e para você? — perguntou Kyle, gentilmente. — Acredite, ou não, eu não poria nada em prática sem, antes, consultá-la. E se você preferir adiar, ou mesmo cancelar, eu entenderei.
— Por que você ainda não acredita que eu consiga?
— Porque tenho medo que você consiga.
— A idéia de me ter como sócia é tão terrível, assim?
— Não. A idéia de você se casar para ganhar é que é terrível.
— Eu não faria isso.
— É o que você diz, agora. — Kyle gesticulou na direção da pasta. —Mas como se sentiria se a pressão aumentasse demais?
— A publicidade não vai fazer diferença para mim. Estou empenhada em ganhar, de qualquer maneira. Fará diferen­ça para você. Essa campanha fortalecerá o novo formato da coluna, antes de sua partida. Chegou no momento exato.
Kyle assentiu.
— Foi o que pensei.
— Quando pensa em começar?
— Se você não tiver nada contra, devemos começar o quanto antes. Infelizmente, vou para Maine, daqui a pouco, e passarei a semana inteira fora. Mas podemos trabalhar por fax e mo­dem. Na verdade, o ideal seria que você fosse comigo.
— Kyle, eu não posso...
— Escute só, Jeannie —- interrompeu ele. — A corrida só começa na segunda-feira. Até lá, já teremos terminado, e você poderá voltar para Chicago para dar andamento à campanha.
— Eu...
— Jeannie, estou lhe pedindo que me acompanhe, como colega de trabalho, em uma viagem de negócios, apenas isso.
Jeannie hesitou, por um momento. A Semana da Corrida seria uma oportunidade excelente para Victoria, refletiu. Todos aqueles homens ricos, com suas lanchas e iates... Sem dú­vida, ela teria assunto de sobra, para enriquecer sua coluna.
— Está bem — concordou, finalmente. — Irei com você. Mas não por dois dias, apenas. Quero ficar até sexta-feira. Quero fazer parte da tripulação. Você não está precisando de uma pessoa?
— E você sabe velejar, por acaso?
— Posso aprender. Deve haver alguma coisa fácil de se fazer, como puxar uma corda, por exemplo.
— Posso saber qual a causa desse súbito interesse?
— É simples. A Semana da Corrida atrai homens de toda a costa. Homens ricos. Todo mundo sabe disso. É uma oportunidade que Victoria não pode perder.
Os lábios de Kyle curvaram-se, num sorriso cínico.
— Como não percebi, antes?
— Também não sei. Agora, só preciso que você me indique um hotel.
— Estarão todos lotados, a esta altura. Mas você pode ficar em minha casa. — Kyle ergueu uma mão, quando Jeannie começou a protestar. — Vou ficar no barco! Não por sua causa, eu ficaria de qualquer maneira. Acredite, Jeannie, entendi cada palavra que você disse, ontem. Não precisa se preocupar. Eu a deixarei em paz.
Jeannie assentiu.
— Certo. Está combinado, então. Quando partimos?
— As seis horas. Faremos conexão em Boston, para Bangor, e de lá prosseguiremos de carro, até Bristol Harbor. Será uma longa viagem, portanto vista uma roupa confortável e não se esqueça de levar roupas de frio, para usar no barco.
— Está bem — Jeannie entregou a ele o relatório e pegou a pasta. — Importa-se se eu levar comigo? Quero dar mais uma olhada, antes de ir.
— É sua. — Kyle abriu uma gaveta da escrivaninha, pegou uma brochura e jogou-a para Jeannie. — Leve isso, também.
Ela leu o título.
— "Manual do Velejador"?
Kyle levantou-se e abriu a porta para ela.
— Você vai precisar da máxima orientação possível.


CAPÍTULO VIII

A preferência por um estilo mais moderno não impediu Jeannie de admirar a beleza da mobília e de reconhecer que a decoração combinava com a casa de Kyle.
Ela imaginara um moderno palacete de vidro e aço, no final da longa e sinuosa alameda de entrada. Em vez disso, deparara-se com uma casa de madeira, construída no alto de uma colina, com uma vista esplêndida do porto; o tipo de casa onde se esperaria encontrar uma rede na varanda, ou um pneu pendurado no galho de uma árvore; uma casa mais adequada para uma família do que para um homem solteiro.
Jeannie parou na porta do quarto de Kyle e contemplou a enorme cama de mogno que a aguardava, com o lençol superior virado sobre o edredom e uma rosa displicente­mente jogada sobre os gigantescos travesseiros. Um arranjo de camélias impregnava o quarto com um perfume doce e forte, e havia duas velas acesas, ao lado da cama. O fogo crepitava na lareira, e os acordes suaves de um concerto de flauta elevavam-se no ar.
— Encontrou seu quarto? — perguntou Kyle, chegando ao topo da escada.
— Seria difícil não encontrar.
— O quê... Oh, não! — exclamou ele, entrando no quarto e acendendo a luz.
— Quem preparou tudo isso?
— Minha governanta, Dorothy.
— Ela é eficiente, não?
— Não — disse Kyle, colocando a mala de Jeannie no chão, ao lado do armário. — Apenas iludida.
— Como assim?
— Dorothy não vê a hora que eu me case. Quando eu disse que traria uma pessoa comigo, ela deve ter ficado exultante, e decidiu propiciar um clima romântico.
— Bem, ela é eficiente, de qualquer forma. Só é uma pena que tenha tido todo esse trabalho por nada.
— Podemos mudar isso, se você quiser. — Kyle moveu as sobrancelhas, sugestivamente.
— Nem em sonho! — exclamou Jeannie, rindo.
Kyle levantou as mãos, num gesto de frustração, e abriu o armário.
— Bem, há bastante espaço, aqui, e você pode usar as gavetas da cômoda. Estão quase vazias.
— De que lado da cama você dorme? Kyle olhou para Jeannie.
— Do direito.
— Só para saber que devo me deitar do lado esquerdo. Balançando a cabeça, com um meio-sorriso nos lábios,
Kyle atravessou o quarto e apagou as velas.
— Por que sua governanta quer tanto que você se case? — perguntou Jeannie, sentando-se no sofá de dois lugares e apoiando os braços no encosto.
— Ela está preocupada com a viagem que quero fazer — explicou Kyle, atiçando o fogo. — Diz que está na hora de eu arrumar uma companheira. Daí, todo esse cenário.
— Kyle gesticulou ao redor do quarto. — Um pouco exage­rado, mas de coração.
— Se você estivesse planejando um interlúdio romântico, o que deixaria de fora?
— As velas, para começar.
— Que pena. O que mais gostei foram as velas.
— Tudo bem, então. Eu não acenderia a lareira.
— Não?!
— O que você deixaria de fora?
— O concerto de flauta — respondeu Jeannie, sem vacilar.
— Um rock suave seria meu afrodisíaco preferido.
Kyle fitou-a por um longo momento, com uma promessa no olhar que a deixou paralisada, incapaz de mover-se, falar, ou desviar o olhar.
— Me lembrarei disso — falou, finalmente, e Jeannie com­preendeu que era exatamente o que desejava: que Kyle tocasse um CD para ela, que acendesse as velas no quarto e que a tomasse nos braços diante da lareira acesa e a beijasse.
Ela se inclinou para a frente e abriu o zíper da sacola de viagem.
— Quer rever a campanha de Victoria?
— Não acha que podemos deixar para amanhã? Jeannie colocou a pasta no colo.
— Não conseguirei dormir tão cedo. Mas, se está cansado, tudo bem. Você dirigiu, eu não.
— Não estou cansado, só não quero pensar muito. — Kyle recostou-se na cabeceira da cama e cruzou os dedos atrás da nuca. — Prefiro conversar.
— Sobre o quê?
— Qualquer coisa. Em que colégio você estudou, a pri­meira vez que se apaixonou... Qualquer coisa.
Jeannie colocou a pasta sobre a sacola.
— Estudei no Santo Rosário e me apaixonei por Steve Mueller quando estava na sexta série. Ele era mais ruivo que eu, e tinha sardas, e me fazia rir o tempo todo. Ele passava de bicicleta em frente à minha casa e caía no gra­mado, para que eu saísse correndo para ver se ele se ma­chucara. Então, nos sentávamos na calçada e ele me contava piadas, uma atrás da outra. Ele era muito engraçado. — Jeannie sorriu, com as lembranças.
— Vocês namoraram?
— Não. Steve era bem mais velho! Estava na oitava série.
— Ah, uma má influência!
— Exato. Por isso, meu irmão ameaçou bater nele, se ele se aproximasse de mim. Então, eu comecei a ir à casa dele, mas não era mais a mesma coisa. O pobre Steve estava sempre olhando por sobre o ombro, com medo que Pauli fosse atrás dele. Pouco tempo depois, descobri que ele estava caindo no gramado de outra menina. Fiquei arrasada.
— Posso imaginar. Seu irmão ainda a protege de más influências?
— Não. Ainda bem! — exclamou Jeannie. — Ele mora longe, agora.
— Ah, sim, você me disse que ele ia assinar um contrato com uma gravadora.
— Não deu certo. Eles alegaram "divergências artísticas", e contrataram outra banda. — Jeannie esticou as pernas e suspirou. — Não é a primeira vez que isso acontece. Pauli é muito teimoso. Ele prefere arriscar a carreira a fazer concessões.
— Parece um rapaz corajoso.
— Ou idiota.
— Deve ser uma característica da família. A coragem, não a idiotice — apressou-se Kyle a dizer, com um sorriso, quando Jeannie olhou para ele, surpresa. — Nunca conheci uma mu­lher com menos medo de qualquer coisa do que você.
Jeannie não respondeu, pois, naquele momento, sentia medo; medo do carinho nos olhos de Kyle, do calor que emanava dele, da necessidade de sentir esse calor.
Ela olhou para a cama e para Kyle, e subitamente sentiu ciúme das mulheres que haviam estado ali antes dela, das mulheres que não haviam sentido medo de entregar seu amor a Kyle. Depois levantou-se e caminhou até a porta.
— Não é melhor você ir para o barco? — sugeriu. — As aulas de navegação começam cedo, amanhã.
Kyle seguiu-a até o andar inferior.
— Virei buscá-la às sete e meia. Você tem o número do meu celular, se precisar de alguma coisa.
— Não precisarei — garantiu Jeannie, quando saíram para a varanda. — Boa noite, Kyle.
De volta ao quarto, ela trocou a roupa de viagem pela ca­misola e tirou os travesseiros da cama, deixando apenas um. Em seguida, deitou-se entre os lençóis, preparada para passar a noite numa casa estranha, numa cama igualmente estranha.
Logo, porém, Jeannie descobriu que a cama de Kyle era quente e confortável. Em poucos minutos, mergulhava num sono profundo, encolhida sob o edredom, do lado direito da cama.


Jeannie espiou pela escotilha.
— Achei o vinho, mas não consigo encontrar o saca-rolhas.
Kyle virou-se para trás.
— Estou terminando de enrolar a vela, e já vou procurar.
Jeannie subiu para o convés, depois de ter trocado o con­junto de moletom por short e camiseta, da cor do céu bri­lhante da tarde. O vento frio parara de soprar depois que eles ancoraram em uma baía abrigada, e Kyle viu Jeannie espreguiçar-se como uma gata ao sol, com movimentos tão graciosos e femininos que seu coração se acelerou, roubando-lhe o fôlego.
Jeannie se virou e atravessou o convés, em direção a Kyle, com a agilidade de uma pessoa habituada a barcos e ao mar. Do momento em que ela pisara a bordo, Kyle per­cebera que ela tinha jeito para a coisa; quisera ver tudo, interessada em aprender e compreender o funcionamento do veleiro.
A prova de fogo, contudo, ocorrera quando eles estavam ao largo, o momento que, Kyle sabia, separava aqueles que realmente se fascinavam com o mar dos que simplesmente o enfrentavam.
Para testar Jeannie, Kyle conduzira o barco contra o ven­to, fazendo-o empinar num ângulo assustador. Mas o grito de Jeannie fora de pura alegria, conforme ela se agarrava à balaustrada. E, depois que o barco nivelara, ela recuperara rapidamente o equilíbrio, desenvolvendo o senso de direção do vento e dos movimentos do barco, em vez de tentar lutar contra eles. Seu riso era autêntico e reconfortante, e envolvia Kyle como ondas mornas e suaves.
E, naquele momento, observando as curvas do corpo de Jean­nie, os olhos expressivos e as pernas longas e bronzeadas, ele teve consciência de que aquela seria uma longa semana.
Jeannie rodeou o mastro e parou ao lado dele.
— Quando vou conhecer o resto da tripulação?
— Amanhã. Começaremos a treinar logo cedo.
— Eles já sabem que vou com vocês?
— Ainda não. Achei melhor esperar para ver como você se sairia, hoje.
— E como me saí?
— Muito bem.
Jeannie desmanchou-se num sorriso.
— Quer dizer que fui aprovada como tripulante?
Kyle também sorriu.
— E por acaso tenho escolha?
— Não!
Ambos riram.
— Por que você não dá a ele o nome de "Ripas de Madeira"?
Kyle balançou a cabeça. Jeannie passara a manhã inteira sugerindo nomes para o barco, cada qual pior que o outro.
— "Ripas de Madeira"?
— Não foi o que Duncan disse, que você preferia aos encantos da cidade? — Jeannie estendeu os braços à sua volta. — Isto aqui é o encanto das "ripas de madeira"!
"Encanto é o seu sorriso, garota", pensou Kyle, fitando-a intensamente.
— Pensarei a respeito. Mas não me agrada qualquer coisa que me lembre Duncan Fox.
— Eu até entendo, mas acho que é uma pena chamar um barco tão magnífico por um número.
Kyle contemplou o veleiro, em toda a sua extensão.
O MT5-6400 consistia em trinta e seis pés de aço, teca e fibra de vidro, cuidadosamente montados por suas próprias mãos ou pelas mãos de homens de sua confiança. Cada detalhe fora escolhido com carinho. Aquele veleiro era sua alegria de viver, seu santuário. Sólido, forte, seguro, movia-se suavemente sobre as ondas, obedecendo facilmente a seu comando. Era uma embarcação em que Kyle podia confiar.
E o fato de Jeannie achá-lo magnífico tocava-lhe o coração.
— Ele terá um nome até setembro, antes de a viagem começar — prometeu Kyle, surpreso que depois de quase dois anos se tornasse subitamente importante que o veleiro tivesse um nome. — Venha, vamos procurar o saca-rolhas.
Jeannie desceu os degraus estreitos para a cabine, à frente de Kyle, e levantou os braços para pegar dois copos no armário. Kyle tentou não olhar para a pele macia exposta entre o cós do short e a barra da camiseta. Disse a si mesmo para não imaginar suas mãos naquela cintura, e que o lugar mais seguro para ficar, naquele momento, seria lá em cima, no convés. Não esboçou, no entanto, qualquer movimento para sair.
Jeannie abriu a geladeira e inclinou-se para a frente para pegar o vinho. Incapaz de parar de segui-la com o olhar, Kyle deu um passo à frente, porém recuou a tempo, quando ela fechou a geladeira e balançou no ar a garrafa de vinho, arrancando dele um sorriso amarelo.
Subitamente, sem a menor pressa de sair da cabine, Kyle ligou o rádio, trocando de estação e parando ao som de um rock suave.
Jeannie colocou a garrafa de vinho na mesa e levantou o rosto, depressa.
— Coincidência — murmurou Kyle, virando-se, sem mu­dar de estação.
Ele encontrou o saca-rolhas, abriu a garrafa e encheu os dois copos.
— Saúde!
Jeannie tocou o copo de Kyle com o seu, sorridente. Em seguida, abriu a geladeira e tirou o prato de canapés de queijo que insistira em preparar, naquela manhã, colocando-o sobre a mesa, diante de Kyle.
— O mar estimula o apetite — declarou, acrescentando, depois de uma pausa: — Ainda não acredito como é acon­chegante, aqui dentro. Nada parecido com a caverna escura que imaginei.
— Acredite que, depois de algum tempo, pode começar a parecer uma caverna — disse Kyle, rindo. — Por isso mandei trocar os estofamentos por branco. Quero que a viagem seja confortável.
— Ficou ótimo — aprovou Jeannie, tirando um saco de uvas da geladeira.
Enquanto ela lavava as frutas, Kyle olhou ao redor da cabine que seria seu lar durante os anos seguintes. Ele conhecia cada recanto e objeto de cor, e poderia movimentar-se ali dentro, no escuro, sem a menor dificuldade.
Mas havia um clima diferente na cabine naquela tarde. Um aconchego, como Jeannie observara. Inconscientemente, ele olhou para ela e desviou o olhar em seguida. De fato, era espantosa a diferença que uma mudança de cor podia criar.
— Você estava falando sério, sobre essa viagem, não é? — perguntou Jeannie, interrompendo o devaneio de Kyle.
— Pensou que eu estivesse brincando?
Jeannie arrancou um galhinho de uvas do cacho.
— Não, é que... me parece uma coisa tão solitária para fazer...
— Existe uma diferença entre estar sozinho e sentir-se solitário. Passei a maior parte de minha vida sozinho, mas raramente me sinto só.
— E se acontecer alguma coisa? Se algo der errado?
— As coisas podem acontecer em qualquer lugar, Jeannie.
— Eu sei, mas, em terra, tudo é mais fácil, não acha? Lá, em alto-mar, você não terá ninguém para ajudar, se ficar doente, sofrer um acidente, ou enfrentar uma tormenta.
— Irei o mais preparado possível para qualquer even­tualidade. Mas é um risco que terei de correr.
— Por quê? Apenas pela aventura?
— Para realizar um sonho. Acho que você consegue com­preender isso, não é, Jeannie?
Ela levou uma mão ao rosto de Kyle, e o toque inesperado fez a pele dele arder e seu coração disparar. Num impulso, ele segurou a mão dela, e Jeannie ficou paralisada. Não chegou mais perto, tampouco tentou desvencilhar-se. Kyle sentiu-a contrair ligeiramente os dedos, entre os seus, e percebeu que ela prendia a respiração. Ainda assim, espe­rou, imóvel, sentindo a incontrolável reação do próprio corpo. Fosse ela qualquer outra mulher, ele pouparia a ambos aquela agonia e simplesmente a levaria para seu quarto, na extremidade da cabine. Por mais que quisesse fazer isso, contudo, recusava-se a tomar a iniciativa e romper o trato que tinha com Jeannie. Ele prometera que seria uma viagem de negócios, e a decisão de mudar isso cabia a ela.
Uma palavra sincera, no entanto, não faria mal algum, refletiu.
— Jeannie — sussurrou ele, rompendo o silêncio. Jeannie levantou apenas os olhos, mais arredondados que nunca. Kyle acariciou-lhe a palma da mão com o polegar e em seguida levou-a aos lábios.
— Eu gosto de você, Jeannie... — continuou, beijando-lhe a ponta dos dedos, a mão, o pulso, que traía o ritmo acelerado do coração dela.
— Não. — Jeannie tirou a mão e afastou-se. — Eu não posso... Kyle.
— Não pode, comigo? Ou com qualquer outro? Jeannie enfrentou o olhar azul intenso.
— Com você.
Kyle observou-a comer as uvas. As mãos dela tremiam, o que provava que ela não era indiferente como queria pa­recer; Kyle tinha certeza de que Jeannie também o queria.
Mas ela não fora para Bristol Harbor por ele, lembrou Kyle. Ela fora pela campanha publicitária de Victoria e pelos homens que esperava conhecer, durante a Semana da Corrida.
Por um lado, seria um alívio se Jeannie encontrasse logo um marido. Ele poderia viajar tranqüilo, deixando a revista em boas mãos e, mais importante que tudo, livre da tentação.
Kyle pegou o copo de vinho e encaminhou-se para a porta da cabine.
— Acho que seria bom para você se eu desaparecesse de sua vida de uma vez por todas — observou. — Assim, poderia decidir melhor o que realmente deseja.
Jeannie esperou que ele saísse e apoiou os cotovelos na mesa, enterrando o rosto nas mãos e deixando escapar um longo suspiro. Que loucura fora aquela, de querer ir para Maine com Kyle? Se já era difícil ficar em uma sala cheia de gente sem sentir vontade de tocá-lo, abraçá-lo, beijá-lo, como ela pudera ser tão ingênua a ponto de imaginar que seria possível ficar sozinha com ele em uma cabine com menos de cinco metros de comprimento?
E, no entanto, não fazia sentido. Kyle gostava de coisas an­tigas, tradicionais; ela gostava de tudo que era moderno. Kyle gostava de se isolar, enquanto ela precisava de gente à sua volta.
Por quê, então, ela se sentia tão atraída? Que parte per­versa de si mesma era aquela que a impelia a encorajá-lo, quando ela tinha consciência do que seria entregar seu amor a um homem como Kyle, querendo entregar-se e, ao mesmo tempo, aterrorizada com a idéia.
E, embora tentasse convencer a si mesma de que Kyle era o homem errado para si, Jeannie sabia que existia um lado que era totalmente certo; um lado terno, carinhoso, vulnerável, sonhador, e tão confuso quando ela própria; um lado que a levara a abrir o coração e a querer vivenciar uma experiência amorosa devastadora, a alimentar um amor que ela nem mesmo tinha certeza se Kyle aceitaria, se lhe fosse oferecido.
Jeannie subiu a escada e parou no último degrau, hesi­tante, ao ver Kyle aproximar-se.
— Parece que não faço mais outra coisa se não desculpar-me
— disse ele. — Mas eu sinto muito, Jeannie. Não sei o que acontece, quando estou com você, que sempre digo e faço as coisas erradas. Aliás, eu gostaria de saber por quê.
— Não tem importância — murmurou ela, tentando parecer descontraída e amigável, e conseguindo, em vez disso, passar uma impressão patética. Por isso, apressou-se a mudar de assunto: — Vamos dar uma olhada na campanha de Victoria?
Com um movimento afirmativo da cabeça, Kyle desceu para a cabine, atrás de Jeannie, e viu-a tirar a pasta de dentro da sacola.
— Pensei em fazer um desenho artístico de Victoria, de perfil, com um chapéu de abas largas escondendo o rosto — sugeriu ele.
— O que acha?
Enquanto ele desenhava, Jeannie recostou-se no banco, fazendo um esforço tremendo para concentrar-se.
Kyle percebeu o mal-estar, consciente de que era tão di­fícil para ela quanto para si próprio. E algo lhe dizia que... alguma coisa aconteceria. Ele sentia, com tanta certeza quanto sentia a mudança do vento. Uma atração tão forte não podia ser ignorada. Só lhe restava esperar que a chama já tivesse se apagado quando a semana terminasse e eles tivessem de retornar às suas vidas.

CAPÍTULO IX

Aconchegada entre as confortáveis almofadas da poltrona de vime, com as pernas dobra­das sob o corpo, Jeannie contemplava os últimos minutos do pôr-do-sol dourado, na baía. Em um dos braços da pol­trona repousavam dois pares de brincos: um dourado, outro de couro preto macio. Na mesinha, ao lado, descansava uma garrafa pequena de cerveja, de uma marca local, que Dorothy deixara na geladeira.
Dentro de uma hora, Kyle voltaria para buscar Jeannie para a primeira festa da Semana dá Corrida, uma recepção para os organizadores e patrocinadores do evento, em um iate-clube exclusivo, onde ela passaria a noite bebericando champanhe e recusando caviar, com algumas das famílias mais ricas da costa leste.
Da varanda da casa de Kyle, Jeannie observava os veleiros que navegavam graciosamente em direção ao cais, onde an­corariam durante a noite, enquanto uma gaivota solitária so­brevoava a baía, com um suave grito de boa-noite.
Jeannie tomou um gole de cerveja e fez uma careta, ao sentir o sabor, amargo demais para seu gosto. Limpou os lábios com as costas da mão e deixou o copo sobre a mesa, antes de enfileirar cuidadosamente os quatro brincos sobre o braço da cadeira.
"Vista-se bem", avisara Kyle. "Para impressionar os milionários."
Por isso, Jeannie escolhera uma vaporosa saia furta-cor, que Lissa Stiller lhe oferecera, combinando-a com uma blusa frente-única de lycra preta. Preferindo não parecer sofisti­cada demais, ela prendera os cabelos em um rabo-de-cavalo, com uma fivela de couro preto com moldura dourada. Os brincos seriam o único outro acessório que ela usaria, depois que se decidisse por um dos pares.
Desdobrando as pernas, Jeannie levantou-se e colocou um brinco na orelha, inclinando a cabeça para um lado para estudar o próprio reflexo na janela. O dourado ficava bem, mas talvez o de couro combinasse mais.

O arrastar de pneus no chão de cascalho atraiu a atenção de Jeannie. Ela virou-se e aproximou-se da mureta da va­randa. Kyle chegara cedo.
Ele levantou o rosto, enquanto fechava a porta do Land Rover, e avistou-a. Sem pensar, Jeannie acenou, sentindo a inequívoca onda de calor e prazer que a envolvia sempre que Kyle sorria para ela, como se fosse a coisa mais natural do mundo estar ali, esperando por ele.
— Você chegou cedo — observou, enquanto Kyle subia os degraus da varanda.
— Esqueci de colocar o paletó na mala. Espero encontrar algum, lá em cima. Está pronta?
— Sim. Só falta decidir que brincos usar.
Kyle avistou a garrafa de cerveja e tomou um gole.
— Que tal, a cerveja?
— Amarga! Kyle sorriu.
— Demora algum tempo para se acostumar com o sabor. Jeannie flexionou as costas e virou-se para a mureta, enquanto seu olhar vagava pela faixa cinzenta da orla. O sol não passava de um brilho alaranjado acima dos rochedos, e as luzes do porto começavam a se acender.
Kyle viu-a forçar os ombros para trás e deu um passo à frente.
— O que foi?
— Minhas costas estão doloridas.
Ele deu um passo à frente e pousou as mãos nos braços de Jeannie, com um leve sentimento de culpa. Sabia que exigira demais dela naquele primeiro dia.
— Dói aqui? — perguntou ele, percorrendo as mãos pela parte superior dos braços dela. —: E está pior aqui? — Ele apertou-lhe os ombros.
— Como você sabe?
— Tenho anos de experiência.
O corpo inteiro de Jeannie retesou-se quando Kyle co­meçou a lhe massagear os ombros.
— O que está fazendo?
"Algo de que logo me arrependerei", pensou ele. Para Jeannie, no entanto, respondeu:
— Aliviando a dor. — Ele pressionou gentilmente os mús­culos das costas de Jeannie, com os polegares. — Não farei nada que você não queira.
Jeannie arqueou as costas e suspirou. Kyle fechou os olhos. A pele dela era acetinada, o perfume, suave e intoxicante, diferente do que ela normalmente usava. E o fato de tocá-la daquela maneira só aumentava seu desejo. Mas Jeannie estava com dor, e a culpa era sua. O mínimo que podia fazer era tentar aliviá-la.
— Apóie as mãos na mureta — ordenou, voltando a massagear-lhe os ombros.
— Por que está fazendo isso? — insistiu Jeannie, quando Kyle lhe pressionou a nuca com os polegares.
— Porque você precisa estar em forma, amanhã. Ela sorriu.
— Ah, sei...
— Vire-se — continuou ele, passando da nuca novamente para os ombros e os braços.
A pele de Jeannie começou a aquecer-se sob as mãos de Kyle, e ele detectou o momento exato em que a respiração dela mudou. Instintivamente, ele diminuiu a pressão dos dedos. Para ele, a massagem deixara de ser terapêutica e se transformara na lenta dança da sedução.
Inclinando-se para a frente, Kyle beijou o ombro de Jean­nie e traçou uma linha com os lábios, do ombro ao pescoço.
Jeannie inclinou a cabeça para o lado e para trás, dominada por uma forte e doce emoção, ao mesmo tempo que tentava reprimir o impulso de colar o corpo ao de Kyle e abraçá-lo.
— A recepção vai começar... — sussurrou ele, no ouvido de Jeannie. — Precisamos ir.
— Mas não estou pronta — protestou ela, quase sem fôlego. — Ainda não decidi que brincos usar.
— Deixe-me ajudar.
Kyle desatarrachou o brinco que estava na orelha de Jeannie e guardou-o no bolso da camisa.
— Sem brincos? — perguntou ela, estremecendo quando ele lhe mordiscou o lóbulo da orelha.
— Você não vai precisar deles. Não vai precisar de nada. Jeannie sentiu Kyle soltar a fivela de seu cabelo.
— Por que está fazendo isso?
— Para poder fazer isto.
Puxando Jeannie para si, Kyle afastou-lhe os cabelos e beijou-lhe a nuca.
O coração de Jeannie começou a bater mais forte. Ela apoiou o rosto no ombro de Kyle, finalmente consciente de que não fora até Maine por causa de Victoria; fora até lá por si mesma. Era ali que ela queria estar, e aquele era o homem com quem queria ficar.
— Jeannie... — sussurrou Kyle, em tom de indagação, como se quisesse uma confirmação de que podia continuar.
E quando ele segurou o queixo de Jeannie e tocou-lhe delicadamente os lábios, ela não resistiu; entreabriu-os para ele e acolheu em sua boca a língua quente e aveludada que a experimentava, provocava, exigia, aceitando o que Kyle lhe oferecia e querendo mais, sucumbindo à sensação extasiante de estar nos braços dele, sentindo-lhe o sabor e o perfume másculo, desejando, com todas as suas forças, per­tencer a ele.
Kyle abraçou-a com mais força e colou o corpo rijo ao dela; em seguida, levantou-lhe a blusa e segurou-lhe os seios e, naquele instante, Jeannie soube que não haveria volta. Só existia aquele lugar e aquele momento; o encantamento dos lábios de Kyle e a promessa de paixão nas mãos dele, conforme ele a abraçava e acariciava.
Nada mais existia no mundo, além deles dois e do som distante das ondas arrebentando contra os rochedos. Jean­nie tinha uma vaga consciência das luzes que tremeluziam ao redor do porto, como num reino encantado, enquanto Kyle a beijava, ávida e incansavelmente.
Quando ele a suspendeu nos braços e a carregou para dentro de casa, Jeannie enterrou o rosto no ombro dele, consciente de que aquilo não era real, de que não duraria, seria impossível durar. Ela só esperava que fosse suficiente.
As sombras do lusco-fusco invadiam o quarto, amorte­cendo as cores e criando imagens cinzentas e esbranquiça­das. Jeannie fechou os olhos quando Kyle a deitou sobre o edredom e ajeitou os travesseiros à sua volta.
O perfume das camélias impregnava o ar, e Jeannie res­pirou fundo quando o colchão afundou sob o peso de Kyle. Ele se ajoelhou sobre ela e fitou-a intensamente. Apesar da penumbra, Jeannie podia ver o brilho do desejo nos olhos azuis, ouvir a respiração entrecortada de Kyle.
Ele desabotoou a camisa e jogou-a para trás, para então concentrar-se em tirar a blusa de Jeannie. Com mãos trê­mulas, ela acariciou o rosto que havia tanto tempo queria explorar, passando os polegares pelos lábios que tanto pra­zer podiam proporcionar, fascinada com a força da paixão e do desejo que podia existir entre duas pessoas.
— Sabe há quanto tempo eu queria ver você assim? — sussurrou Kyle, levantando a saia de Jeannie. — Há quanto tempo eu sonhava em tocá-la, em senti-la? Assim...
Ele se debruçou sobre Jeannie e tocou-lhe o ventre com os lábios, traçando uma linha de beijos em direção às suas coxas. Jeannie enterrou os dedos nos cabelos de Kyle, exi­gindo mais, enquanto se entregava completamente a ele. Nunca ela se sentira tão indefesa, desamparada e apaixo­nada, nos braços de um homem.
Estimulado pela reação de Jeannie, Kyle ergueu o corpo e desafivelou o cinto. Incapaz de esperar mais um minuto, Jeannie estendeu os braços e puxou-lhe a calça para baixo.
— Sabe há quanto tempo eu queria fazer isto? — per­guntou ela, acabando de despi-lo. — E isto?
Nunca o toque das mãos de uma mulher tivera aquele efeito sobre Kyle. Ele vibrava a cada movimento, sentindo o controle pouco a pouco escapar.
Jeannie assumiu o comando, conduzindo Kyle para si, maravilhada com o poder que não sabia que possuía. Inclinando-se sobre ela, Kyle penetrou-a com firmeza, na neces­sidade de satisfazê-la, e a si próprio. E Jeannie acolheu-o, envolvendo-lhe o corpo com as pernas, entrelaçando as mãos com as dele, tornando-se parte dele a cada poderoso movi­mento, dominada por uma deslumbrante sensação de triun­fo, quando Kyle finalmente soltou o peso do corpo sobre ela, ofegante, sussurrando seu nome, baixinho.
Os dois permaneceram deitados durante um longo tempo, braços e pernas entrelaçados, cada qual ouvindo a respiração do outro, sentindo a pulsação do outro voltar ao normal.
Quando Jeannie, depois de alguns minutos, estremeceu de frio, Kyle puxou o edredom sobre ambos e apoiou-se em um cotovelo.
— Preciso lhe dizer uma coisa. Jeannie olhou para ele.
— Já é hora de fazer confissões?
— Sim.
Jeannie deslizou um pé pela perna de Kyle, deliciando-se com a sensação dos pêlos ásperos em sua pele.
— Tudo bem. O que é?
— Eu menti quando disse que vinha procurar um paletó. Eu trouxe dois, na mala, mas deixei-os no barco, sabendo que não havia nenhum aqui, e que eu não poderia ir à recepção sem paletó.
— Por quê?
— Porque eu sabia que não suportaria ir e ficar de braços cruzados, vendo você distribuir sorrisos para os outros homens.
— Quer dizer que você planejou tudo?
— De certa forma, sim. Só sinto não ter tido tempo para acender as velas e a lareira.
— Eu lhe perdôo.
Kyle riu e beijou a testa de Jeannie.
— Está feliz?
— Muito. — Ela suspirou e fechou os olhos.
— Então, me prometa uma coisa. Que sempre usará esse perfume, daqui por diante.
— Por quê?
— Porque o acho maravilhoso. E quando você o usar, estará se lembrando da primeira vez em que fizemos amor. E eu, também.
— A primeira vez? — provocou Jeannie. — O que o leva a acreditar que haverá uma segunda?
— Isto! — exclamou ele, com as mãos já em atividade, lentamente transportando Jeannie para as nuvens, de uma maneira que ela nunca sonhara ser possível.
Mais tarde, quando o segundo vendaval passou, Jeannie adormeceu nos braços de Kyle, aconchegada, protegida e saciada, ambos encolhidos do lado direito da cama.
Passava de meia-noite quando Jeannie sentiu Kyle mexer-se, tentando, em vão, sair da cama sem acordá-la.
— Desculpe — murmurou ele, abotoando o cós da calça. — Estou com fome. Quer descer, ou prefere que eu lhe traga alguma coisa para comer?
— Vou descer — Jeannie sentou-se na cama e olhou para a saia amarrotada. Em seguida, levantou-se, abriu a porta do armário e tirou o robe atoalhado do cabide.
— Gosto de ver suas roupas dependuradas em meu ar­mário. Mas gosto mais ainda de tirá-las de você.
— Seu mal-educado! — Jeannie riu e afastou as mãos de Kyle com um leve tapa, quando ele não a deixou fechar o robe.
— É bom ir se acostumando. — Ele segurou a mão dela e conduziu-a para a escada.
Jeannie seguiu-o até a cozinha, perguntando-se o que Kyle quisera dizer, com medo de sentir esperança. Ele se referira àquele momento, ou para sempre? Ou até partir para a viagem?
Kyle inspecionou a geladeira.
— Que tal macarrão com molho branco e salada? Jeannie aproximou-se por detrás dele e enlaçou-o pela cintura.
— Fantástico!
Kyle virou-se, nos braços dela, e fitou-a, estudando-a aten­tamente, como se quisesse ler-lhe os pensamentos.
— Não sei o que está acontecendo, Jeannie — declarou, finalmente. — Só sei que não quero que termine.
Ele a abraçou e tocou-lhe os lábios com a ponta da língua. Jeannie imitou-o e sentiu-o abraçá-la com mais força, con­forme ela aprofundava lentamente o beijo, explorando-o como ele a explorara, antes.
— Se você não parar... — murmurou Kyle, levantando o rosto — ...passaremos mais uma hora sem jantar.
Depois de comer o macarrão e acabar com a salada, Jeannie recostou-se na cadeira e tomou um gole de vinho.
— Estava uma delícia!
Kyle terminou de colocar os talheres na lavadora e sentou-se erguendo o copo para brindar.
— A primeira refeição que fizemos em paz!
— Eu estava pensando na mesma coisa! — exclamou Jeannie, sorrindo e brindando com ele. — Talvez a solução seja nunca mais almoçar!
— Ou fazer amor mais vezes.
Jeannie riu e colocou o copo na mesa. Em seguida, olhou para Kyle, pensativa.
— Por que você disse que passou a maior parte de sua vida sozinho? — perguntou, repentinamente.
— Porque é a verdade — respondeu ele, tomando um gole de vinho e estalando os lábios, em aprovação.
— Mas por quê? Sei que sua mãe faleceu quando você era pequeno, mas, e seu pai?
Kyle hesitou, por um momento, depois inclinou-se para a frente e apoiou os braços na mesa.
— Meu pai possuía um estaleiro, aqui em Bristol Harbor. Era um dos melhores de toda a costa. Alguns dos navios que ele construiu estão em operação até hoje. Meu pai era um verdadeiro artesão, perfeccionista e dedicado ao que fa­zia. Ainda posso vê-lo, naquele galpão imenso, andando de um lado para outro, com suas botas de couro, tomando de­cisões, dando ordens. — Ele fez uma pausa, girando o copo entre as mãos. — Ele morreu em um acidente no mar, quando eu tinha quinze anos.
— Oh, Kyle!
— Um homem que viveu a vida inteira no mar e nunca aprendeu a nadar — lamentou Kyle, balançando a cabeça.
— E você?
— Eu fui morar com o irmão dele, em Chicago. Esse meu tio era advogado, bem-sucedido, solteiro, e morava em um apartamento espetacular. Ele me deu um quarto e me disse para chamá-lo de Ted. Depois, me deixava sozinho, a maior parte do tempo.
— Como ele pôde fazer isso? — protestou Jeannie, indignada. Kyle sorriu.
— Não foi como você está pensando. Ted era um bom homem, e meu amigo. Mas não deve ter sido fácil para ele, ver-se, de repente, com a responsabilidade de criar um ado­lescente. Principalmente um que cabulava as aulas e pas­sava horas perambulando no cais.
Kyle afastou uma mecha de cabelo do rosto e Jeannie visualizou-o adolescente, sentado, sozinho, nas docas.
— Você devia sentir falta de seu pai, e de Bristol Harbor — disse Jeannie, com um aperto no coração.
— Sim, só que eu não admitia isso para ninguém. Com o passar do tempo, comecei a gostar da cidade e do apar­tamento onde eu morava. Nas férias de verão, eu viajava nos cruzeiros, como tripulante, e depois de algum tempo comprei um barco. Quanto terminei a faculdade, arrumei um emprego em Bangor, e vinha para cá, nos fins de semana. Passava em frente à casa onde morávamos, em frente ao estaleiro... em todos os lugares.
Jeannie pousou uma mão sobre a de Kyle e ele a apertou com força, como se receasse que ela pudesse escapar. Ela se limitou a olhar para ele, desejando ter coragem de dizer que não tinha para onde ir.
— Um dia, encontrei um homem que havia trabalhado para meu pai. Nos sentamos na varanda da casa dele e tomamos uma cerveja, relembrando os velhos tempos. A certa altura, ele foi buscar uma caixa que disse ter guardado durante todos aqueles anos. Dentro dela havia uma série de desenhos, que eram o projeto de um veleiro que os dois haviam sonhado em construir.
— O veleiro que você construiu — deduziu Jeannie, com admiração na voz.
O sorriso que Kyle lhe dirigiu foi radiante.
— Isso mesmo. E, junto com os desenhos, havia um plano detalhado de uma viagem que meu pai pretendia fazer no barco, a volta ao mundo em três anos. Mas ele não teve a oportunidade. — Kyle soltou a mão de Jeannie e recostou-se.
— Então, decidi fazer por ele. E é por isso que estou aqui. Para realizar o sonho de meu pai.
— Um sonho que levará você para longe do lugar que você ama. — Jeannie baixou os olhos. — E para longe de mim.
— Sim — concordou Kyle, depois de um segundo de silêncio. Uma resposta simples, franca. Nada menos do que Jean­nie poderia esperar.
Kyle arrastou a cadeira para trás, sobre o piso de cerâ­mica, e levantou-se, estendendo uma mão para Jeannie.
— Vamos voltar para o quarto?
Era quase meio-dia quando Kyle subiu outra vez as es­cadas. Ele havia adormecido quando o céu já começava a clarear, com o peso confortável da cabeça de Jeannie em seu ombro. Mas acordara poucas horas depois, já tentando se adap­tar ao padrão de sono limitado que teria de manter no mar.
Normalmente, ele teria saído em seguida e ido para o barco. Mas, pela primeira vez, depois de muitos anos, havia mais alguém a considerar. Por isso, ele passara a manhã trabalhando, lendo e esperando, achando a casa estranha­mente silenciosa, levantando a cabeça a todo instante, es­perando ouvir os passos de Jeannie na escada, querendo ver-lhe o sorriso, ouvir o som de seu riso; e depois beijá-la e ter a certeza de que ela ainda estava ali. Anseios estranhos para um homem que nunca precisara de nada que não pu­desse conseguir sozinho.
Kyle abriu a porta e olhou ao redor do quarto. Lençóis amarfanhados, roupas espalhadas por toda parte. E, no meio daquilo tudo, Jeannie. Jeannie, com os cabelos avermelhados esparramados sobre o travesseiro, os punhos inocentemente cerrados junto ao rosto, mergulhada em um sono profundo e tranqüilo, alheia aos raios de sol que se filtravam pelas ve­nezianas, às gaivotas que gritavam, a distância, a ele.
Kyle suspirou, relembrando aqueles cabelos roçando em seu peito, quando Jeannie se debruçara sobre ele, aquelas unhas raspando em sua pele, enquanto ela lhe beijava o pescoço, o ventre, as coxas, e ainda ouvindo o doce gemido de Jeannie quando ela o tomara dentro da boca, fazendo-o sentir-se desejado como nenhuma outra mulher fizera, até então, e como nenhuma outra faria.
Jeannie abriu os olhos quando Kyle se sentou na cama e, por um segundo, ele hesitou, sem saber o que faria se detec­tasse arrependimento nos olhos dela. Ou pior, indiferença.
Ela pestanejou, confusa, depois sorriu, um sorriso sono­lento, que Kyle retribuiu.
— Está na hora de acordar? — perguntou ela, extasiada com a consciência de que nunca sentira tanta felicidade só por estar com um homem.
— Sim — respondeu Kyle, levantando-se e vestindo a calça jeans. — Combinei com Matt que iríamos encontrá-lo em Davisport, às duas horas.
Jeannie levantou a cabeça e olhou para o relógio, assustada.
— Minha nossa! Então, é melhor eu me apressar! — exclamou, afastando os lençóis e pulando para fora da cama. — Vou tomar um banho.
Num impulso, ela agarrou o frasco de lavanda, em cima da cômoda, enquanto se dirigia para o banheiro.
— Devo trancar a porta, ou não? — perguntou, virando-se para Kyle, com expressão inocente.
— O que você acha? — retrucou ele, avançando na direção dela com um brilho demoníaco nos olhos.
Kyle saiu da banheira e enrolou Jeannie numa toalha felpuda gigantesca, depois pegou uma outra, menor, na pra­teleira, e amarrou-a na cintura. Jeannie observou, pelo es­pelho, enquanto ele lhe esfregava a toalha no corpo, enxu­gando todas as partes onde a tocara, beijara, amara.
Os olhos de Kyle aprisionaram os seus, no espelho, desafiando-a a desviar o olhar, enquanto ele a acariciava, desper­tando nela mais uma vez aquele desejo que parecia insaciável.
Mas Jeannie não desviou o olhar. Aquela altura, já sabia que, para amar Kyle, não podia ser tímida. Não, se quisesse que aquele amor sobrevivesse. E ela o amava. Não restavam mais dúvidas em seu coração.
Jeannie amava a integridade de Kyle, a sinceridade, a paixão e a força que sempre a amedrontara. Kyle era parte de si mesma, e por nada no mundo ela mudaria isso.
Kyle podia ser implacável, sim, mas era, também, um homem com sonhos e fascínio pelas coisas que queria al­cançar e realizar; um homem que sentia ternura e compai­xão. Jeannie sabia que Kyle tomaria conta dela, se ela dei­xasse, que a protegeria em qualquer circunstância. Mas, ele a amava? Saberia compreender como ela o amava? E quando setembro chegasse, e ele partisse para dar a volta ao mundo, sentiria a sua falta?
Decidindo que não encontraria as respostas sozinha, Jeannie segurou as mãos dele.
— Pare — murmurou, sorrindo da expressão confusa de Kyle e beijando-lhe as pontas dos dedos. — Não para sempre, só agora. Quero que a próxima vez seja no barco. Mas, antes, quero conhecer seus amigos.
Ela se virou e se pôs na ponta dos pés, beijando-o nos lábios.
Jeannie tomou um gole do café quente e delicioso que Kyle preparara e recostou-se na cadeira da cozinha, esfre­gando os olhos, não lamentando nem um pouco as horas reduzidas de sono.
— Como é que se chama a esposa de seu amigo?
— Vicky — respondeu Kyle, enquanto fazia os ovos me­xidos. — Você vai gostar dela. Vicky, Matt e eu fomos colegas no segundo grau e...
O toque do telefone interrompeu-o.
— Será Matt, com alguma mudança de planos? — Ele levantou a cabeça. — Pode atender para mim, Jeannie?
— Claro. — Jeannie levantou-se e correu até o escritório, no fim do corredor.
A chamada era de Dorothy, cujo tom de voz encheu-se de júbilo, quando Jeannie atendeu.
— Pode avisar Kyle que daqui a pouco estarei aí? Vocês vão para o barco? Não se preocupem que deixarei tudo em ordem...
Jeannie desligou o telefone, com um sorriso nos lábios.
— Era Dorothy. Ela disse que virá, daqui a pouco.
— Aposto que é para ver você. Ela deve estar morrendo de curiosidade!
— Espero que ela não se decepcione. — Jeannie atra­vessou o aposento, em direção ao aparelho de fax. — Tem um fax, aqui, para você!
— Pode pegar, por favor?
Jeannie puxou a folha de papel e voltou para a cozinha. Kyle passou rapidamente os olhos pela mensagem e Jean­nie viu a expressão dele modificar-se.
— O que foi?
— Precisamos conversar.
— Sobre o quê? — perguntou ela, alarmada.
— Isto é uma resposta ao fax que enviei, esta manhã, para a gráfica, cancelando a coluna de Victoria. — Kyle colocou o fax em cima da mesa. — Estão confirmando o cancelamento.
Jeannie olhou para ele, boquiaberta, e em seguida para a folha de papel, tentando extrair sentido do que Kyle estava dizendo, tentando conciliar a apreensão no olhar dele com a crueldade daquelas palavras. Mas era impossível.
— Foi a única solução que encontrei.
— Não acredito que tenha sido capaz de fazer isso! Como, teve coragem de cancelar Victoria, e não me avisar?!
Kyle deu um passo à frente.
— Eu não tinha outra saída, Jeannie! Em sã consciência, acha que seria possível voltar para Chicago e fazer de conta que nada aconteceu? Que você poderia continuar com essa empreitada maluca, em nome de Victoria Boulderbottom?
Jeannie recuava, conforme Kyle avançava.
— Não sei... não pensei nisso.
Kyle segurou-a pelos braços, imobilizando-a.
— Pois pense, agora! Não deixarei que comece de novo, Jeannie. Não posso! Não, quando preciso tanto de você. Que­ro ficar com você o máximo tempo possível, antes de vol­tarmos para Chicago e transformarmos a Aspects na revista com que nós dois sonhamos. Quero que ganhe seu troféu da imprensa, Jeannie!
Jeannie empurrou-o.
— O que é isso, prêmio de consolação?
— Jeannie, você não entendeu...
— Não? Então, ajude-me a entender. Você cancelou minha coluna, num momento em que ela está no auge, sem me avisar, porque quer ficar comigo.
— Sim.
— Mas somente até setembro. Depois disso, você ficará bem, outra vez, não é?
— Você está distorcendo minhas palavras.
— Então, diga-me onde foi que me enganei. Diga-me que não está apenas me oferecendo uma promoção, a chance de realizar um sonho, em troca de sexo até setembro. Diga-me que entendi tudo errado, Kyle, porque, neste momento, é só o que consigo enxergar!
— Você me interpretou mal, Jeannie. Eu gosto de você. Só não posso lhe prometer nada.
— Não estou pedindo que prometa.
— Eu sei.
— Então, por que me insulta dessa maneira?
Ela girou nos calcanhares e saiu da cozinha, apressada, porém Kyle alcançou-a no pé da escada.
— Jeannie, por favor, procure compreender...
Ela parou com uma mão no corrimão, porém não olhou para ele.
—- Eu compreendo. O que você realmente quer é tornar-me conveniente para você. Fácil de descartar, quando chegar a hora. — Ela se virou vagarosamente para Kyle. — Mas não vou permitir isso. Portanto, pode mandar um fax, agora, para a gráfica, e mandá-los incluir "O Casamento Ideal" na revista, porque vou terminar minha série! E não será mais sobre amor, daqui por diante, Kyle. Agora, será sobre vitória. Com letra minúscula.


CAPITULO X

Jeannie atendeu o telefone ao quinto toque, se­gurando o receptor entre a orelha e o ombro, sem parar de digitar.
— Já sei, já sei, a coluna está atrasada. Terminarei até o meio-dia, prometo!
— Claro. Tanto quanto você prometeu me telefonar con­tando como iam as coisas aí em Montana, durante as últimas semanas.
Jeannie levantou as mãos do teclado.
— Magda? — Segurando o receptor com uma mão, Jean­nie esfregou a nuca com a outra. — Como vai?
— Mais ou menos. Desmond... você sabe, o meu executivo... está em Londres. Mas, tudo bem. Já estou acostumada.
Jeannie sorriu.
— Mas não telefonei para falar de mim. Quero saber como vai você. E Stuart, também, claro.
— Estamos bem — afirmou Jeannie, levantando-se é ca­minhando até a janela, com o fone no ouvido.
Stuart conversava com um grupo de homens, perto dos estábulos. Como se pressentisse que estava sendo observado, ele olhou na direção da janela e sorriu, um sorriso autêntico, que demonstrava um prazer sincero, como no dia em que Jeannie chegara. A culpa corroeu o coração de Jeannie, en­quanto ela acenava e retribuía o sorriso, desejando poder ser tão sincera quanto ele, contar o que realmente estava fazendo ali, porém consciente de que o momento não era propício.
— Muito bem — repetiu, dando ênfase às palavras. — Stuart está se preparando para ir para o Alasca, e eu... bem, você sabe o que estou fazendo.
— Um sucesso estrondoso, eu diria. A repercussão de Victoria é notável, Jeannie! Os cartazes da Aspects são des­taques nas bancas, com a pergunta "As Mulheres Que Se Casam Por Dinheiro São Realmente Felizes?"
— Que ótimo! — exclamou Jeannie, sem entusiasmo e sem se dar ao trabalho de perguntar qual fora a reação do público em geral. Ela voltou para a escrivaninha e sentou-se.
— E você, o que tem feito?
— Nada de interessante... Oh, Trish está no hall acenando para mim, o que significa que ou ela está secando as unhas, ou está me chamando para a reunião. Telefonarei nova­mente, na próxima semana. — Magda hesitou, por um mo­mento. — Tem certeza de que está tudo bem com você?
Jeannie forçou-se a falar com voz alegre:
— Não poderia estar melhor.
— Assim espero.
Jeannie permaneceu com o fone no ouvido durante um longo tempo, depois que Magda desligara, apenas recolocando-o no gancho ao ouvir os passos de Stuart no hall, do lado de fora de seu escritório.
Seu escritório. Era como Stuart se referia ao aposento. Na realidade, era a biblioteca dele, uma sala ensolarada e linda­mente decorada, com estantes forradas de livros, tapetes e poltronas confortáveis. Jeannie passara tanto tempo ali, no fim de semana do evento beneficente, que Stuart chegara à conclusão de que era onde ela se sentia mais à vontade.
Na verdade, Jeannie simplesmente se escondera; dos con­vidados, dos ilustres conferencistas, fingindo estar com dor de cabeça, calor e cansaço, na esperança de ficar sozinha. Ela deveria ter transferido aquela missão a alguém mais qualificado, mas Kyle acabara de voltar de Bristol Harbor, e ela não tinha outro lugar onde se refugiar.
Stuart, por sua vez, não se cansava de repetir como estava feliz com a presença de Jeannie na fazenda, e ela começara a se sentir tão bem ali que, quando ele lhe pedira que ficasse para fazer uma reportagem exclusiva sobre a Fundação Big River, ela concordara sem vacilar, aceitando de bom grado o refúgio que ele oferecia.
Stuart colocara um computador à disposição de Jeannie e ela pusera mãos à obra: informara-se sobre as causas pelas quais ele batalhava, sobre o estilo de vida que levava, até sobre cavalos e equitação, o tempo todo trabalhando em sua coluna e mantendo-a em segredo, enviando semanal­mente os artigos para Trish através do modem.
Stuart bateu à porta, antes de abri-la. Jeannie pressionou rapidamente a tecla "down" para limpar a tela.
— Trabalhando muito? — perguntou ele. Ela sorriu.
— Para variar, estou atrasada.
— Você vai conseguir. Sempre consegue. — Ele pousou as mãos nos ombros de Jeannie. — Só espero que, um dia, me deixe ler seu trabalho.
A voz dele continha um tom quase melancólico, e Jeannie deu-se conta de que não poderia continuar escondendo Victoria e sua coluna por muito mais tempo.
— Você está tensa — murmurou Stuart, testando os mús­culos de Jeannie com a ponta dos dedos. — Mas darei um jeito nisso.
Jeannie inclinou a cabeça para a frente, conforme ele lhe massageava a nuca e os ombros. O toque de Stuart era suave e relaxante. Em vez de relaxar, contudo, ela só con­seguia pensar no fim de tarde na varanda de Kyle, e no toque de mãos que a fazia derreter.
Ela segurou as mãos de Stuart.
— Foi ótimo. Obrigada.
Stuart girou a cadeira e fez Jeannie levantar-se.
— Fico feliz em poder ajudar.
Segurando o rosto de Jeannie entre as mãos, ele inclinou a cabeça e capturou-lhe os lábios, num beijo reconfortante, transportando-a para um lugar seguro, um lugar bem dis­tante do vendaval que era a paixão de Kyle. Porém, deixando-a inexplicavelmente triste.
— Stuart — sussurrou ela, afastando-se da maneira mais delicada possível.
Stuart acariciou o rosto de Jeannie e enterrou os dedos em seus cabelos.
— Eu compreendo. — Ele gesticulou na direção do sofá. — Quer se sentar, para conversarmos?
Ele se deixou afundar no sofá macio, ao lado de Jeannie.
— Serei direto. Quero que vá para o Alasca comigo.
— Eu não...
— Preste atenção, Jeannie. Tenho certeza de que nos daremos bem. Meu trabalho me leva a todos os lugares tumultuados do mundo, e o seu permite registrar o que acontece lá. Com sua capacidade, você terá condições de contribuir para que alguma coisa seja feita por essas pessoas que precisam de ajuda.
— Admito que a idéia é tentadora, mas preciso ver se a editora vai arcar com minhas despesas.
— Não haverá necessidade.
— De jeito nenhum. Você não vai pagar para mim. Não permitirei...
— Jeannie — interrompeu Stuart. — Estou tentando pe­dir que se case comigo. Quero que vá como minha esposa.
Pela primeira' vez, em anos, Jeannie ficou emudecida, embora um simples "sim" resolvesse a questão. Victoria se despediria num arroubo de glória, ela ganharia a aposta e recomeçaria a vida no Alasca com um homem que gostava dela, que respeitava seu trabalho e queria ficar com ela. Tudo o que ela conseguiu dizer, contudo, foi:
— Stuart, preciso lhe contar uma coisa. Ele sorriu.
— Sou todo ouvidos.
— Há duas coisas que você precisa saber, a respeito de meu trabalho, e da razão pela qual estou aqui.
Stuart segurou a mão dela e apertou-a.
— Se vai me dizer que escreve a coluna de Victoria Boulderbottom para a Aspects, eu já sei.
Jeannie arqueou as sobrancelhas, atônita.
— Você... sabe?
— Não foi difícil deduzir. — Ele apontou para o compu­tador. — Você trabalha aqui todos os dias, tem prazo para terminar todas as semanas, e, no entanto, seu nome não aparece em nenhum artigo da revista. Foi na semana pas­sada, quando você escreveu sobre os ardis dos homens ricos, que liguei uma coisa à outra. Como era mesmo o título?
— "O Rei das Montanhas" e "Como Ganhar o Jogo" — disse Jeannie, embaraçada.
— Isso mesmo. — Stuart inclinou a cabeça para olhar para ela.
— Eu me vi descrito, no primeiro parágrafo, e, naquele momento, eu soube que Victoria Boulderbottom era você.
— Perdoe-me, eu...
— Por quê? Cada palavra que você escreveu é verdadeira. Seu trabalho é excelente, Jeannie. E por isso que tenho certeza de que achará gratificante o tipo de vida que estou lhe oferecendo.
— Você compreendeu do que se trata "O Casamento Ideal"?
— Encontrar um marido rico.
Jeannie desviou o olhar, sem coragem de encará-lo.
— Sim.
Stuart segurou-lhe o queixo e forçou-a a virar o rosto.
— E acho que preencho os requisitos.
— Totalmente.
Stuart percorreu um dedo pelos lábios dela.
— E então, o que diz da minha proposta?
Jeannie olhou para a tela branca do computador. Seu co­ração podia estar aprisionado pelo homem errado, um homem que não a queria, que não a amava; mas sua mente estava aberta, e vinha lhe dizendo, havia várias semanas, que Stuart Singleton poderia ser quem o libertaria novamente.
— Sim — respondeu ela, já traçando em sua mente um esboço da vitória de Victoria.
Kyle empurrou uma pasta, sobre a mesa.
— Magda Ladanski — murmurou, enquanto o novo diretor-superintendente abria a capa.
— Lembro-me dela — disse Jason, com um movimento afir­mativo da cabeça. — Uma senhora de meia-idade, avantajada.
— Uma profissional respeitada — corrigiu Kyle. — Al­tamente conceituada e muito querida pelos leitores. A edi­tora não pode ficar sem ela, Jason. Lembre-se disso.
O homem mais jovem riu, baixinho.
— Já sei, tenho de ser bonzinho com Magda Ladanski! Quem é o próximo?
Satisfeito, Kyle continuou a mostrar as fichas dos fun­cionários, certificando-se de que Jason compreendia exata-mente sua posição. Kyle levara um longo tempo para formar uma equipe de confiança e não queria correr o risco de desfalcar essa equipe por um erro de julgamento de Jason.
— Quem é esta? — perguntou Jason, olhando para a ficha de Jeannie. — Não há nada aqui, além de um curri­culum vitae e recibos de pagamento.
Kyle sorriu.
— Olhe de novo.
Jason folheou as páginas, mais uma vez.
— Nada. Ah... só uma observação. "Fique atento" — Ele deu de ombros. — O que significa isso?
— Significa que ela vai ganhar o troféu da imprensa. — Kyle fechou a pasta e colocou-a em cima das demais. — Apenas fique atento.
Ele estava abrindo a pasta seguinte quando alguém bateu à porta. Trish empurrou-a e enfiou a cabeça no vão.
— Desculpe interromper, mas seu vôo parte daqui a duas horas, Kyle.
— Obrigado, Trish. — Kyle virou-se para Jason. — Por que não leva estas aqui para casa? Telefonarei quando che­gar a Bristol Harbor.
— Ótimo. — Jason levantou-se e alisou a gravata. — Faça uma boa viagem, sr. Hunter. E pode contar comigo para cuidar de tudo, por aqui.
Kyle acompanhou-o à porta.
— Não tenho nenhuma dúvida quanto a isso, Jason. Ele voltou para a escrivaninha e estava guardando as pastas no arquivo, quando Trish bateu novamente.
— Há uma pessoa aqui que quer falar com você, Kyle. Ele não se virou.
— Estou atrasado. Diga à pessoa que procure Jason.
— Não vai demorar, prometo.
A voz sedosa penetrou fundo, como uma lâmina em uma ferida que não tivera tempo de cicatrizar. Kyle virou-se lentamente, dizendo para si mesmo que não haveria problema, que ele agüentaria. Mas Jeannie sorriu e a ferida reabriu-se, provocando uma dor insuportável.
— Como vai, Jeannie?
Ela trocou a mochila de ombro.
— Eu, bem. E você?
A calça jeans, a camisa xadrez e os tênis combinavam com ela. Kyle perguntou-se se Stuart Singleton lhe teria comprado as roupas.
— Atarefado — ele se viu respondendo. — Você sabe como é.
— Ouvi as notícias sobre a Semana da Corrida. Sinto muito que você tenha perdido.
— Não tem importância.
Nada tinha importância. Apenas o fato de que ela estava ali. Kyle contornou a escrivaninha, com a esperança de dei­xar Jeannie mais à vontade.
— Por favor, sente-se.
Jeannie permaneceu de pé por mais um momento, observando-o, e em seguida deu um passo à frente. Kyle sentiu-lhe o perfume... suave, como o outro, porém uma fra­grância diferente.
— Serei direta — começou ela, sentando-se e largando a mochila no chão, perto da cadeira. — Stuart me pediu em casamento. Achei que você devia saber.
A cabeça de Kyle girou, porém ele se apoiou na escriva­ninha e sentou-se, tentando disfarçar o choque.
— E qual foi sua resposta?
Ele prendeu a respiração, enquanto Jeannie hesitava.
— Eu disse sim.
Kyle forçou-se a inspirar o ar. — Está apaixonada, então.
Ela assentiu, porém não foi capaz de olhar para ele. E Kyle teve consciência de que a perdera. Sem saber como, ele conseguiu destrancar a gaveta superior, tirar de dentro um envelope e colocá-lo sobre a mesa. Conseguiu até sorrir.
— Quer dizer que você ganhou. Parabéns. Jeannie olhou para o envelope.
— O que é isso?
— O contrato social. Trinta e três por cento da revista e um formulário de despesas, a serem pagas por mim, se não estou enganado. — Ele se levantou e estendeu a mão. — Desejo-lhe o que há de melhor, Jeannie. Espero que seja feliz.
Jeannie olhou para a mão grande e áspera, para os dedos fortes, e a única coisa em que conseguiu pensar foi na sensação das mãos de Kyle quando a abraçavam. Ela sabia que, se tocasse nele, esqueceria por que fora embora de Bristol Harbor, antes de mais nada, e por que ia se casar com Stuart.
Por isso, ela guardou o envelope na mochila e Kyle baixou a mão.
— Também tenho uma coisa para você — murmurou Jean­nie, colocando um disquete em cima da mesa. — A última coluna de Victoria Boulderbottom. O estilo é de triunfo total.
Kyle pegou o disquete e estudou-o, de ambos os lados.
— Tenho certeza de que os fãs de Victoria vão adorar.
— Sim. — Jeannie retorceu a alça da mochila e caminhou para a porta. — Não vou tomar mais seu tempo. Sei que tem um avião para pegar.
— Jeannie, espere...
O coração dela disparou, quando Kyle deu um passo em sua direção, porém pareceu encolher-se quando ele simples­mente lhe entregou o disquete. O que ela esperara? Uma declaração de amor? Uma súplica para que ela ficasse? Não... Afinal, ele tinha uma importante viagem pela frente.
— Entregue, para mim, na edição, por favor — pediu Kyle. Jeannie tentou ignorar o zumbido nos ouvidos, enquanto recebia o disquete de volta das mãos dele.
— Não quer ler, primeiro? Ele se virou abruptamente.
— Não.

Sentada no tapete da sala de estar, com as pernas cru­zadas, Jeannie examinava seus CDs. Um delicioso cheiro de pizza flutuava no ar, bem como o som de Stuart asso­biando, na cozinha. Jeannie pôs-se de pé, colocou um CD de rock suave no aparelho de som e acendeu as quatro velas de seu castiçal de cerâmica, empenhada em tornar aquela noite especial.
— Deixe-me ver se entendi bem — disse Stuart, cruzando as pernas e sentando-se de frente para ela, com o prato de pizza no colo. — A fotografia em cima da lareira é de seu irmão, tia Clothilde foi quem lhe deu o Corvette e o porta-retrato dourado é de Victoria Boulderbottom.
Jeannie cortou um pedaço de pizza.
— Você aprende depressa.
— Só no que concerne a você. — Ele apontou para outro porta-retrato. — E quem são esses?
— Meus pais. Eles se aposentaram e se mudaram para a Flórida. Sabia que minha mãe era cantora de ópera? — Jeannie sorriu. — Tenho toda a coleção dela. Quer ouvir?
— Numa outra ocasião, talvez — Stuart desculpou-se com um sorriso embaraçado. — Receio não ser um grande admirador de ópera.
Jeannie cortou mais um pedaço de pizza.
— Tudo bem. Temos uma vida inteira para ouvir. Stuart tirou o prato das mãos de Jeannie e colocou-o de lado.
— Gosto de ouvi-la falar assim.
Jeannie pigarreou e pegou o prato de volta.
— Não é isso o casamento?
Stuart colocou o prato fora do alcance dela.
— E exatamente isso. Uma vida inteira, juntos.
Ele segurou a mão de Jeannie e levou-a aos lábios, bei­jando os dedos, a palma, o pulso. A sensação era agradável, reconfortante. Mas faltava alguma coisa. Jeannie olhou ao redor da sala, inquieta.
Mais velas. Devia ser isso. Ela se arrastou para trás, sobre o tapete.
— Me dá licença, um minutinho?
— O que foi? — perguntou Stuart, perplexo.
— Velas. — Jeannie pôs-se de pé e correu até a cozinha.
— Mas você já acendeu...
— E melhor acender mais. — Jeannie puxou a gaveta inferior do armário da cozinha, pegou um pacote de velas brancas, que guardava para o caso de uma emergência, e rasgou a embalagem plástica com os dentes. Se aquilo não era uma emergência, ela não sabia o que era.
Stuart observava-a, da porta.
— Jeannie — murmurou ele. — O que está acontecendo? Ela afastou o cabelo do rosto.
— Nada. Está tudo bem. Ele se aproximou.
— Não é o que parece. O que vejo diante de meus olhos é uma mulher tentando arduamente convencer a si mesma de alguma coisa. Jeannie, diga-me, o que há de errado?
Jeannie sentiu um peso sobre os ombros, enquanto pas­sava por Stuart, de volta para a sala. Era inútil continuar tentando se enganar. Não podia se casar com Stuart, e sabia muito bem disso; simplesmente porque não o amava.
Kyle tivera razão, desde o início, refletiu ela. Toda aquela concepção de casamento ideal era ridícula. Ela olhou para o porta-retrato, sobre a mesinha de canto. Victoria teria de compreender.
— Sente-se, Stuart — disse Jeannie, largando o pacote de velas em cima da mesa. — Precisamos conversar.

Mesmo através da porta fechada do apartamento, a voz de Magda era inconfundível. Com certeza, havia alguém passando por um mau bocado.
— Não acredito que você esqueceu outra vez de assar os biscoitos da fortuna! Pois trate de pegar suas coisas e... — Ela abriu a porta e congelou, no meio da frase. — Kyle? O quê... Você não está em Maine?
— Aparentemente, não — respondeu ele, com ar desam­parado, dando-se conta de que aquilo não seria fácil como imaginara. — Na verdade, acabei de voltar de lá. Preciso saber onde está Jeannie.
— Por quê?
— E uma longa história. Ela está no Alasca ou em Montana?
— Em nenhum dos dois. — Magda inclinou a cabeça para um lado. — Você não leu a última coluna, leu?
Kyle balançou a cabeça.
— Hum — resmungou Magda, afastando-se para que ele entrasse. — A última notícia que tive foi de que ela estava morando em uma casa com uma cozinha minúscula e uma garagem enorme.
— Quer dizer que ela continua em Chicago?
— Garoto esperto!
— Mas... ela está com alguém? Magda deu de ombros.
— Sei lá! Esqueci.
— Mas não esqueceu as exposições de animais?
— Tudo bem, ela está sozinha.
— Tem certeza?
— Alguma vez eu me enganei? — Magda apontou um dedo para ele. — E se você a magoar de novo, Kyle Hunter...
— Eu amo Jeannie, Magda.
Magda encolheu o dedo e um largo sorriso iluminou-lhe o rosto.
— Ah, finalmente admite! Eu sabia, o tempo todo. Na verdade...
— Magda?
— Diga.
— Ouvi dizer que o verão na Inglaterra é maravilhoso. Por que não tira uma semana ou duas e faz a cobertura da temporada de teatro? E aproveita para dar umas voltas em Londres? Hum? — Ele piscou um olho, sugestivamente.
Magda olhou-o de soslaio, mal cabendo em si de contentamento.
— Primeira classe?
— Primeira classe.
Ela deixou escapar um gritinho de triunfo.
— Gladys, pode ficar! — gritou, na direção da cozinha. — Eu só estava brincando! Hum! — Ela se virou para Kyle. —- Salmão no café da manhã de bordo! Até já posso sentir aquele cheiro delicioso!
— Só mais uma coisa, Magda — lembrou Kyle, antes de sair. — Não diga a Jeannie que falou comigo.
Ela sorriu.
— Até parece que você não me conhece!


CAPÍTULO XI

Kyle estacionou o carro diante da casa. Não havia luzes acesas, apenas o brilho de velas, através das janelas. Seu estômago se contraiu. E se Magda estivesse enganada? E se Stuart ainda estivesse lá?
Ele subiu os degraus de dois em dois e escutou, do lado de fora da porta. Não ouviu vozes, apenas o som de música... um rock suave, o afrodisíaco predileto de Jeannie.
Kyle bateu. Quando não houve resposta, ele girou a ma­çaneta. A porta não estava trancada. Ele engoliu em seco e entrou.
Havia várias velas acesas, na sala, e Kyle avistou o brilho que vinha da cozinha. Seu coração começou a bater com força. Jeannie devia estar à espera de alguém! Talvez, até, a pessoa já estivesse lá.
Cautelosamente, ele fechou a porta e avançou pelo cor­redor, em direção à cozinha... onde encontrou Jeannie.
Ela estava de pé, ao lado da mesa, os pés descalços e os ombros nus, sob o vestido leve de algodão, abotoado do decote à barra.
— Você não devia estar em Maine? — perguntou ela, em tom de voz baixo e rouco, em meio às sombras.
— E você não devia estar com Stuart? — revidou Kyle, sentindo uma estranha letargia nos membros.
Jeannie deu de ombros.
— Houve uma mudança de planos.
— Comigo, também. — Kyle tentou umedecer os lábios, porém descobriu que sua boca estava completamente seca. Ele olhou para as velas acesas, sobre a bancada.
— Está esperando alguém?
— Talvez. O que veio fazer aqui?
Kyle respirou profundamente e tentou lembrar-se das palavras que vinha ensaiando desde que saíra de Maine.
— Jeannie, me perdoe. Eu fiz tudo errado.
Jeannie permaneceu em silêncio, e Kyle transferiu o peso de uma perna para a outra, sentindo-se pouco à vontade diante da expressão de desafio no rosto dela.
— Quando você foi embora de Bristol Harbor, pensei que seria capaz de superar. Que a corrida compensaria a sua falta e que, depois, tudo voltaria ao normal. Mas não foi o que aconteceu.
— Por quê?
— Porque nada mais era a mesma coisa, sem você. A casa, o barco, até a perspectiva da viagem perdeu o encanto.
Ele fez uma pausa, antes de acrescentar:
            — Não posso voltar para lá sem você, Jeannie. Não posso velejar, nem dormir em minha cama.
Jeannie apoiou uma mão no encosto da cadeira e desviou o olhar.
— Se você não voltar para lá comigo, Jeannie, ficarei aqui, porque preciso de você como nunca precisei de outra mulher. Porque amo você, como nunca amei outra. Co­mecei a amá-la desde o dia em que você colocou aquela nota de cinqüenta em minha mesa e me desafiou a pegá-la.
Ele suspirou, com dificuldade.
— Só espero que não seja tarde demais.
Jeannie olhou para ele, o coração acelerado, cada parte de seu ser ansiando para atirar-se nos braços dele.
— Jeannie... eu quero você. Quero uma casa cheia de crianças, e uma prateleira repleta de troféus da imprensa.
 Kyle passou a língua pelos lábios.
— O que estou tentando lhe dizer é que... quero que se case comigo, Jeannie!
Jeannie teve a sensação de que uma nuvem de emoção e felicidade a envolvia, erguendo-a no espaço. Ela se apoiou na cadeira, com mãos trêmulas.
— Eu... quero a mesma coisa, Kyle — murmurou ela, num tom de voz que não passava de um sopro. — Porque também amo você.
No instante seguinte, ela estava nos braços de Kyle, entregando-se àquela sensação extasiante, tornando-se parte dele, parte de tudo o que ele era.
— E quando partimos? — quis saber, finalmente, quando ele levantou o rosto e a fitou, com desejo e paixão nos olhos azuis.
— Partir?
— Para as  Seychelles, Antilhas, e não sei mais onde. — Jeannie sorriu, diante da expressão atônita de Kyle. — Ou pensou que ia sem mim?
O rosto dele se iluminou num largo sorriso.
— Jamais. De jeito nenhum. Nem agora, nem nunca!
— Já sei! — exclamou Jeannie, com as mãos nos ombros dele. — É isso mesmo!
— O quê?
— O nome para o barco. Nem Agora, Nem Nunca. Kyle riu.
— Falaremos sobre isso depois. — Ele cobriu os lábios de Jeannie com os seus, sem a menor inclinação para pensar em nomes de barcos.
— Tem noção do que significa tudo isso, Kyle? — per­guntou Jeannie, com um sorriso maroto, quando ele afastou o rosto. — De qual foi a conclusão dessa longa história?
Ele assentiu, com o olhar sorridente.
— Você ganhou a aposta.
— Hum, hum. — Jeannie suspirou e envolveu-o pelo pescoço, puxando-o para si. — Mas sabe de uma coisa? Acho que vou deixá-lo dirigir meu carro.


LYNDA SIMONS nos diz: "Romance no local de trabalho! Todo mundo diz que não é re­comendável, mas todo mundo sabe que acontece. Em meu escritório só trabalham mulheres... não há esperança de romance, por lá. Mas lembro-me de um verão, quando trabalhei como caixa em um pequeno mercado perto de minha casa, para ganhar um dinheirinho extra e ajudar a pagar a faculdade... e meu cavalo. O gerente era um daqueles homens lindos, com um sorriso de tirar o fôlego. Infelizmente, ele flertava com todas e não ia adiante com nenhuma. Mas me recordo de como fiquei surpresa e envaidecida no dia em que ele me mandou um buquê (verdade que eram margaridas, mas não deixavam de ser flores!). De qualquer forma, Jeannie Renamo, heroína deste romance, tem mais sorte com seu chefe. Kyle Hunter é simplesmente o homem perfeito para ela, algo que ambos estão prestes a descobrir."

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